Acórdão nº 772/03.0TALRA-E.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O requerente AA veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão, nos termos do artigo 449 e seg. do Código de Processo Penal formulando as seguintes conclusões: 1) O recorrente não foi defendido em várias fases do processo que culminou com a sua condenação em 1.ª instancia porque não requereu a abertura de instrução, não esteve presente nem prestou declarações na audiência de discussão e julgamento e não apresentou tempestivamente recurso de apelação para a Relação por advogado com inscrição na Ordem dos Advogados activa, não sendo de excluir que o Arguido só após a sua detenção na Bélgica, no seguimento de mandados de detenção emitidos pelas autoridades judiciárias portuguesas é que tivesse tomado conhecimento da não junção de um documento em que o novo Administrador que lhe sucedeu assumia todo o passivo anterior e a apresentação a registo da sua renuncia como Presidente do Conselho de Administração apenas cerca de um ano depois e promovida pelo Advogado desse Administrador que soube-o também é o seu Advogado desde o dia 19/11/2007 até à data da prolação da sentença condenatória, sem recurso por extemporâneo e revogação do mandato ocorrida no dia 21/03/2014; 2) Ao ter actuado em conflito de interesses, o seu Advogado, por representar dois clientes com interesses antagónicos, prejudicou no seu direito de defesa, porque não juntou dois documentos essenciais e não adoptou uma estratégia de defesa que demonstrasse que quando renunciou à gestão da empresa esta não tinha dividas e que após a sua constituição não as podia liquidar porque já não era gerente de facto e de direito. Na verdade, o advogado em questão não o assistiu em todos os actos de capital importância (1.º interrogatório, fase da instrução, não contestou o pedido de indemnização cível, permitiu o julgamento na ausência e sem declarações do Arguido, não apresentou documento essencial para a descoberta da verdade material controvertida e como tal não adoptou estratégia de defesa adequada aos seus interesses, como também não apresentou alegações recurso em tempo, violando-se assim o art.º 32.º, n.º 1 da CRP.

3) Apesar de a presença de Advogado com inscrição activa na Ordem dos Advogados em exercício de mandato em conflito de interesses equivaler, teoricamente, à sua falta, implicando nulidade absoluta, nos termos do art.º 119.º, al. C) do CPP, o caso julgado que, entretanto, se formou sobre o decidido cobre todas as anomalias processuais verificadas a montante.

4) O fundamento invocado pelo recorrente para o recurso extraordinário de revisão é o de per se, ou combinado com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

5) Quanto a tal fundamento, a lei não se basta com a dúvida razoável sobre a justiça da condenação, ou seja, que aqueles novos factos ou meios de prova atinjam o cerne da condenação, os pressupostos nucleares em que repousou, comprometendo, deste modo, a imputação material do facto e da culpa, com incidência na medida da pena, sanção acessória e indemnização civil. A dúvida relevante para efeito de revisão tem de se elevar do patamar da mera existência ao da «gravidade» que baste para por em crise o caso julgado.

6) Por outro lado, os factos ou meios de prova novos são aqueles que, embora com existência na data do julgamento, eram desconhecidos do recorrente, sendo indiferente que fossem desconhecidos do tribunal, sendo este o entendimento que mais se coaduna com a excepcionalidade das normas sobre a revisão e com o processo justo e equitativo, que não pode ficar ao alcance ilimitado do condenado, deixando o recurso de revisão, consentido aqui em exclusivo benefício pro reo, ao seu livre arbítrio e à álea decisória em que aposta.

7) No caso concreto, as razões apontadas pelo recorrente, quais sejam um documento assinado pelo Administrador que lhe sucedeu na Administração da empresa com data ainda anterior à acta em que o condenado renuncia à Administração, documento este confirmado por um outro com data posterior à data daquela acta mas anterior à apresentação a registo daquela renuncia em que confirma o teor o primeiro documento junto em sede de pedido de revisão e em que este segundo documento demonstra que o seu Advogado actuava ao longo do tempo em que o mandato esteve em vigor em conflito de interesses integra o fundamento taxativo previsto no art.º 449.º, n.º 1, alínea d) do CPP, motivo pelo qual procede o recurso de revisão instaurado. De facto, estando o Arguido patrocinado por um outro advogado que tivesse actuado no exercício do seu mandato de forma livre e independente, apresentando estes dois documentos essenciais para a descoberta da verdade material controvertida e como tal adoptando estratégia de defesa adequada aos seus interesses, juntando ambos os documentos logo na fase da instrução ao processo e o tivesse acompanhado em primeiro interrogatório, requerido a abertura da fase da instrução, contestado o pedido de indemnização cível, aconselhando a estar presente em audiência de discussão e julgamento e a prestar declarações como Arguido, impedindo que o julgamento se realizasse na ausência e apresentando alegações recurso tempestivamente, duvidas não existem de que o condenado obteria desfecho decisório mais favorável.

