Acórdão nº 526/12.3TBPVZ-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução25 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 526/12.3TBPVZ-A.P1.S1 R-476[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Na Oposição à Execução para Pagamento de Quantia Certa em que é Exequente AA, e Executados: - Banco BB, SA, sendo interveniente CC, Lda.

, veio o Banco BB, S.A, deduzir, em 26.3.2012, oposição à execução pendente no Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim – 2º Juízo Cível – e Incidente de Intervenção Provocada, pretendendo que, pela procedência da mesma, seja julgada extinta a execução.

Alegou o Oponente, em resumo, o seguinte: - inexiste título executivo pois que, do teor da garantia bancária que serve de título executivo à presente execução, as obrigações assumidas pelo Banco perante o Exequente reportam-se, exclusivamente, a garantir “o bom e pontual cumprimento da obrigação de conclusão e entrega do imóvel ao Beneficiário por parte da Ordenadora, no âmbito do contrato promessa de permuta de bem presente por bem futuro, celebrado em 27 de Janeiro de 2008” obrigando-se o Banco “como principal pagador, a fazer as entregas de quaisquer importâncias que se tornem necessárias, até àquele limite [€ 200.000,00], se “CC, Lda o não fizer em devido tempo”, pelo que o Banco prestou uma fiança a favor do Exequente.

Logo, contrariamente ao que acontece nas garantias autónomas, na fiança, a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor, o que significa que o fiador pode opor ao credor os meios de defesa de que pode valer-se o devedor; - É verdade que o Banco BB emitiu por ordem de CC Lda. – e a favor do Exequente AA, a garantia bancária no valor de € 200.000,00, emitida em 3 de Abril de 2008, com a validade de trinta e seis meses, o que vale por dizer que o Beneficiário só a podia executar até ao dia 3 de Abril de 2011 e que o Exequente, no dia 2 de Março de 2011, solicitou ao Banco que honrasse a garantia prestada não tendo o Banco satisfeito a pretensão do Exequente, tendo em conta que este não logrou demonstrar o incumprimento da obrigação de conclusão e entrega do imóvel por parte do Ordenador. Antes pelo contrário, foi o próprio Ordenador que conseguiu demonstrar que não havia incumprido aquela obrigação pois que o atraso na entrega definitiva da obra ficou a dever-se a diversas e sucessivas alterações/aditamentos ao caderno de encargos, assim como a diversas alterações de ordem estrutural exigidas pelo Exequente; - o Ordenador pediu ao Banco que não honrasse a garantia uma vez que, tendo o atraso na entrega da obra ficado a dever-se ao Exequente (e só a este), tinha chegado a acordo com ele no sentido de ser prorrogado o prazo da garantia ou ser emitida nova garantia bancária com o mesmo conteúdo, mas com um prazo mais lato. Perante a pretensão, tanto do Ordenador, como do Beneficiário, o Banco aceitou, logo no dia 31 de Março de 2011, proceder à emissão de uma nova garantia bancária nos termos acima descritos. No entanto só o faria se, no momento da emissão de nova garantia bancária, o Beneficiário devolvesse ao Banco o original da garantia bancária nº … e entregasse um documento em que aquele expressamente declarasse que desistia do seu accionamento, o que comunicou ao Beneficiário e ao Ordenador.

Porém, desde aquela data de 31 de Março de 2011, o Banco não foi mais contactado pelo Exequente para proceder à emissão da nova garantia bancária. Perante tal omissão e durante os meses de Abril, Maio e Junho de 2011, o próprio Banco tentou contactar o Exequente, quer na sua própria pessoa, quer por intermédio do seu advogado, para averiguar o que se passava, o que se revelou infrutífero.

Mais alega que, todas e cada uma das alterações solicitadas pelo Exequente, quer ao Ordenador, quer a outras empresas, conduziu a um inevitável atraso na conclusão e entrega da moradia, atraso este que, insista-se, é exclusivamente imputável ao Exequente.

Foi nesta conformidade que o Banco Réu se absteve de pagar o valor da fiança por si prestada.

Conclui, pedindo que seja reconhecida a falta de título executivo, seja pela via dos fundamentos da oposição propriamente dita, deve esta ser julgada inteiramente provada e procedente, com a consequente extinção total da execução. Subsidiariamente, pede a intervenção acessória provocada de CC, Lda.

Proferiu-se despacho que admitiu liminarmente a oposição.

Notificado o exequente, veio contestar, defendendo-se por impugnação, alegando, ainda, que a garantia bancária é independente da relação causal, a qual não reveste a natureza de fiança e porque se verificam os pressupostos para ser accionada, atenta a confissão dos factos pelo executado, concluiu pelo prosseguimento da execução de acordo com o aí peticionado e pela improcedência do pedido de intervenção requerido pela Oponente.

Foi proferido o despacho saneador, dispensando-se a fixação da matéria de facto assente e a provar, nos termos do art. 787º Código de Processo Civil.

