Acórdão nº 5567/06.7TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA demandou BB e CC, pedindo: a) - Se declarasse a anulação da procuração junta aos autos e, consequentemente, a declaração de nulidade do contrato de compra e venda vertido na escritura pública outorgada pelos réus, em 4/07/2003, no Cartório Notarial de Lisboa e exarada no respectivo Livro nº …, de fls. 45 a 46, por se tratar da venda de bem alheio; b) - Se assim se não entender, se declarasse que o contrato de compra e venda é nulo e de nenhum efeito por simulação.

  1. – Se ordenasse o cancelamento dos registos efectuados pela 2ª ré com base na escritura de compra e venda na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, e que constam as inscrições à descrição nº …, da freguesia de S. Mamede.

  2. – Se declarasse a sonegação de tal bem pelo 1º réu, referente à herança da mãe do autor.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que por escritura pública, outorgada no 6º Cartório Notarial de Lisboa, em 4/07/2003, o 1º réu, por si e na qualidade de procurador de sua mulher DD, mãe do autor, declarou vender à 2ª ré, que aceitou comprar, a fracção autónoma individualizada pela letra "J", afecta exclusivamente à habitação, correspondente ao 3º andar frente, do prédio urbano sito na Rua da Escola Politécnica nº … a …-B da freguesia de S. Mamede, em Lisboa.

O 1º réu era casado no regime de separação de bens com a mãe do autor.

A procuração outorgada pela sua mãe ao 1º réu e que serviu de base à realização do contrato de compra e venda é nula ou, pelo menos anulável, uma vez que não traduz a vontade da mandante que, na altura em que a outorgou, não tinha capacidade para querer e entender o alcance desse acto.

Além disso, a mãe do autor encontrava-se totalmente dependente do 1º réu, quer psicológica, quer fisicamente, que a ameaçava constantemente no sentido de a colocar num lar.

A mãe do autor não assinou a procuração porque tinha perdido a noção e controle da escrita, daí ter aposto a sua impressão digital. Além disso, denotava lapsos de memória, não reconhecia as pessoas da família e necessitava de constante assistência médica e medicamentosa.

Sempre foi intenção da mãe do autor deixar a casa ao seu filho, algo que afirmou várias vezes. Não tinha necessidade de a vender, sendo esta casa então habitada pelo casal, continuando ainda hoje a ser habitada pelo 1º réu, cônjuge sobrevivo.

Aceitando-se que sua mãe, na data da outorga da procuração, estivesse no seu perfeito juízo, certo é que a procuração foi extorquida por coacção do 1 ° réu.

O réu pretendeu, com a outorga da procuração, fazer uma venda fictícia à 2ª ré, que o réu bem conhece há anos e que, inclusivamente, foi empregada lá de casa, a fim de sonegar tal bem à herança.

A 2ª ré não pagou o dinheiro mencionado no contrato - não tinha como o pagar, nem adquiriu nenhum empréstimo bancário.

Além disso, o valor declarado pela venda do imóvel foi muito abaixo do seu valor real.

Em suma, os réus simularam o contrato de compra e venda do imóvel em questão com o intuito de prejudicar o autor, o qual só teve conhecimento da procuração aquando do inventário por óbito de sua mãe, em 18/10/2005.

Os réus contestaram, concluindo pela absolvição do pedido.

Impugnaram o alegado pelo autor, alegando que o imóvel em questão só estava em nome da mãe do autor porquanto, à data da sua aquisição, o 1º réu era ainda casado.

Atenta a situação de doença da DD, esta teve necessidade de vender a casa a fim de prover aos pagamentos necessários com a sua saúde (médica e medicamentosa), uma vez que o dinheiro da reforma do 1º réu não era suficiente par fazer face a todos os encargos.

A venda não foi simulada. Ambas as partes quiseram comprar e vender, tendo o preço estipulado e pago sido no valor de € 50.000. Acordaram tal preço, uma vez que a 2ª ré aceitou que só tomaria posse do imóvel após a morte de ambos, o que ainda hoje se mantém.

Jamais o 1º réu exerceu qualquer coação física ou psicológica sobre a mãe do autor, sendo que esta se manteve sempre lúcida e com pleno discernimento até à sua morte.

O autor é que nunca quis saber de sua mãe, nunca a procurou, nem contribuiu com qualquer ajuda económica, atenta a situação de doença em que esta se encontrava.

Replicou o autor.

Foi proferido despacho saneador, elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória - fls. 93 a 97.

Após julgamento foi proferida a sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os réus do pedido.

