Acórdão nº 4806/07.1TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução24 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I J, G, A e M intentaram a presente acção com processo ordinário contra F, A M e V - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA, pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagar aos primeiro e segundo Autores a quantia de € 65.993,15 e igual quantia aos terceiro e quarto autores.

Para tanto alegam que os Autores e os primeiro e segundo Réus foram comproprietários de um imóvel, na proporção de 2/8 para os primeiros e 3/8 para os segundos, que prometeram vender à 3ª Ré pelo valor global de 1.222.054,85 euros, a repartir por todos os comproprietários de acordo com a respectiva quota-parte no direito de propriedade.

Mais alegaram que o contrato definitivo devia ser celebrado em conformidade com o contrato promessa, mas que, tendo os Autores celebrado o contrato definitivo de harmonia com o acordado, vieram a apurar posteriormente que os Réus celebraram entre si a escritura pública de compra e venda da respectiva quota-parte por valor superior ao constante do contrato-promessa.

Invocam assim a violação pelos Réus dos princípios da boa fé e da lealdade, os quais, em conluio, teriam criado nos Autores a convicção de que o preço total da venda seria o constante do contrato-promessa, o que teria sido determinante para a formação da sua vontade de contratar.

Os primeiro e segundo Réus contestaram, invocando a prescrição do direito dos Autores a reclamarem o pagamento da indemnização, por já ter decorrido o prazo previsto no artigo 498º do CCivil.

Mais invocaram a existência de um lapso na escritura pública de compra e venda ao declararem que já tinham recebido a totalidade do preço, sendo certo que ainda não tinham recebido o preço da venda, ao contrário do que ali foi afirmado.

Por último alegaram que o prazo para a realização da escritura foi prorrogado e que, por essa razão, o preço da venda foi cerca de 5,5% superior ao acordado no contrato promessa.

A terceira Ré contestou, arguindo também a prescrição do direito invocado pelos Autores.

Mais alegou que até à data nada pagou aos outros Réus, tendo renegociado com estes o preço final por dificuldades em obter o necessário financiamento.

Foi julgada improcedente a excepção peremptória da prescrição e proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente nos seguintes termos: «

  1. Absolver os Réus F e A M do pedido; b) Condenar a Ré V – Promoção Imobiliária, Lda pagar aos Autores J e G a quantia de 65.993, 15 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação; c) Condenar a Ré V a pagar aos Autores J e M a quantia de euros 65993,15, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação.

    ».

    Desta sentença recorreram os Autores e a Ré V - Promoção Imobiliária Lda, tendo o Tribunal da Relação vindo a julgar ambas as Apelações parcialmente procedentes e em consequência condenaram-se solidariamente os Réus a pagarem a cada um dos Autores, J e G, por um lado, e A e M, por outro, a quantia de € 57.356,50 (cinquenta e sete mil trezentos e cinquenta e seis euros e cinquenta cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo-se os mesmos da restante parte do pedido.

    Inconformados os Réus F e A M, recorreram, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - A norma que serve de fundamento ao peticionado pelos Recorridos e cuja errada interpretação é, salvo o devido respeito, transplantada para o Acórdão da Relação de Lisboa consta do artigo 227.º do Código Civil.

    - Lê-se neste preceito legal: “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”.

    - A norma em análise impõe um dever geral de boa-fé às partes no decurso do processo negocial conducente à celebração de um contrato, consagrando a responsabilização pela violação desse dever, designada por responsabilidade pré-contratual ou “in contrahendo”.

    - A responsabilidade pré-contratual tem como pressupostos: A prática de um facto ilícito O nexo de imputação do acto ou omissão ao agente a título de culpa A produção de resultado danoso O nexo de causalidade entre o dano e o facto.

    - Para tanto alegaram que após terem celebrado o contrato definitivo de compra e venda, tomaram conhecimento que a Recorrente e os l.ºs Réus celebraram o negócio da respectiva quota-parte do prédio por um valor superior ao constante do contrato-promessa.

    - Antes de se iniciarem as alegações respeitantes a questões mais complexas, e salvo o devido respeito pelo Acórdão ora recorrido, desde logo resulta evidente que não pode ser imputada qualquer conduta ilícita à ora Recorrente mulher.

    - Vista e analisada quer a factualidade provada quer as conclusões do Acórdão da Relação de Lisboa, é evidente que a Recorrente mulher nunca interveio quer nas negociações, quer em reuniões, ou sequer entrou em contacto telefónico com os Recorridos ou os outros interessados no negócio visado.

    - Sendo que o Douto Acórdão recorrido dispôs que a responsabilidade pré-contratual tem como pressupostos: A prática de um facto ilícito O nexo de imputação do acto ou omissão ao agente a título de culpa A produção de resultado danoso O nexo de causalidade entre o dano e o facto.

