Acórdão nº 1037/12.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução15 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: 1---- AA instaurou, em 13/3/2012, uma acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CP - Caminhos de Portugal, EPE, pedindo a sua condenação a pagar-lhe o seguinte: - 33.903,36 euros, devidos por aplicação da Cláusula 20ª-A do AE CP/SMAQ; - ou, subsidiariamente 32.136 euros como compensação económica pelo aumento das despesas resultantes da alteração do horário de trabalho, em conformidade com o CT; - em qualquer dos casos, pede ainda o pagamento de 15.000 euros, a título de compensação pela violação dos seus direitos de personalidade.

Para sustentar estas pretensões alegou, no essencial, o seguinte: - Exerce as funções de Inspector de Tracção no Depósito de Tracção da R de Contumil, Porto, ao qual foi afecto em Setembro de 2005. Em Março de 2007, tendo a unidade de negócios "CP Regional" sido dividida em "CP Regional" e "CP Longo Curso", concorreu e ficou afecto à segunda por lhe permitir manter o seu horário inicial, estando previsto para este posto o horário das 09:00 às 17:00 horas.

- Foi por causa do horário que para ali concorreu, porquanto reside em Viseu desde 2001 e aquele horário era conciliável com os comboios que serviam a estação de ..., próxima da sua residência.

- Porém, em 01/04/2009, a Ré alterou o seu horário para 06:00-14:00 ou 14:00- 22:00, o que passou a impedi-lo de usar diariamente os comboios na sua deslocação para casa, como sempre fizera, por os mesmos não servirem a estação de ... a horas compatíveis.

Desta alteração resultou ter passado a usar a sua viatura própria, tendo que nela percorrer cerca de 260 quilómetros em cada dia de trabalho, tendo a Ré pago, até 1 de Junho de 2009, as despesas que suportou nos dias trabalhados com entrada às 06:00 horas. No entanto, a partir desta data e até 15/08/2010, a Ré alterou de novo o horário para 06:30-14:30 ou 14:00-22:00 - o que manteve a necessidade deste se deslocar na sua viatura pessoal entre Viseu e o seu local de trabalho, mas sem o pagamento de qualquer valor pela Ré.

Reclamou, por isso, o pagamento das deslocações efectuadas em todo aquele período, que computou em € 32.136 referentes aos 87.360 quilómetros percorridos, já deduzidos dos € 7.020 pagos em Abril e Maio de 2009 - a que acrescem € 5,26 por cada um dos 336 dias trabalhados, a título de ajudas de custo, no total de € 1.767,36, sendo o valor somado, de quilómetros e ajudas de custo, de € 33.903,36.

Mais alegou e concretizou prejuízos de natureza não patrimonial sofridos na sequência do comportamento da Ré, pelos quais pediu o respectivo ressarcimento em € l5.000.

Realizada audiência de partes, e não tendo esta derivado na sua conciliação, veio a R contestar, contrapondo, em síntese: - O Autor sempre trabalhou para a Ré em conformidade com escalas de serviço, estando por isso sujeito às necessidades de rotatividade; - Entre 01/09/2005 e 31/01/2007, ficou afecto ao Depósito de Tracção de Contumil, lugar a que concorreu para a categoria de Inspector de Tracção e em que existiam 3 turnos que o A. assegurava rotativamente, em conformidade com a escala de serviço; - Em 2007, na sequência da reestruturação, o A. ficou voluntariamente afecto ao Posto de Tracção de Contumil, com período de laboração contínua e sem promessa de qualquer horário de trabalho, pese embora viesse a ser praticado um turno único das 09:00 às 17:00 horas para a gestão de material motor e de pessoal; - Em Abril de 2009, reavaliadas as necessidades, foram criados os dois turnos referidos pelo Autor, mantendo-se um terceiro para os acompanhamentos; - Constatou-se, porém, que à hora de início do primeiro havia falta de transportes públicos que servissem Contumil, razão por que a Ré pagou ao A. a respectiva compensação em todos e apenas nos 28 dias em que o A. entrou às 06:00 horas, e, em conformidade com o AE, alterou esse início para as 06:30.

Com tal alteração, tendo já os trabalhadores acesso a Contumil através da rede de transportes públicos, entende que nada mais tem de pagar (tanto mais que é irrelevante se os transportes públicos servem ou não o local de residência).

Pugna assim pela absolvição dos pedidos. E sustentando que o Autor alterou a verdade dos factos, litiga de má-fé, pedindo a respectiva condenação em indemnização a fixar pelo Tribunal.

Respondeu o A, impugnando a má-fé.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto e a fixação da base instrutória.

