Acórdão nº 1714/11.5GACSC.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução26 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 1714/11.5GACSC, do 2.º juízo criminal de Cascais, foi o arguido AA, devidamente identificado nos autos, submetido a julgamento, sob a imputação da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas e) e h), do Código Penal[1], vindo, por acórdão de 18/03/2013, a ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alínea h), do CP, na pena de 15 anos de prisão.

2.

O Ministério Público interpôs recurso do acórdão, para a relação, visando, em primeira linha, a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas d) ou e) e h), do CP, e a agravação da medida da pena em função da pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos, impugnando, porém, para o caso de ser mantida a qualificação jurídica do crime, a pena de 15 anos em que o arguido fora condenado por considerar não reflectir a mesma, na justa medida, a sua culpa.

3.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/07/2013, no parcial provimento do recurso do Ministério Público, foi decidido: «A) Dar por não escrita, por ser conclusiva, a afirmação constante dos factos não provados sob o nº4 do Acórdão recorrido, designadamente “O arguido agiu animado pelo prazer de matar, e esse facto o levou a proceder como procedeu”.

«B) Revogar a pena de 15 (quinze) anos de prisão imposta ao arguido AA no acórdão recorrido, e como autor material, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido, pelos artigos 131º e 132º n.ºs 1 e 2 alíneas h) do Código Penal, condenar o arguido na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.

C) Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.

4.

Por sua vez inconformado, o arguido AA [...] veio interpor recurso do acórdão da relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

5.

Por acórdão deste Tribunal, de 29/10/2013, por se verificar o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP), no âmbito da decisão de condenar o recorrente por um homicídio qualificado, nos termos dos n.

os 1 e 2, alínea h), primeiro segmento, do artigo 132.º do CP, decidiu-se, nos termos do artigo 426.º, n.º 2, do CPP, reenviar o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, para, no quadro dos seus poderes de cognição em matéria de facto, proceder a uma adequada indagação e fixação da matéria de facto, no que interessa à questão da comparticipação de três pessoas, no homicídio, de forma a, sanada a insuficiência, proceder à qualificação jurídica da conduta do recorrente no quadro das possíveis soluções jurídicas que se perfilassem.

6.

Na sequência, foi proferido novo acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa, em 22/01/2014, pelo qual foi decidido, no que, agora, interessa: «1º – Em cumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, procede-se à sanação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, nos termos do art.426º do CPP, e no quadro dos poderes de cognição em matéria de facto deste tribunal da Relação decide-se: «a) Dar por não escrita, por ser conclusiva, a afirmação constante dos factos não provados sob o nº 4 do Acórdão recorrido, designadamente «O arguido agiu animado pelo prazer de matar, e esse facto o levou a proceder como procedeu» e a expressão «para com ele ajustarem contas» constante da parte final da matéria provada no ponto n. 3º do acórdão da 1ª instância.

«b) Aditar aos factos provados do acórdão da 1ª instância um novo ponto - 5ªA) - do qual constarão os seguintes factos: «5ºA) «Enquanto o arguido e os seus dois acompanhantes agrediam a vitima pela forma supra descrita, BB conhecido desta, conseguiu apanhar as chaves do carro da vítima e pôs-se em fuga, tentando evitar que os agressores se apoderassem da viatura, sendo perseguido, de imediato, por um dos agressores, o indivíduos de raça negra de estatura mais baixa que se apercebeu do gesto de apanhar as chaves da viatura» «c) Dar nova redacção aos pontos 13º, 14º e 15º e 18º dos factos provados do acórdão da 1.ª instância nos quais passarão a constar a seguinte factualidade: «13.º) «Ao pontapearem a cabeça de CC, da forma como o fizeram, quer no exterior quer no interior do referido café, onde o arguido e o condutor do veiculo continuaram a agredir a vitima CC, saltando com os dois pés e com o peso dos seus respectivos corpos sobre a cabeça da vitima, o arguido e seus dois acompanhantes atingiram uma região da cabeça onde se aloja um órgão vital, como é o cérebro; «14.º) «Apesar de estarem cientes disso, o arguido e os seus dois acompanhantes ao agredirem o CC da forma como o fizeram, actuaram quer no interior quer no exterior do café Real com o propósito de lhe tirar a vida, conforme quiseram e conseguiram.

«15.º) «O arguido e os seus dois acompanhantes actuaram com indiferença pelo valor da vida de CC e pelo sofrimento que lhe causaram, actuando o arguido e os seus dois acompanhantes em conjugação de esforços e vontades entre si na concretização da morte do CC, resultado por todos eles querido e conseguido.

