Acórdão nº 38/05.1SVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Na 2ª Vara Criminal de Lisboa e no âmbito do Processo nº 38/05.1SVLSB, por acórdão de 14.04.2010, decidiu o colectivo de Juízes: «A) – Condenar o arguido AA pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo artº 131º (e, não também nº 1, como por manifesto lapso se refere) do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão.

  1. – (…) C) – Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar aos demandantes BB e CC a quantia total de € 251.400,25 (duzentos e cinquenta e um mil e quatrocentos euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora. A este valor deduzir-se-á o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

  2. – Julgar totalmente procedente o pedido de reembolso de prestações da segurança social e, consequentemente, condenar o demandado AA a pagar ao ISS/CNP a quantia de € 2.248,20 (dois mil duzentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos) acrescida dos respectivos juros de mora» 2.

    Desta decisão, o arguido AA [que declarou manter interesse no julgamento do recurso interlocutório que havia interposto do despacho judicial de 24.10.2008 (fls. 1759), que lhe indeferiu o requerimento formulado na contestação, visando a produção de alguns meios de prova] e bem assim os assistentes BB e CC interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 29.03.2011, (fls. 3054 a 3074], decidiu: «- Julgar os recursos dos assistentes e do arguido parcialmente providos; - Determinar “a reabertura da audiência nos termos e finalidades do artº 340º do CPP, pelo mesmo colectivo, se ainda possível a sua constituição, nos termos assinalados para complemento de prova essencial à descoberta da verdade, nos termos assinalados ou outros que deles resultam necessários, directa ou indirectamente».

    1. Reaberta a audiência em 19.06.2012, e depois de efectuado o determinado no acórdão da Relação de Lisboa, o tribunal de 1ª Instância proferiu, em 19.06.2012, novo acórdão, exarado de fls.3313 a 3395, em que decidiu: «- Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131º (e, não também nº 1, como por manifesto lapso se refere) do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão.

      - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar aos demandantes a quantia total de € 251.400,25 (duzentos e cinquenta e um mil e quatrocentos euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora.

      Valor a que deverá deduzir-se o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros».

    2. Desta decisão, recorreram o arguido, que requereu audiência, e os assistentes, para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 10.04.2013, decidiu: «A - Julgar improcedente o recurso interposto pelos assistentes.

      B - No parcial provimento do recurso interposto pelo arguido AA, alterar[mos] a decisão proferida sobre matéria de facto, conforme III.A).b.i, vi e vii. deste acórdão, reduzindo-se nos termos referidos em IV.2.3, a pena para 9 (nove) anos de prisão.

  3. - Pelo decaimento total, condenam-se os recorrentes/assistentes em 4 UC de taxa de justiça».

    1. Ainda irresignados com o assim decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido e bem assim os assistentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, das motivações que apresentaram, as seguintes conclusões: 6.1 − O arguido AA «1. A decisão recorrida confirmou a condenação do Recorrente como autor material de um crime de homicídio, p. e p. pelo art.131º do Código Penal.

    2. Porém, considera o Recorrente que tal enquadramento jurídico não é o adequado pois, ainda que se considere que o arguido tivesse agido apenas determinado por uma vontade de reagir à provocação consubstanciada nas violentas agressões de que foi vítima, ainda assim, o Recorrente terá cometido apenas um crime de homicídio privilegiado previsto e punido pelo artigo 133º do Código Penal.

    3. A doutrina tem discutido proficuamente, e em traços muito gerais, se este tipo de ilícito se reconduz à consagração da aceitação de uma inexigibilidade de comportamento diverso do agente ou se se trata, na verdade, não de uma questão de inexigibilidade mas sim de uma questão de menor capacidade psicológica do agente para no caso concreto resistir à anti- juridicidade imanente ao acto de tirar uma vida.