E tendo o processo prosseguido com a realização da audiência de discussão e julgamento, foi, subsequentemente, proferida sentença, nos seguintes termos: “Em face do exposto, e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, julgo a acção parcialmente procedente e, em conformidade: 1. Condeno a Ré a pagar ao Autor a) a título de compensação pelo aumento das despesas sofridas com a alteração do horário de trabalho entre 01/04/2009 e 15/08/2010, o valor vier a ser apurado em posterior liquidação e que corresponderá àquele que foi aprovado para os funcionários do regime geral da Administração Publica pelo uso de viatura própria, multiplicado por 260 quilómetros por cada dia de trabalho prestado em que o Autor tenha usado a sua viatura nas deslocações de e para a sua residência em Viseu, descontado o valor já pago em Abril e Maio de 2009, tudo até ao limite de € 32.136,00; b) € 5.000,00 - como compensação pelos prejuízos não patrimoniais resultantes de a Ré não ter pago, em tempo, a compensação referida na alínea que antecede.

  1. Absolvo a Ré do mais peticionado.

  2. Declaro não verificada a má-fé do Autor, razão por que a absolvo do respectivo pedido.” Inconformada com essa decisão apelou a R, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso, e revogando a sentença recorrida, absolveu a R dos pedidos deduzidos pelo Autor.

    É agora este que, irresignado, nos traz revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões: Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no processo nº 1037/12.2TTLSB que considerou parcialmente procedente a acção com processo comum, em que a Ré ora Recorrida foi condenada no pagamento ao A. ora Recorrente de uma compensação pelo aumento das despesas sofridas com a alteração do horário de trabalho entre 1 de Abril de 2009 e 15 de Agosto de 2010, no valor que vier a ser apurado em liquidação de sentença e que corresponderá aquele que for aprovado para os funcionários do regime geral da Administração Pública pelo uso de viatura própria, multiplicado por 260 quilómetros por cada dia de trabalho prestado em que o Recorrente tenha usado a sua viatura nas deslocações de e para a sua residência em Viseu, descontado o valor já pago pela Recorrida em Abril e Maio de 2009, tudo até ao limite de € 32.136, bem como no pagamento de uma compensação pelos prejuízos não patrimoniais resultantes do facto de a Recorrida não ter pago a compensação acima referenciada em tempo, no valor de € 5.000.

    A prova testemunhal produzida em audiência foi clara quando se disse que o Recorrente terá pernoitado por duas ou três vezes no seu posto de trabalho que é demonstrativo de que foram raras as vezes em que o Recorrente o fez no período compreendido entre 1 de Abril de 2009 e 15 de Agosto de 2010.

    A concretização, nos termos da sentença recorrida, dos dias em que tal aconteceu seria objecto de análise aquando da sua liquidação, pelo que não há que proceder, neste particular, a qualquer ampliação da factualidade, concordando-se nesta parte com o acórdão recorrido.

    Resulta dos horários dos comboios indicados pela Recorrida para se verificar que a sua pretensão seria que naquele período o Recorrente não pudesse gozar o tempo de descanso entre jornadas de trabalho a que legalmente tem direito.

    Pretendeu a Recorrida que o Recorrente conduzisse cerca de 101 km entre ... e Aveiro, de madrugada, por vezes em difíceis condições de visibilidade e de piso, para ainda ter que fazer uma deslocação em comboio de cerca de 1 hora e 45 minutos, e de seguida efectuar uma jornada de trabalho em condução de comboio, e o inverso no regresso.

    A Recorrida, como consta da sentença, ponto 28 da factualidade, pagou ao Recorrente as devidas deslocações até Junho de 2009, pois tinha conhecimento das condições a que o Recorrente estava sujeito nestas deslocações devidas à alteração de horário única e exclusivamente da responsabilidade da Recorrida e não desconhecia esta que com tal alteração de horário o Recorrente deixava de ter transporte compatível com os seus horários desde ....

    A Recorrida nada mais tinha a fazer do que pagar nos termos aplicáveis as deslocações ao Recorrente, por frustrar as expectativas que este tinha quanto à possibilidade de acesso a baixo custo ao seu local de trabalho em Contumil, pelo que não pode proceder a ampliação da factualidade pretendida pela Recorrente nesta matéria.

    O AE SMAQ/CP tem aplicação no caso em apreço, mas também o têm as normas do CT, e, ao invés do que o acórdão recorrido pretende, o mesmo campo de aplicação.

    A sentença recorrida decidiu, e bem, que se aplicam as regras do AE no que toca ao pagamento de abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde se deve este iniciar, pois as escalas de serviço devem ser elaboradas de modo a não prever, nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, entradas e saídas que não tenham em consideração os horários de funcionamento desses transportes.

    Quando tal não aconteça, na normalidade da fixação de horários pela Recorrida, deve verificar-se o pagamento pela Recorrida de abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde a prestação de trabalho se deve iniciar.

    Havendo uma alteração da escala, e consequentemente, de horário, aí terá aplicação o número 5 da Cláusula 20º-A do AE SMAQ/CP, sendo nessa exacta medida de compensação do acréscimo de despesas de transporte entre a residência até ao local onde a prestação de trabalho se...

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