Termina pedindo que seja o presente recurso extraordinário de revisão ser admitido por legal e justificado, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Respondeu o Ministério Público no recurso extraordinário de revisão referindo que: 1-Os factos alegados foram considerados no acórdão em revisão e os meios de prova apresentados são irrelevantes para lançar dúvida grave sobre a justiça da condenação.

2-Não se encontra satisfeita a previsão do art. 449 nº1 aI. d) do Cod. Proc. Penal pelo que o recurso não deve merecer provimento.

Foi produzida informação nos termos do artigo 454 do mesmo diploma referindo que: No presente recurso extraordinário de revisão, com fundamento na alínea d) do n.º 1 do art 449.º do CPP, requereu o condenado AA a realização das seguintes diligências de prova: tomada de declarações a si próprio; inquirição como testemunhas de BB e de CC; e notificação da Conservatória do Registo e Notariado em Moçambique para junção de certidão de documento.

Dispõe o art. 453.º do CPP que o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).

Quanto à audição do próprio condenado, uma vez que o recurso assenta essencialmente em prova documental, sendo esta que suporta o alegado no recurso, as eventuais declarações do arguido serviriam apenas como apoio ou enquadramento dos documentos. Por outro lado, o arguido tem o direito ao silêncio e o exercício deste não o pode prejudicar, certo que optou por não comparecer em julgamento (sem que daí, naturalmente e ao contrário do que parece fazer crer o arguido, tenha resultado qualquer "má impressão"). Assim, crê-se que não se verifica a aludida indispensabilidade para a descoberta da verdade.

Relativamente à inquirição das testemunhas, que não foram previamente ouvidas (sendo que uma delas é o outro co-arguido e, portanto, não poderia mesmo ser ouvido nessa qualidade), importa considerar que não foi alegado que o requerente ignorava a sua existência ou que estivessem impedidas de depor. Aliás, atento o alegado no recurso, resulta que o condenado sempre soube da existência das pessoas em causa e tinha presente o suposto conhecimento que tinham de factos relevantes. Considera-se que a circunstância da segunda pessoa indicada como testemunha ser o outro co-arguido nos autos - CC - não pode ser enquadrada no impedimento de depor a que alude o art. 453.º, n.º 2, do CPP. Em todo o caso, mesmo que se entendesse existir uma qualquer circunstância que permitisse a indicação de tais testemunhas, afigura-se que valeriam as considerações acima tecidas a propósito das declarações do arguido quanto à não indispensabilidade da prova para a descoberta da verdade.

Por fim, no que respeita à notificação pretendida, trata-se de obter um documento que é aparentemente público, pelo que, à partida, nada obstava a que o arguido diligenciasse ele próprio pela sua obtenção e junção aos autos. Em todo o caso, encontra-se junta aos autos uma fotocópia de tal documento, cuja autenticidade não foi posta em causa, pelo que também se afigura não ser diligência indispensável à descoberta da verdade.

Nestes termos, sem prejuízo do disposto no art. 455.º, n.? 4, do CPP, e do melhor entendimento dos Colendos Conselheiros, considera-se que a prova existente se mostra adequada para a correcta análise e apreciação do recurso extraordinário de revisão, atentos os seus fundamentos, pelo que se indefere a demais requerida.

*** Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 454 do CPP, apresenta-se a seguinte informação quanto ao mérito do pedido: O condenado invoca, em primeiro lugar, a existência do documento que junta a fls. 34 e que supostamente não pôde usar a seu favor, sendo aquele demonstrativo de um facto novo: não ser administrador ou representante de facto da sociedade EE, S.A., desde 14/11/2002, antes a pessoa identificada como BB.

Quanto a isto, considera-se que o documento em si pouco acrescenta ao que já consta a fls. 1675/1676 dos autos principais, ou seja, a acta da deliberação de renúncia do condenado ao cargo de Presidente do Conselho de Administração daquela sociedade em 27/11/2002 e de nomeação da pessoa identificada como BB. Tal circunstância - da renúncia - era conhecida nos autos, apesar de só ser oponível a terceiros após o registo, estando patente na motivação da decisão de facto do acórdão...

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