Acórdão nº 4910/08.9TDLSB-E.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução25 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.

No processo em epígrafe, onde estão a ser julgados, entre outros, os arguidos AA, BB e CC pela prática dos crimes de abuso de confiança, de burla qualificada, de falsificação de documentos, de infidelidade, de branqueamento de capitais e de fraude fiscal qualificada, foram arrolados como testemunhas DD, EE, FF e GG, todos advogados, que, no decurso da audiência, quando o Tribunal procedia à sua inquirição, invocaram o sigilo profissional, nos termos do artº 87º do EOA, alegando que os factos de que têm conhecimento lhes advieram do exercício da sua profissão e, como tal, sujeitos àquele segredo (cfr. actas de fls. 38251 a 38253, 38365 a 38367 e 38368 a 38372, do processo principal).

Tribunal a quo considerou legítimo, em termos processuais, a invocação do sigilo profissional e, por isso, suspendeu a sua inquirição, sem prejuízo de, posteriormente, «ser suscitado incidente de apreciação da legitimidade substancial junto do Tribunal da Relação». Tendo as referidas testemunhas declarado que pretendiam prestar declarações em julgamento, se fossem dispensadas do segredo profissional, solicitaram à Ordem dos Advogados essa dispensa que, no entanto, foi indeferida, com a declaração de impedimento de prestarem depoimento nos autos, na qualidade de testemunhas (cfr. fls. 38914 a 38926, 38944 a 38949, 39343, 39344 a 39346, 41340 a 41342, 41365 a 41367, 41524 a 41526 e 41355 a 41357, do processo principal).

Mas o Ministério Público, porque entendeu que a sua inquirição era fundamental para a descoberta da verdade material, requereu que, «incidentalmente, se procedesse, de imediato e em separado, em ordem a ser declarada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a justificação da quebra do segredo profissional de advogado relativamente às identificadas testemunhas" (cfr. fls. 44133 a 44149, do processo principal)[1], entendimento a que aderiu o Tribunal a quo que, por isso, suscitou a intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa «no sentido de apurar se não obstante a legitimidade formal da escusa invocada pelos 4 Advogados, perante os interesses em causa no caso presente, se justifica ou não a prestação do depoimento com quebra do segredo profissional ao abrigo do permitido pelo artº 135º/3 do C.P.P».

Pelo acórdão de 26.02.2014 (fls. 941 e segs., destes autos), o Tribunal da Relação determinou «que os Advogados DD, EE, FF e GG prestem depoimento como testemunhas, no âmbito do processo n.º 4910/08.9tdlsb-E.L1, que corre termos na 4ª Vara Criminal de Lisboa, com quebra do segredo profissional – artº 135º/3 do C.P.P».

1.2.

Deste acórdão[2] interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a testemunha GG (fls. 1463 e segs.) e, com motivação conjunta, os arguidos AA, BB e CC (fls. 1558 e segs.).

1.2.1.

O recorrente GG, depois de (a) suscitar como questão prévia, a recorribilidade da decisão em causa (conclusões A a G), (b) concluiu pela sua revogação, por não estarem verificados os pressupostos legais da quebra de segredo profissional; 1.2.2.

Por sua vez, os arguidos AA, BB e CC, embora tivessem consagrado o capítulo II do corpo da sua motivação à questão prévia da ”RECORRIBILIDADE DA DECISÃO RECORRIDA” (fls. 1561 a 1571) e o capítulo seguinte a uma outra questão prévia com a epígrafe “DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA APRECIAÇÃO DO PRESENTE RECURSO ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÂO QUE ORDENOU/SUSCITOU O PRESENTE INCIDENTE DE QUEBRA DE SEGREDO” (fls. 1571 a 1580), nem uma nem outra destas questões foram levadas às conclusões que, como se sabe, definem o objecto do recurso, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 412º, nº 1 e 4º, do CPP e 635º, nº 4, do CPC.

O objecto do seu recurso visa, pois, em função das referidas conclusões, (a) a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que ordene a baixa dos autos para que o incidente seja instruído nos termos e pelas razões que refere; se assim não se entender, (b) a sua substituição por outro que indefira a requerida quebra do sigilo profissional; e, ainda se assim não se entender, (c) a sua substituição por outro «que circunscreva a requerida quebra, e a possibilidade de prestação de depoimentos pelas testemunhas sempre em referência, aos crimes considerados graves à luz dos artigos 135.º, n.º 3 e 187.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP…».

