Acórdão nº 7/14. 0YGLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução12 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 7/14. 0YGLSB.S1 Por estar em tempo, ter para o efeito legitimidade, ser advogado em causa própria e beneficiar de apoio judiciário, admito o Sr. Dr. AA a intervir neste autos como Assistente.

Notifique.

*** AA, veio requerer a abertura de instrução, ao abrigo do disposto no art. 287.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal (doravante, CPP), concluindo que “urge, por consequência, começar de novo toda a investigação, agora nesta outra subida sede judiciária.”.

  1. AA apresentou uma denúncia contra os Ilustres Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães por estes, em duas decisões sumárias, terem rejeitado a interposição de recurso que AA apresentou, como arguido, contra decisões que decidiram pela impossibilidade legal de o ora denunciante se poder representar em processo penal: uma primeira decisão sumária, de 29 de maio de 2013 (processo n.º 330/11.6TAPTL-E.G1), a fls. 207 e ss, e uma segunda decisão, de 23 de setembro de 2013 (processo n.º 330/11.6TAPTL-D.G1), a fls. 115 e ss. Na primeira decisão, de 29 de maio de 2013, foi rejeitada a interposição de recurso por falta de motivação (nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b) do CPP) e acrescentado que: “Uma última nota para dizer o que se segue: Nos termos do art. 64°, no 1, ai. d), do CPP, é obrigatória a assistência do defensor nos recursos ordinários ou extraordinários.

    Ao arguido foi nomeado defensor oficioso nos autos.

    In casu, o requerimento de interposição de recurso não está, como já foi referido, subscrito pelo defensor do arguido, mas sim por este, mediante a invocação advogando pro se.

    Porém, para além da exigência de defensor ao advogado que seja arguido constituir uma orientação jurisprudencial do STJ [cfr., por todos, ac. do STJ de 19 de Março de 1998, in BMJ 475, 498 que se perfilha, a verdade é que, conforme consta do ofício de fls 9, destes autos de recurso em separado, emitido pelo Conselho Distrital do Porto em 4/12/2012, «o Sr. Dr. AA, portador da cédula profissional n.º 3613P, se encontra suspenso (por incompatibilidade) desde 24/09/1993».

    O que significa que o acto de interposição do recurso em causa também seria sempre um acto ineficaz, ainda que existisse motivação.” Na segunda decisão, de 23 de setembro de 2013, foi também rejeitada a interposição de recurso (de harmonia com o disposto nos arts. 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b) do CPP) da decisão que lhe indeferiu o requerimento para que pudesse constituir-se como defensor de si próprio, e ainda para que fosse “promovido o competente reenvio — legalmente obrigatório — da questão pré-judicial” para o Tribunal de Justiça da União Europeia. E nesta decisão foi concluído que: «o arguido ora Recorrente, mesmo que fosse Advogado com inscrição válida na Ordem respectiva, não pode aqui assumir a sua representação, pelo que não reúne as condições necessárias para recorrer; em consequência, e sendo certo que o despacho da 1.ª instância que o admitiu não é vinculativo (art. 417.º, n.º 3 do CPP), o recurso assinado pelo Recorrente do despacho do Mmª Juiz a quo de 23/01/2013 deve ser recusado (de harmonia com o estatuído nos arts. 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b) do CPP).» 2.

    A partir daquela denúncia decorreu o inquérito, que foi encerrado por despacho de arquivamento, a 27 de março de 2014, da Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do art. 277.º, n.º 1 do CPP, segundo o qual: «Declaro encerrado o inquérito sem que se me afigure que seja necessária a realização de quaisquer diligências tendo em atenção a participação do denunciante AA e os documentos que foram juntos para instruir o presente inquérito.

    Tentando fazer uma síntese do que releva no presente inquérito temos que o denunciante apresentou denúncia contra os Ilustres Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães que, em duas decisões sumárias distintas — a primeira proferida a 29 de maio de 2013 [Nota de rodapé 1 — Cf. fls. 207-210.] e a segunda lavrada a 23 de setembro de 2013 [Nota de rodapé 2 — Cf. fls. 115-121.] - rejeitaram recursos que o ora denunciante interpôs de decisões que julgaram da impossibilidade legal de o ora denunciante se poder representar a ele próprio [diga-se que o denunciante tem a profissão de advogado] em processo de inquérito, na fase de instrução em que é arguido.

    Entende o queixoso que perante as referidas decisões que os respetivos signatários proferiram, ao proferi-las e nos termos em que o fizeram e na decisão que tomaram, cometeram factos integradores do crime de denegação de justiça ou prevaricação.

    Na ausência de melhor concretização ter-se-á que entender que o referido crime se teria "consumado" com a prolação dos mencionados despachos, sendo certo que essas decisões apreciaram as questões que o queixoso submetia à consideração do Tribunal.