    - Desde logo, e mais uma vez remetendo para a factualidade dada como provada, se verifica que a Recorrente mulher não interveio em qualquer negociação, logo não pode ter praticado qualquer facto ilícito.

    - Bem como não pode ver-lhe imputado qualquer acto culposo.

    - Ficou dado como matéria provada que Recorridos e Recorrentes decidiram em reunião de 25/03/2003 vender pelo valor de € 1.22.054,85 o referido prédio rústico à sociedade Ré. Estando todos presentes em tal reunião com excepção das respectivas mulheres.

    - E que em 28/03/2003 tal foi formalizado em contrato promessa de compra e venda.

    - Tal actuação foi livre e não resultado de qualquer coacção por parte do Recorrente ou da Sociedade Ré, até porque desde logo não foi dado como provado o ponto 30. da Base Instrutória onde se lia: “No caso de não aceitarem vender as suas quotas-partes no prédio, nas condições referidas iria ser imediatamente proposta acção de divisão de coisa comum(...).”.

    - Embora tenha sido parcialmente provado o ponto 23. da Base Instrutória, onde consta que o ora Recorrente marido tenha informado os Recorridos que caso não aceitassem vender a respectiva quota parte iria ser instaurada acção de divisão de coisa comum (parte provada), tem de se analisar esta factualidade em conjunto com os pontos 19. e 21. e 22. da Base Instrutória e também dados por provados.

    - Ou seja, tal afirmação do Recorrente tem de ser contextualizada à altura em que o valor de venda proposto, descontando a comissão da mediadora, seria menor do que a venda à Sociedade V e não como ameaça ou forma de pressão durante a reunião onde se discutiram os moldes do negócio, como parece ser o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa.

    - A lei consagra a tese da responsabilidade civil pré-contratual pelos danos culposamente causados à contra parte tanto no período das negociações, como no momento decisivo da conclusão do contrato, abrangendo por conseguinte a fase crucial da redacção final das cláusulas do contrato.

    - Ora, resultou provado que todos (Recorrentes e Recorridos) decidiram prometer vender mediante o recebimento de um sinal avultado com a celebração do contrato promessa e escritura até 30/06/2003, ou seja, escritura a 90 dias.

    - Tendo, como ficou dado como provado, a sociedade Ré cumprido com ambas as obrigações, e pagando o combinado com os Recorridos.

    - Por outro lado, como resulta também da matéria de facto provada a sociedade Ré não cumpriu as suas obrigações com os ora Recorrentes. Desde logo porque apenas outorgou a escritura de formalização do contrato promessa em 12 Julho de 2004, mais de um ano após a escritura dos Recorridos e mais importante em clara violação do contrato promessa celebrado com os Recorrentes e dado como matéria assente, uma vez que ao abrigo do estipulado em tal contrato a escritura deveria ser outorgada até 30 de Junho de 2003.

    - Resulta ainda da matéria de facto assente que Recorrentes e Sociedade Ré, outorgaram escritura de rectificação onde fazem constar um pagamento faseado entre 2007 e 2012, quando a propriedade foi transmitida em 2004.

    - Mais uma vez, não se vislumbra como podem os Recorrentes ter causado danos aos Recorridos com a sua conduta.

    - Mais, “no seu conceito estão englobadas quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas em que se haja estipulado um negócio válido e eficaz mas surjam no seu processo formativo danos a reparar.” (Acórdão do STJ de 14/7 /2009, Rel. Paulo Sá, disponível em www.dgsi.pt).

    - Ora, se ficou decidido entre todos, nomeadamente com a presença dos sócios-gerentes da sociedade Ré, na tal reunião de 25/03/2003, ou seja, se a negociação foi feita directamente com a contra parte compradora, mais uma vez não se vislumbra como pode haver responsabilidade por danos aos Recorridos por parte dos Recorrentes.

    - Em momento algum na negociação trazida à luz nos presentes autos foram os ora Recorrentes contrapartes dos Recorridos.

    - E como bem fundamentou o Tribunal de Primeira Instância na sua Douta Sentença “Ora, os deveres de boa-fé, informação, lealdade impendem sobre aqueles que negoceiam para conclusão de um contrato como estatui o artigo 227.º do Código Civil, tratando-se de deveres surgidos no âmbito de uma relação específica entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial.”.

    - E, “(...) os Réus (Recorrentes) eram terceiros relativamente ao contrato-promessa e contrato de compra e venda outorgados entre Autores (Recorridos) e esta última Ré.”.

    - Por seu turno, e com o devido respeito, o Tribunal da Relação de Lisboa fez uma errada interpretação da matéria de facto provada, tendo inclusive dado (certamente por lapso) como provada matéria de...

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