Admitiu-se a intervenção de CC, Lda. e procedeu-se à respectiva citação.

A interveniente veio aderir aos fundamentos da oposição apresentada pelo executado.

Realizou-se o julgamento, com gravação da prova.

O despacho que contém as respostas à matéria de facto consta de fls. 337 a 347.

*** A final, foi proferida sentença com a decisão que se transcreve: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela procedência desta oposição, declaro a extinção da execução”.

*** Inconformado, o Exequente recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que por Acórdão de 2.6.2014 – fls. 670 a 734 – revogou a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição e ordenando que a execução prosseguisse.

*** O BBB e CC, Lda., recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1ª) O presente recurso vem interposto de um acórdão que, revogando na totalidade a sentença proferida nos autos, mandou prosseguir a presente execução, sob o fundamento de que a garantia em causa se reconduz, não a uma fiança, mas sim a uma garantia autónoma simples que constitui título executivo à luz do decantado art. 46° al. c) do Código de Processo Civil, juntamente com uma declaração do ordenador da garantia na qual assume o incumprimento da obrigação e ainda uma carta de interpelação dirigida ao Banco garante; 2ª) O acórdão recorrido entendeu ainda que, uma vez admitida a execução, recaía sobre o garante, em sede de oposição, alegar e provar que não ocorreu o facto constitutivo do direito do exequente, ou seja, que o ordenador não incumpriu a obrigação garantida — não o tendo feito, a presente oposição teria de sucumbir; 3ª) O Tribunal a quo laborou num tremendo erro de julgamento: primeiro, porque a garantia dos autos é uma fiança e, desde logo, por este fundamento a oposição procederia pois inexistiria título executivo à luz do disposto na al. c) do art. 46° do Código de Processo Civil; depois, porque todos e cada um dos factos que o Banco logrou provar nos autos são bem demonstrativos de que o ordenador da garantia não incumpriu a sua obrigação; Vejamos, 4ª) A grande característica que distingue a fiança da garantia autónoma simples é que, enquanto a primeira é acessória da obrigação principal, a segunda é autónoma da obrigação principal: não existindo no contrato de garantia qualquer alusão expressa a nenhuma destas figuras, mas sendo necessário descortinar a sua natureza, é preciso saber, recorrendo à interpretação do negócio, “se as partes pretenderam que a obrigação do garante ficasse ou não dependente das excepções oponíveis à obrigação principal, devendo, em caso de dúvida, presumir-se pela mera estipulação da fiança por se tratar de uma garantia prevista na lei” — cfr. Acórdão recorrido.

  1. ) A garantia dos autos reconduz-se a uma fiança uma vez que o documento que a titula: a) não contém qualquer declaração de renúncia do Banco à invocação de excepções derivadas do contrato-base; b) contém uma cláusula de renúncia ao benefício da excussão prévia, benefício este que configura um direito no âmbito da fiança (cfr. art. 638° do Código Civil); c) contém uma referência à falta de cumprimento da obrigação de conclusão e entrega do imóvel, o que significa que o Banco não prescindiu de controlar o cumprimento pelo Ordenador do contrato base; 6ª) Não colhem, assim, os argumentos expendidos no acórdão recorrido para afastar o entendimento de que estamos perante uma fiança: da mesma forma que as partes não exararam no corpo da garantia a palavra “fiança” também não exararam, em vez de garantia bancária, “garantia bancária autónoma simples”; no texto do contrato de garantia contém igualmente expressões típicas da fiança; não se vê no texto da garantia qualquer declaração de renúncia do Banco à invocação de excepções derivadas do contrato-base; na fiança o garante tem o direito de fiscalizar o cumprimento do contrato garantido, não constituindo esse direito qualquer dever; nada na lei impõe que a fiança acompanhe toda a vida do contrato.

  2. ) Redunda numa clamorosa violação do princípio da liberdade contratual, que norteia estes contratos, afirmar-se que a garantia dos autos é uma garantia bancária autónoma simples, impedindo o garante de discutir a relação de base quando nenhuma cláusula de exclusão foi contratada; 8ª) De resto, tenha-se absolutamente presente que em caso de dúvida quanto à interpretação do negócio de garantia, o mesmo presume-se ser de fiança: daí que o acórdão recorrido, se não surpreendeu qualquer alusão concreta que o levasse a concluir estar perante uma garantia autónoma — in casu, uma cláusula de exclusão/renúncia do Banco à invocação de excepções derivadas do contrato-base — então, na dúvida, deveria ter decidido tratar-se de uma fiança (veja-se a este respeito o que se decidiu nos acórdãos citados em texto do TRP de 16.06.2011 e TRL 17.12.2009); 9ª) Ainda quando se entendesse que a garantia oferecida à execução nestes autos se reconduz a uma garantia autónoma simples, a presente acção falecia da mesma forma pela inexistência de título executivo: não se tendo o Banco responsabilizado pelo pagamento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT