Acórdão nº 167/1999.3.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução29 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Nos Autos epigrafados, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que são partes AA e «BB – …, S.A.

    », o sinistrado, oficiosamente patrocinado pelo M.º P.º, requereu, em 27.9.2013, a revisão de incapacidade/pensão consequente a acidente de trabalho ocorrido em 17.11.1997, pensão que lhe fora fixada pela última vez por decisão de 2.11.2000.

    Com oposição da Seguradora à admissão do incidente, proferiu-se despacho a admiti-lo.

  2. Inconformada, a Seguradora reagiu, impugnando a decisão junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 275-280, julgou improcedente o recurso interposto e confirmou a decisão recorrida.

    Ainda irresignada, a Seguradora recorreu para este Supremo Tribunal.

    Rematou a respectiva motivação com esta síntese conclusiva: 1. O presente recurso deve ser admitido como AGRAVO em 2ª instância, pela aplicação do regime do CPT aprovado pelo DL 272-A/81, de 30 de Setembro, e que se encontrava em vigor à data do acidente dos autos.

  3. Segundo tal regime, nos termos do n.º 2 do artº 754.º do CPC, versão anterior ao DL 303/2007, de 24 de Agosto, cabe agravo na 2ª instância do acórdão da Relação sobre decisão da 1.ª instância se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme.

  4. É o caso dos autos, porquanto é patente a oposição entre o ora decidido e a jurisprudência que vem sendo afirmada no Supremo Tribunal de Justiça e no Tribunal Constitucional, podendo entender-se até ser necessário e conveniente que seja uniformizada jurisprudência, nos termos do art. 732.º-A do CPC, redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto, para que, casos como o do acórdão sob recurso, não venham a ser incentivo a que as instâncias possam subverter e perturbar o sentido inequívoco daquela jurisprudência.

  5. O douto despacho da 1.ª instância, agora inesperadamente confirmado, admitiu o incidente de revisão com fundamento na (aplicação da) Lei n.º 98/2009 ao acidente de trabalho dos autos, que ocorreu em 1997, não estando de acordo com o juízo de constitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional sobre a disposição da Base XXII da Lei n.º 2127, acompanhado por grande parte da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, no sentido de que o prazo de 10 anos é suficientemente alargado para que um hipotético agravamento de uma lesão possa manifestar-se, sendo certo que, no caso dos autos, o sinistrado se manteve 13 anos sem qualquer agravamento, apesar de ter sucessivamente requerido vários exames de revisão.

  6. O período de dez anos é suficientemente alargado (e generoso, como referiu Carlos Alegre), sendo garantia do direito à revisão em caso de agravamento e do princípio à justa reparação de acidente de trabalho.

  7. A nova LAT apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua data de entrada em vigor, nos termos do seu art. 187.º, sendo certo que se o legislador pretendesse a sua eficácia retroactiva, conhecendo como conhecia o debate em torno da interpretação da lei e da sua adequação constitucional, e sabendo expressar devidamente o seu pensamento, teria declarado essa eficácia, o que não fez.

  8. Um entendimento interpretativo que vise a aplicação do novo regime reparatório a situações jurídicas já constituídas constituiria aplicação retroactiva a factos anteriores, em violação dos princípios da legalidade, boa-fé, confiança e segurança jurídica, inerentes ao Estado de Direito.

  9. Por outro lado, o regime de reparação de acidentes de trabalho decorre da lei, mas a relação jurídica que obriga à reparação por uma empresa seguradora decorre da celebração de um contrato de seguro, pelo qual a entidade empregadora transfere a sua responsabilidade.

  10. O contrato de seguro é um negócio jurídico pelo qual o segurador e tomador acordam quanto à efectivação, pelo primeiro, de uma prestação, na condição de ocorrer a previsão de que depende o funcionamento da cobertura (o sinistro), mediante a contrapartida de um prémio devido pelo segundo.

  11. Na apreciação do risco e cálculo do prémio é considerado, designadamente, o regime legal em vigor, só assim sabendo o segurador quais são as suas responsabilidades futuras, assim podendo constituir adequadas provisões matemáticas, e pretendendo constituir uma relação contratual equilibrada na qual o prémio é adequado ao risco.

  12. Uma alteração superveniente do sistema jurídico no sentido de que o requerimento de revisão de incapacidade pode passar a ser exercido sem dependência de prazo, alteração não susceptível de previsão, nunca poderia deixar de constituir uma flagrante modificação das circunstâncias em que as partes acordaram na transferência da responsabilidade civil e na aceitação do risco, gravemente atentatória do equilíbrio alcançado entre prémio de seguro e risco, sendo o segurador chamado a responder por consequências não previstas, nem previsíveis, assim se violando o princípio da confiança e da segurança jurídica do cidadão que confiou na postura e no vínculo criado pelas normas do ordenamento jurídico.

  13. Em todo o caso, todas as questões aqui tratadas foram já objecto de conhecimento e decisão neste Supremo Tribunal de Justiça, pelos doutos Acórdãos de 22/05/2013 e 29/05/2013, assim firmando jurisprudência que deve ser mantida, o que envolve a revogação do douto despacho recorrido, sendo indeferido o incidente de revisão.

  14. Por mero dever de patrocínio, sempre sem conceder, e para o caso, que apenas se admite como muito remoto, de se entender serem aplicáveis as regras emergentes do DL 303/2007, sempre se dirá que o recurso sempre teria de ser admitido como revista excepcional, nos termos do art. 721.º-A do CPC (redacção do DL 303/2007).

  15. Com efeito, as anteriores conclusões mostram que se verificam os pressupostos das alíneas a) e c) do artº 721.º-A do CPC.

  16. Acresce que a apreciação da questão é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT