Acórdão nº 354/12.6GASXL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução03 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão do tribunal coletivo do 1.º Juízo Criminal do Seixal de 12.9.2013, como autor material de um crime tentado de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, b) e h), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal (CP), na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.

Desse acórdão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a redução da pena. Por acórdão de 30.1.2014, a Relação negou provimento ao recurso.

Novamente inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo: I - Objeto do Recurso: Vem o presente recurso interposto do aliás douto acórdão de fls. proferido nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo acima identificados, que condenou o arguido AA em 9 anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. nos termos dos artº 131°, 132°, n. º 1 e 2 alíneas b) e h), 22° e 73° todos do Código Penal.

No mesmo acórdão, foi também o arguido condenado no pagamento de uma indemnização à ofendida para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por esta sofridos, bem como ao pagamento, ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E, da quantia correspondente aos serviços de saúde por este prestados à ofendida.

Entende o arguido, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena aplicada revela-se demasiado severa.

II- Dos factos: Como melhor consta do douto acórdão, ficou provado, entre outros factos, que: - o arguido é casado com a ofendida desde há cerca de trinta anos tendo nascido dessa relação dois filhos, ambos maiores de idade; - residia com a ofendida e os filhos do casal, sendo frequentes nos últimos tempos situações de conflito derivadas do excessivo consumo do álcool pelo arguido e ausências deste, registando o arguido diversas situações de instabilidade psicológica no decurso das quais era visto a falar sozinho; - no dia 7/07/2012 pelas 23.50h o arguido, no interior da residência, encetou uma discussão com a ofendida; - no decurso dessa discussão, quando já se encontravam no quarto de dormir de ambos, o arguido trancou a porta desse quarto e dirigindo-se à ofendida disse que iriam ambos morrer; - de seguida lançou gasolina sobre a cama do casal e com o auxílio de um isqueiro ateou fogo a uma colher de pau com um pano envolvido molhado com gasolina, lançando a colher de pau já com o fogo ateado, sobre a cama do casal, pegando fogo à cama, o qual se propagou pelo quarto e pelos corpos do arguido e da ofendida; - momentos depois BB e CC acorreram em auxílio da ofendida, tentaram abrir a porta do quarto que se encontrava fechada à chave, partindo-a, acabando esta por se abrir de modo não concretamente apurado, assim conseguindo retirar a ofendida do quarto colocando-lhe uma toalha molhada no corpo; - o arguido encontrava-se alcoolizado e é consumidor de bebidas alcoólicas há cerca de trinta anos, apresentando um quadro clínico de perturbação por uso de álcool, dependência de álcool, caracterizado por um modo de consumo de álcool em padrão de abuso, com dificuldade em reduzir ou suspender o consumo e de insuficiência no funcionamento social; - o arguido encontrava-se alcoolizado, mas ciente das consequências da sua conduta, agiu livre, deliberada e conscientemente ciente da punibilidade da sua conduta, não demonstrou arrependimento nem valoração crítica da sua conduta; - já foi condenado em 2010 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez; - o arguido trabalhava como ladrilhador por conta própria e à data dos factos atravessava um período de dificuldades financeiras; - a ofendida sofreu queimaduras com uma extensão aproximada de 20% da superfície corporal, tendo estado internada até 16/08/2012 na unidade de queimados do Hospital de S. José, transitando depois para a enfermaria dos serviços de cirurgia plástica, com alta hospitalar em 23/0812012, apresentando queimaduras do 2º grau, stress pós traumático e perturbações do equilíbrio, lesões essas ainda não completamente consolidadas; - o arguido declarou ainda apenas se recordar que no dia dos factos saiu cedo de casa, por volta das sete horas, começou logo a beber, mais assumiu que consumia bebidas alcoólicas em excesso.

O Tribunal a quo fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada pela confrontação das declarações prestadas pelo arguido, pela assistente e nos depoimentos das testemunhas.

III- Do Direito: Com base nos factos provados, o Tribunal a quo formulou a sua convicção e decidiu.

Na fixação da medida da pena é necessário ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal.

Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, "na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas" cfr. art. 71º, n.º 3.

O Tribunal a quo violou, como segundo se demonstrará, o disposto no artigo 71° do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação.

Efetivamente, se atendermos ao facto do álcool prejudicar as capacidades de antecipação, de previsão e de decisão, do alcoolismo ter semelhanças manifestas com a dependência do consumo de estupefacientes e ao facto, claramente demonstrado, que o recorrente se encontrava alcoolizado à data da prática dos factos, quadro clínico de dependência do qual que aliás já padece há mais de trinta anos, dúvidas não podem restar que o mesmo se encontrava limitado na sua capacidade de discernimento quanto à sua atuação como o próprio referiu em sede de julgamento.

Considerando os, salvo melhor opinião, escassos factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática do crime, sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, deverão pender a favor do arguido, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pelo facto da falta de fundamentos para penalizar o arguido.

Na verdade, afirmar que «o arguido encontrava-se alcoolizado, mas ciente das consequências da sua conduta, agiu livre, deliberada e conscientemente ciente da punibilidade da sua conduta, não...

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