Inconformado, apelou o autor, tendo a Relação, por acórdão de 25/10/2011, anulado a sentença recorrida para que se procedesse à ampliação da matéria de facto (vide fls. 562 a 566), o que foi feito, passando essa matéria a constar do quesito 28º.

Foi indeferida a perícia solicitada pelo autor, sobre o estado de saúde da sua mãe.

O autor agravou deste despacho, tendo o mesmo sido reparado (fls. 589, 596 e 693).

Após julgamento, foi proferida sentença que, na improcedência da acção, absolveu os réus do pedido (fls. 819 a 831).

Inconformado, apelou o Autor, tendo a Relação, por acórdão de 27/03/2014, na improcedência da apelação, confirmado a sentença.

De novo inconformado, recorre de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, finalizando as alegações com as seguintes conclusões: 1ª - Decorre dos documentos, ultimamente, conhecidos que o réu BB e a ré CC, aquele titular e esta autorizada, movimentavam livremente a conta nº …., da Caixa Económica Montepio Geral, onde foi depositado o cheque no montante de € 30.000, passado pela ré CC a favor do réu BB, como pagamento de parte do preço da compra e venda da fracção "J", pertencente à mãe do recorrente.

  1. - Na matéria dada como provada, foi, apenas, tido em conta o depoimento de três testemunhas, contratadas e/ou dependentes do réu BB.

  2. - A posição das partes no presente pleito e os documentos juntos tiveram pouca relevância, ou nenhuma para a decisão da causa e a boa aplicação do direito.

  3. - Notório e visível é o negócio prejudicial para a representada, mãe do Autor / recorrente e, consequentemente, para este, que foi feito pelo réu BB, como procurador da mãe do recorrente, com a sua amiga, a ré CC.

  4. - O réu BB vende por € 50.000, declarados na escritura, a fracção autónoma da mãe do Autor/recorrente, que valia, em tal data, o montante de € 159.500.

  5. - O réu BB e a Ré CC eram amigos e conheciam quer a fracção quer o mercado imobiliário da zona onde se localizava tal imóvel, pois residiam lá, agindo nitidamente de má - fé.

  6. - Tratou-se de um negócio simulado, por isso, nulo.

  7. - Mesmo que se entenda que não existiu pacto simulatório, o negócio existente foi, nitidamente, e do conhecimento de ambos os contraentes, como prejudicial para a representada mãe do Autor/recorrente e para este, como seu herdeiro legitimário.

  8. - Sendo tal negócio feito com evidente abuso de representação e do direito.

  9. - Com a única e exclusiva intenção de retirar tal bem da esfera jurídica da representada, mãe do Autor/apelante, para que tal imóvel, à morte dela, não fizesse parte do acervo hereditário.

  10. - Sonegando, assim, antecipadamente, tal imóvel à herança de que o Autor / recorrente era interessado.

  11. - O acórdão recorrido, quanto à boa aplicação do direito, não apreciando o abuso do direito, está em contradição com o acórdão fundamento.

  12. - O acórdão de que se recorre violou, além de outros, os dispositivos legais constantes dos artigos 240º e seguintes, 258º e 259º, 262º, 334º, 341º e seguintes, 762º e 2096º do Código Civil.

  13. - Pelo que, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro, com todas as consequências legais.

Contra – alegou a Ré CC, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: 2.

Com a alteração operada pela Relação, quanto ao quesito 27º, que passou a considerar-se como não provado, passaram a constar como provados os seguintes factos: 1º - DD (doravante DD) casou civilmente com o primeiro réu, em 26 de Outubro de 1985, sob o regime de separação de bens (alínea A).

  1. - No dia 22 de Outubro de 2001, DD constituiu como seu procurador o autor, a quem concedeu os poderes para a representar em quaisquer partilhas judiciais ou extrajudiciais, requerer inventários, podendo outorgar e assinar as competentes escrituras e contratos de promessa, com as cláusulas e condições que tiver por convenientes, intervir na conferência de interessados, podendo sortear e compor quinhões, licitar, dar e receber tornas, fazer e aceitar notificações, citações, requerer quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, incluindo declarações complementares, requerer, praticar e assinar tudo quanto seja necessário aos indicados fins (alínea B).

  2. - Por escritura pública outorgada no 6º Cartório Notarial de Lisboa, em 4 de Julho de 2003, o primeiro réu, por si e na qualidade de procurador de DD, declarou vender pelo valor de cinquenta mil euros, à segunda ré, a qual declarou comprar, a fracção autónoma individualizada pela letra “J”, afecta exclusivamente à habitação, correspondente ao terceiro andar frente, do prédio urbano, sito na Rua da Escola Politécnica, nº … a ….-B, freguesia de S...

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