É certo que, do conjunto das conclusões 19 a 21 e 48 a 55, os Recorrentes retiram que o Tribunal da Relação não cumpriu o dever «de aferir da correcta instrução do presente incidente e de determinar que o mesmo fosse instruído com todas as peças processuais e provas necessárias ao respectivo julgamento». Trata-se, porém, de uma crítica, de uma censura, dirigida directamente à decisão recorrida que, por isso, pressupõe o seu julgamento, enquanto que a segunda das questões prévias suscitadas no corpo da motivação reclama que se suspenda esse julgamento. Queremos com isto dizer que essa questão prévia não foi de facto levada às conclusões da motivação e que, por isso, não constitui objecto do recurso dos Arguidos.

1.3.

Os recursos foram recebidos, embora com dúvidas, pela Senhora Desembargadora-relatora para subirem imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. despachos de fls. 1494 e 1641, respectivamente) 1.4.

O Senhor Procurador-geral Adjunto do Tribunal a quo respondeu a fls. 1684 e segs., e concluiu que (a) os recursos devem ser rejeitados por não serem admissíveis, nos termos dos artºs 417°, nº 6, al. b), e 420°, nº 1, al. b), do CPP; (b) a não serem rejeitados, deve o efeito ser alterado, nos termos do artigo 417°, nº 7, do CPP, atribuindo-se-lhe efeito meramente devolutivo; (c) de qualquer forma, a decisão recorrida deve ser mantida e confirmada nos seus precisos termos, negando-se provimento aos recursos.

1.5.

Em 18.03.2014, antes, portanto, de formalmente terem sido notificados do acórdão de 26.02.2014, (cfr.1.1., supra), os arguidos AA, BB e CC arguiram, no Tribunal da Relação, (a) a irregularidade processual por omissão da notificação desse acórdão; (b) a irregularidade processual decorrente do não cumprimento do «dever de fiscalização da boa instrução do incidente para quebra do sigilo profissional», alegando, como fundamento desta, «que o mesmo não foi instruído com nenhuma da prova documental constante dos autos principais, nem com cópia da gravação da prova testemunhal já produzida», o que, em sua opinião, «impede o bom julgamento do incidente à luz do critério legal expresso no artº 135º/3 do C.P.P para aferir da imprescindibilidade da quebra do segredo profissional» (fls. 1045 e 1103).

A primeira destas irregularidades ficou sanada com a notificação do acórdão, ordenada pelo despacho de fls. 1026 e concretizada com a expedição, nesse mesmo dia, dos correspondentes avisos postais (fls. 1027).

Quanto à segunda, a Senhora Desembargadora-relatora decidiu, por despacho de 21.03.2014 (fls. 1157), «não apreciar a referida irregularidade por a mesma já ter sido suscitada e conhecida junto do Tribunal da primeira instância e ainda por ser extemporânea, uma vez que estava a ser suscitada junto do Tribunal da Relação, ainda antes da notificação dos arguidos do Acórdão…».

Os mesmos Arguidos, dando conhecimento de que já tinham sido notificados do acórdão de 26.02.2014 e do despacho de 21.03.2014, reiteraram a arguição da segunda daquelas irregularidades e requereram que o incidente fosse instruído nos termos que referiram (fls. 1168 e 1206).

E em 08.04.2014, fls. 1219, reclamaram para a conferência do despacho de fls. 1157.

Pelo acórdão de 10.04.2014, fls. 1445 e segs. o Tribunal da Relação julgou improcedente a irregularidade arguida.

1.6.

Notificados, os arguidos AA, BB e CC interpuseram recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1727 e segs), pugnando pela sua revogação e substituição por outro que conheça e julgue verificada a irregularidade processual arguida, com a consequente baixa do processo para que, junta certidão integral do processo principal, ou, no mínimo, de toda a prova documental que especificam, o Tribunal da Relação «aprecie o requisito da imprescindibilidade da quebra do sigilo profissional à luz da prova já existente nos autos».

1.7.

O Recurso foi recebido com dúvidas, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (despacho de fls. 1759.

1.8.

Também agora o Senhor Procurador-geral Adjunto respondeu, fls. 1770 e segs., que (a) o recurso não era admissível, nos termos dos arts. 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. b), com referência ao artº 414º, nº 2, do CPP, mas que, de qualquer forma (b) a decisão recorrida deve ser confirmada, com o consequente não...

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