Acórdão nº 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

A autora AA – …, SA interpôs recurso de apelação da sentença, proferida em 21.03.2011, que foi admitido por despacho proferido a 16.11.2012 e notificado à A. em 21.11.2012.

A recorrente apresentou as respectivas alegações em 22.01.2013.

Remetido o processo à Relação, foi proferida decisão, a 10/12/2013, que julgou deserto o recurso por falta de alegação da recorrente, em consequência do que não foi conhecido o respectivo objecto.

Em requerimentos sucessivos, a autora arguiu a nulidade do referido despacho, por não ter sido precedido de audição das partes e, sem prescindir, reclamou para a conferência, requerendo que sobre a matéria da decisão recaísse acórdão.

Foi depois proferido acórdão que indeferiu a nulidade e manteve integralmente o despacho do relator.

Ainda inconformada, a autora pede revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em que foi julgada improcedente a reclamação para a conferência da decisão singular em que o Exmo. Juiz Desembargador Relator julgou deserto o recurso de apelação interposto pela Recorrente e, consequente, não admitiu conhecer do objeto do recurso; 2. Na decisão recorrida o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei substantiva e processual na apreciação e decisão de essencialmente três questões de direito: (i) a interpretação e aplicação do nº 1 do art. 9º do CIRE, bem como das normas sobre a contagem de prazos em processos urgentes constantes do Código de Processo Civil, às ações apensadas ao processo de insolvência nos termos do art. 85.° do CIRE, em concreto, à ação em apreço; (ii) a apreciação da decisão que julga deserto o recurso de apelação com fundamento exclusivo no carácter urgente dos autos ao abrigo do art. 9.°, n.º 1 do CIRE, tendo o processo sido tratado sempre como não urgente e tendo a Recorrente a legítima expetativa que assim fosse tratado, à luz dos princípios legais e constitucionais da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da proporcionalidade, do contraditório, do acesso ao direito, a uma tutela efetiva e a um processo equitativo ao julgar o recurso; e (iii) a verificação de justo impedimento atendível para a apresentação das alegações após o decurso do (pretenso) prazo legal, ao abrigo do disposto no art. 146.° do CPC; 3. No que respeita à primeira questão, o Tribunal a quo decidiu que a norma constante do art. 9º do CIRE (…) se aplica à presente ação declarativa porque esta ação está apensada ao processo de insolvência, sem mais; 4. A norma que confere caráter urgente a um determinado processo tem natureza excecional. Assim, para concluir que este processo tem tramitação urgente, seria necessário que da letra e do fim da norma constante do art. 9.° do CIRE resultasse inequivocamente que as ações apensadas se incluem no âmbito objetivo da norma, o que não acontece; 5. A menção do art. 9/1 do CIRE a «apensos» visou, não estender o caráter de urgência às ações declarativas apensadas ao abrigo do art. 85.°, mas sim estender esta natureza aos apensos do processo de insolvência stricto sensu, que não apenas a oposição por embargos e o recurso. Com efeito, a norma anterior equivalente, o art. 10/1 do CPEREF, dispunha o seguinte: «os processos de recuperação da empresa e de falência, incluindo os embargos e recursos a que houver lugar, têm carácter urgente e gozam de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal», e o CIRE veio esclarecer que este carácter urgente se aplica a todos os apensos e incidentes que se incluem dentro do próprio processo de insolvência stricto sensu; 6. Os apensos do processo de insolvência incluídos no nº 1 do art. 9.