    "Conduz-se um processo quando o agente substitui a vontade da lei pelo arbítrio, praticando um acto que lhe é contrário quando tinha o dever de praticar o que estaria de acordo com a lei.

    Decide-se (ou não se decide) quando se toma uma posição sobre uma questão ou questões controvertidas, pondo fim a um litígio.

    Praticam-se actos no exercício dos poderes decorrentes do cargo sempre que, no desenvolvimento da tramitação processual e dentro do âmbito da competência que cabe ao agente no processo considerado, se levam a cabo condutas humanas que produzem efeitos na esfera jurídica de terceiros.

    Assumindo-se esses comportamentos estão corporizados os factos que podem conduzir á relevância criminal.

    Mas falta qualquer coisa para que tal relevância se concretize.

    Diz o legislador que é a consciência da conduta e a sua natureza anti ou contra o direito.

    Isto é: para que o acto de promoção, de condução, de decisão, etc., produzido no âmbito processual atrás referido_ (inquérito, processo jurisdicional, processo de contra-ordenação ou processo disciplinar) ganhe dignidade penal é necessário, antes de mais, que seja consequência de uma vontade consciente e livre, ou seja, uma acção dolosa, intencional, dirigida a um determinado resultado: negar ou falsear justiça.

    Estamos, pois, abertamente nó campo do dolo directo.

    Por outro lado, a acção do agente tem que se mostrar contra o direito, o que vale por dizer que tem que ser contrária a disposição expressa da lei” [Nota de rodapé 3 — Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal, 2.ª ed. Vol. II, p. 1163.].

    Ou, segundo outros autores, mas no mesmo sentido: “...agir contra direito significa, essencialmente, a contradição da decisão (aqui incluindo, claro está, o comportamento passivo) com o prescrito nas normas jurídicas pertinentes..."[Nota de rodapé 4 — Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo III, pág.615.] e o tipo subjetivo reconduz-se, apenas ao dolo direto, com exclusão do dolo eventual, como se refere na obra citada, "...

    exigindo a lei portuguesa que o funcionário actue "conscientemente", as situações reconduzíveis à dolosidade eventual, isto é, aquelas em que o agente representado a realização do facto como possível conforma-se com a sua realização (cf: Art. 14º, nº 3) não se encontram abrangidas pela norma incriminadora, o mesmo é dizer, não são puníveis". [Nota de rodapé 5 — Comentário Conimbricense...Pág. 619.] Reportando-nos ao caso concreto que nos cabe apreciar, não se nos afigura que resulte sequer aflorado que, ao decidirem como decidiram, os Ilustres Desembargadores o tenham feito contra direito ou contra lei expressa o que retira qualquer sucesso à hipótese de se tentar averiguar da verificação do elemento objetivo do crime em apreço.

    Como se tal não bastasse, sempre se acrescentará que não se verifica também, sequer sob a forma de suspeita, qualquer facto de que pudesse retirar-se que, ao decidir como decidiu, tivessem tido os Ilustres Desembargadores intenção beneficiar ou prejudicar o ora denunciante, o que resulta em que também não se perfaça o elemento subjetivo do tipo.

    Discordar-se de uma ou várias decisões no âmbito de um processo judicial, ainda que admitindo que a mesma pudesse ser diferente no seu conteúdo decisório — o que referimos sem que admitamos sequer que seja esse o caso que temos em apreciação — não é suficiente para que se possa assacar a quem a proferiu, ou nela funcionalmente interveio, a prática de um crime de caracterização tão definida como o de denegação de justiça ao prevaricação.

    Por tudo o que se expôs, determina-se o arquivamento dos autos nos termos do artigo 277°, no 1 do C.P.Penal.

    » (itálicos e negritos no original).

  2. Notificado o arguido do despacho de arquivamento, veio este requerer a sua constituição de assistente, ao abrigo do art. 68.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, al. b) do CPP, e juntar o requerimento de abertura de instrução considerando em súmula que: i) o inquérito foi arquivado sem que tivesse havido “qualquer diligência de inquérito”, “investigação absolutamente nenhuma”, “inquérito absolutamente nenhum”, pelo que solicitou a abertura de instrução exatamente “contra este simulacro de investigatório”; ii) procede a uma descrição dos factos ocorridos utilizando para tanto o articulado da interposição de recurso (contra o despacho da Juíza de instrução, no âmbito do processo n.º 330/11.6TAPTL-E.G1, fls. 207 e ss) — no qual foi indeferida a representação forense do arguido em causa (criminal) própria, por considerar que em processo penal não é admissível o patrocínio do arguido pela sua própria pessoa e todo o arguido deve ser assistido por defensor) que deu origem à primeira decisão sumária; iii)...

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