    4. Para aqueles que defendem que o art.133º consagra, em última análise, uma cláusula de exigibilidade diminuída ou de inexigibilidade "A emoção violenta compreensível, a compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor social ou moral privilegiam o homicídio (...) apenas e quando "diminuam sensivelmente" a culpa do agente. (...) Esta diminuição não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente. Do que se trata, em último termo, é da verificação no agente de um hoje dogmaticamente chamado, em geral, estado de afecto (assim também no direito suíço: TRECHSEL art. 113 1 ss.). Estado que pode, naturalmente, ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, mas que, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível da exigibilidade. Se a especial diminuição da culpa determina (ou pressupõe) ou não necessariamente uma diminuição graduai da gravidade do ilícito é questão que também aqui (cf Supra 132º § 4) não precisa de ser discutida." 5. Conclui o Figueiredo Dias que "o requisito da "compreensibilidade" da emoção (...) representa por isso uma exigência adicional relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o preceito." 6. Já Fernanda Palma distingue claramente no artigo 133º do Código Penal duas situações que merecem tratamento dogmático diferente: por um lado, nos casos de "compreensível emoção violenta, compaixão, desespero" deverá ser encarado o privilegiamento do tipo atenta a menor capacidade psicológica do agente para dominar os seus impulsos e de determinar a sua vontade no sentido da preservação da vida alheia.

    5. Por outro lado, nos casos de "motivo de relevante valor social ou moral", o que será de atender para operar o privilegiamento da conduta criminosa será a menor exigibilidade de um comportamento conforme ao Direito.

    6. Para Fernanda Palma, "na desculpa, a pergunta não é sobre todas as pessoas naquelas circunstâncias podem (isto é, têm o direito de) fazer algo - o que acarretaria sempre uma resposta negativa - mas sim se devem ser desculpadas em função do motivo que as determinou ou do seu estado emotivo." 9. A jurisprudência portuguesa dominante, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a abandonar a exigência de que a emoção seja "compreensível" no sentido da necessária existência de relação de proporcionalidade entre um acto (provocatório ou injusto) da vítima e o facto ilícito do agente.

    7. Mas, como acertadamente aponta Amadeu Ferreira, este entendimento era "dogmaticamente insustentável", quer por não ter qualquer reflexo na letra da lei (representando por isso uma violação do princípio da legalidade), quer por tomar apenas em consideração a fase da descarga da emoção e não todo o conflito interior prévio ao acto culminante que leva ao facto ilícito, quer, finalmente, porque "a equiparação da compreensibilidade à proporcionalidade significa uma completa desvalorização da emoção: refere- se a compreensibilidade ao facto criminoso do agente e não à emoção em si mesma considerada. Ora um homicídio nunca será compreensível, pois não vemos o que é que poderia ser proporcional ao valor que está em causa no homicídio - a vida humana. A ponderação é incompatível com a violência do estado emocional que domina o agente. Por isso é que o fundamento do privilégio é o seu menor grau de culpa e não a menor ilicitude do homicídio”.

    8. O Tribunal "a quo", remetendo em larga medida para a decisão proferida em 1ª Instância, concluiu que o Recorrente não agiu dominado por uma compreensível emoção violenta, confundindo várias situações que devem merecer tratamento jurídico diverso.

    9. Porém, caso tivessem resultado como provados os factos que o Tribunal chama à colação o resultado não seria seguramente a punição do Recorrente a título de autor de um crime de homicídio privilegiado mas, ou a sua não punição em razão de inimputabilidade (exclusão da culpa), ou da sua punição num quadro de actuação em estado de necessidade desculpante.

    10. O crime previsto no art.133º do C.P. pressupõe uma actuação dolosa, em qualquer uma das vertentes do dolo (directo, necessário ou eventual), pelo que é essencial ao preenchimento do tipo subjectivo que haja conhecimento e vontade do cometimento do crime.

    11. Para se aferir se o agente agiu dominado por compreensível emoção violenta o que tem de se verificar é se a emoção sentida é compreensível e não se é a sua motivação que o é.

    12. Com isto se quer significar que é irrelevante que a agressão perpetrada pelo ofendido já tivesse terminado pois mesmo que a mesma iá tivesse terminado, o que releva apurar é se ainda assim o Recorrente estava sob a emoção que lhe causou tal violenta agressão.

    13. Decorre do elenco dos factos dados como provados que a refrega tinha terminado há escassos segundos pois o ofendido encontrava-se apenas a 2m do Recorrente no momento dos disparos.

    14. Mas este facto não invalida que, para o Recorrente, pudesse não ser evidente que a contenda tinha terminado.

    15. Mas a circunstância de não ser exigível, para efeitos do preenchimento do tipo do homicídio privilegiado, que exista uma ofensa da vítima a que se reage não significa que tal facto não seja muitíssimo importante.

    16. Portanto, o facto de o ilícito do agente ser consequente a uma actuação também ela ilícita, injusta ou provocatória do ofendido releva no campo da compreensibilidade da emoção sentida pelo autor na medida em...

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