° do CIRE são os apensos de oposição de embargos e recursos, da verificação de créditos, da restituição e separação de bens da massa, da apreensão de bens, da liquidação, da verificação ulterior de créditos, e outros de cuja decisão dependa o decurso e o desfecho do processo de insolvência. Estes apensos são essenciais para a determinação e liquidação do património da Massa Insolvente, e a sua solução prejudica o desfecho deste processo, pelo que se compreende que lhes seja atribuído o caráter de urgência; 7. No entanto, a procedência desta ação declarativa, bem como do recurso de apelação, apenas poderá resultar um crédito da Massa Insolvente; não se impede nem atrasa a liquidação do património, nem o encerramento do processo de insolvência, e as eventuais receitas da Massa que advenham da ação declarativa poderão ser posteriormente distribuídas aos credores. Assim, não existe um direito, um resultado ou um efeito que seja eliminado, ou sequer relevantemente posto em causa, por o desfecho da ação declarativa ser posterior ao da ação de insolvência; 8. A natureza urgente do processo de insolvência restringe de forma relevante o direito de acesso à justiça e o direito ao contraditório e, quando o faz, implica a adaptação da tramitação do próprio processo e apensos, não se limitando a afastar a regra da suspensão dos prazos em férias judiciais: impõe também que no requerimento de insolvência apresentado por outrem que não o devedor tenha de se oferecer imediatamente todas as provas, que cada parte não possa apresentar mais de dez testemunhas (art. 25.º do CIRE), que os vícios da petição de insolvência tenham de ser corrigidos no prazo máximo de cinco dias (al. b) do n.º 1 do art. 27.° do CIRE), que a audiência de julgamento deva ser marcada nos cinco dias posteriores à dedução de oposição (nº 1 do art. 35º do CIRE), que a audiência do devedor possa ser dispensada quando acarrete demora excessiva (nº 1 do art. 12.° do CIRE), etc.; no apenso de verificação de créditos os prazos também são muito curtos (vide arts. 135º, 137º, 138º e nº 1 do art. 140º) e é por efeito do cariz urgente deste processo que se restringe a acessibilidade ao recurso (art. 14º do CIRE); o mesmo acontece no apenso de restituição e separação de bens (v. o nº 2 do art. 144) e nos restantes apensos; 9. Sempre que o constrangimento de prazos de defesa não tenha um efeito útil e não seja proporcional, nos termos do nº 2 do art. 18º da C.R.P., não é admissível, configurando uma violação do art. 20º da C.R.P.; 10. Resulta do exposto que o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a norma constante do nº 1 do art. 9º do CIRE e, nesta interpretação, violou a norma que prevê a suspensão de prazos em férias judiciais (alínea e) do art. 279.° do CC e nº 1, 1ª parte do art. 144º do Código de Processo Civil na sua versão anterior à conferida pela Lei nº 41/2013…) e violou as normas substantivas constantes do nº 2 do art. 18º da C.R.P. e do art. 20º da CRP. Devia o Tribunal a quo ter decidido que o nº 1 do art. 9º do CIRE não se aplica às ações apensadas ao processo de insolvência, por estarmos perante uma norma excecional e bem assim que, tanto por via de uma interpretação histórica, como teleológica, esta ação declarativa não se inclui no âmbito objetivo da norma do nº 1 do art. 9º do CIRE, não devendo ser tratada como um processo urgente; 11. Na apreciação da segunda questão de direito, o Tribunal a quo decidiu que a julgar-se aplicável o prazo de recurso para os processos urgentes em assintonia com uma série de actos já praticados no processo não se desferiu ofensa aos princípios da boa fé processual, da cooperação e da proporcionalidade por estes princípios não prevalecerem à imposição legal da celeridade dos actos, como actos urgentes porque um processo «não deixa de ser urgente por até um dado momento a sua tramitação não ter sido operada como tal»; 12. No entanto, a verdade é que ao longo dos cerca de seis anos que leva de apensação ao processo de insolvência, a presente ação nunca foi tramitada como um processo urgente, nem pelo M. Juiz do Tribunal de 1ª instância, nem pela secretaria desse Tribunal, nem pelo Tribunal da Relação de Coimbra (até ao despacho impugnado); e mesmo da atuação processual da Recorrente e Recorrida anteriormente à apresentação das alegações de recurso decorre que não consideravam...

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