«18.º) «Em tudo o arguido e os seus dois acompanhantes agiram de forma livre, deliberada e consciente, com conhecimento da ilicitude e reprovabilidade das suas condutas, que sabia não serem permitidas, porque proibidos e puníveis por lei.

«2º- Conceder parcial provimento ao recurso do Ministério Público e consequentemente, decidir: «2º.1.- Revogar a pena de 15 (quinze) anos de prisão imposta ao arguido AA no acórdão recorrido, e como autor material, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido, pelos artigos 131º e 132º n.ºs 1 e 2 alíneas h), do Código Penal, condenar o arguido na pena de 18 (dezoito) anos de prisão «2.2- Confirmar, quanto ao mais, o acórdão da 1ª instância.» 7.

Novamente inconformado, o arguido Tiago Évora veio interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: «A. O objecto do presente recurso consiste no reexame de matéria de direito, mais concretamente a insuficiência de factos provados para que se encontre preenchida a qualificação do homicídio como qualificado - comparticipação de mais de 3 pessoas no homicídio.

«B. Ou seja, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir como decidiu, com base nos factos que considerou provados, violou as normas constantes do artigo 131° e 132.° do Código Penal.

«C. Com base nos factos considerados provados nunca se poderá considerar que o exemplo-padrão está preenchido, isto é, que comparticiparam 3 pessoas no homicídio.

«D. O Supremo Tribunal de Justiça considerou, tal como resulta do Douto Acórdão, que: " (...) a circunstância de o agente praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas, susceptível de constituir exemplo-padrão de qualificação do homicídio, reclama, antes de qualquer outra consideração, que no facto comparticipem, pelo menos, três agentes em co-autoria. Só depois de estabelecida a comparticipação de três agentes em co-autoria é que cabe a ulterior indagação sobre se ela releva ou não no caso, em definitivo, uma especial perversidade ou censurabilidade do agente (...) ".

«E. Tendo na sequência desta exigência concluído que a matéria de facto provada não era suficiente para caracterizar a comparticipação de três pessoas no homicídio, o que levaria, por si só, à não qualificação do homicídio.

«F. Ou seja, se é mister que, antes de se atender à perversidade ou censurabilidade do agente, esteja preenchido o exemplo-padrão (neste caso a comparticipação de 3 agentes), e esse exemplo-padrão não está suficientemente provado, nunca se poderá falar em qualificação do homicídio.

«G. O Tribunal da Relação de Lisboa, salvo o devido respeito que é muito, face à posição do Supremo Tribunal de Justiça, reformulou unicamente o texto dos factos provados para tentar enquadrar, mais uma vez, o homicídio como qualificado.

«H. Ora dos factos provados não existe qualquer fundamento para a alteração que o Tribunal da Relação de Lisboa fez, tendo o mesmo alterado os preceitos na medida que entenderam necessária para que pudesse ser considerado como qualificado. O que não se pode de forma alguma aceitar.

«I. O Tribunal da Relação de Lisboa ao dar nova redacção aos pontos 13º, 14º, 15º e 18º dos factos provados, numa tentativa de incluir três comparticipantes no homicídio, entra até em contradição.

«J. O Tribunal da Relação de Lisboa não separa os dois momentos da agressão, como resulta da matéria de facto provada.

«K. Quer fazer crer, e dar como provado, que o terceiro agente, que apenas agrediu o CC no exterior do café, e por alguns instantes antes de (se) correr atrás de uma outra pessoa, actuou de forma livre, deliberada e consciente, com a intenção de tirar a vida a CC.

«L. Ora, dos factos provados não consta nada de onde se possa retirar esta conclusão.

«M. Se os factos e actuação que retiraram a vida ao CC foram os saltos em cima da sua cabeça com os dois pés e com o peso dos respectivos corpos, esses factos apenas foram praticados, de acordo com a matéria de facto provada, por dois comparticipantes, dentro do café.

«N. Estes factos provados, que justificam a morte de CC foram praticados dentro do café, por dois comparticipantes, pelo que nunca pode estar verificada a qualificação do homicídio pela intervenção de três comparticipantes.

«O. Se assim é, a especial censurabilidade e perversidade nem se equaciona, pois o exemplo-padrão não se encontra preenchido.

«P. O Tribunal da Relação de Lisboa viola igualmente as normas respeitantes à determinação da medida da pena, indo para além da medida da culpa do Recorrente, não tendo em consideração as circunstância atenuantes.

«Q. O Douto Acórdão condena o Recorrente por um crime de homicídio qualificado tendo por base a alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, ou seja, praticar o facto...

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