Acórdão nº 181/13.3TXPRT-F.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.1.

AA, preso à ordem do processo n.º 181/13.3TXPRT-A, vem, por intermédio do seu advogado, requerer a providência de habeas corpus, nos termos do art. 31.º da Constituição da República Portuguesa, e arts. 222.º e 223.º. n.º 4, al. d), do Código de Processo Penal (doravante, CPP), considerando estar preso ilegalmente por ter sido o “esgotado o prazo pelo qual poderia estar preso à ordem do presente processo, uma vez que já cumpriu 5/6 da pena em que foi condenado, de 6 anos e 4 meses” porquanto: I. « AA foi condenado pelo crime de tráfico e consumo de estupefacientes na pena de 6 anos e 4 meses de prisão, no processo nº 63/95, que correu seus termos no Tribunal Judicial de Penafiel, com acórdão transitado em julgado em 7/11/95.

  1. Em 19/12/1997, no âmbito do mesmo processo foi o Arguido, colocado em Liberdade Condicional (doravante LC).

  2. Em 1998 ausentou-se para Espanha, local onde lhe prometeram um emprego, mas com esta decisão violou as regras a que estava adstrito, pois apesar de ter dado conhecimento ao I.R.S. não esperou pela necessária decisão judicial, tendo no entanto, porque contava com o deferimento da sua pretensão, e, porque a oportunidade de emprego se poderia gorar, ausentado, como se disse sem a prévia e necessária autorização do TEP.

  3. Face à prática de novo crime, da mesma natureza, foi em Espanha condenado a nova pena de prisão.

  4. No cumprimento da pena em Espanha, submeteu-se, voluntariamente, a um processo de reintegração, com o intuito de superar o problema de toxicodependência de que padecia, nas instalações da Fundação Erguete, na qual aprendeu o ofício de electricista e com a qual celebrou em Agosto de 2000 um contrato de trabalho até Julho de 2001.

  5. Em 2001 foi notificado da revogação da LC anteriormente concedida, em Portugal.

  6. Em 12/2/2009 saiu em LC, relativamente ao crime cometido em Espanha, tendo sido trazido, pelas Autoridades Espanholas à fronteira portuguesa.

  7. De regresso a Portugal seguiu com a sua vida tendo, para o efeito, actualizado todos os documentos necessários à sua inclusão na sociedade, designadamente, o Cartão Único, renovou a carta de condução, colectou-se nas Finanças como empresário Individual, e começou a exercer uma actividade profissional fornecendo, inclusivamente, empresas como os SMAS do Porto e a Quinta da Aveleda em Penafiel, entre outros.

  8. Não olvidando a situação jurídico-penal pendente, dirigiu-se aos serviços do IRS em Rio Tinto, expondo os factos ocorridos desde a data em que saiu em LC, isto é, desde 1997.

  9. Referiu ter já cumprido a pena a que havia sido condenado em Espanha e que estava de volta a Portugal, pelo que queria saber a sua situação com a justiça portuguesa, pretendendo regularizar a mesma, ao que lhe responderam que nada constava ali e que, muito provavelmente, uma vez que se haviam passado mais de 15 anos, a situação estaria resolvida.

  10. Adquiriu a Liberdade Definitiva, face à condenação no Reino Espanhol, em 28/6/2010.

  11. E assim, após estar 4 anos em liberdade, recuperado do problema de toxicodependência do qual padecia, inserido social, familiar e profissionalmente, e convencido da sua liberdade definitiva, foi em 4/2/2013 surpreendido no seu local de trabalho, detido e entregue no Estabelecimento Prisional de Custóias, a fim de cumprir o remanescente da pena de prisão resultante daquele processo de 1995, de 2 anos, 8 meses e 17 dias, não tendo oferecido qualquer resistência.

  12. Em 10/09/2013 perfez o cumprimento dos 2/3 da pena de prisão, aguardando, desde essa altura, decisão sobre concessão ou não da LC facultativa.

  13. Na verdade, perspetiva-se uma decisão positiva, uma vez que se encontram preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para tal decisão, isto é, o mínimo de seis meses de prisão, e o requisito da prevenção especial, posto que em quatro anos de liberdade dedicou a sua vida ao trabalho e à família, tendo-se comportado de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, para além do exemplar comportamento que vem mostrando ao longo da reclusão, v.g. colocação laboral durante a execução da pena.

  14. No entanto, face à delonga da tramitação processual relativa a tal decisão, por ver precludidos os seus direitos de, eventualmente, recorrer de uma decisão negativa e ver a instância renovada, situação anómala e gravemente lesiva dos seus direitos de cidadão enquanto preso, expôs e requereu, ao TEP, a sua libertação, tendo, a propósito, feito alusão ao fato de os 5/6 da pena serem alcançados no dia 01/10/2014 .

  15. Sucede que, em resposta, pronunciou-se o Digníssimo Juiz do 2º Juízo de TEP pela não aplicação do n.º 4 do art.º 61.º do CP, posto que a execução da pena foi interrompida pela concessão da liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis desta norma em privações prolongadas da liberdade.

  16. Não se conformando com tal decisão interpôs, o Peticionante, recurso da mesma, tendo sido este indeferido, mormente, por ser uma mera aclaração do que já havia ficado decidido num outro Despacho datado de 7/3/2013, o qual fixa, única e simplesmente, o término da pena em 22/10/2014 e que, por sua vez, não foi comunicado ao Peticionante.

  17. Acresce que, atualmente, o Peticionante perfez os 5/6 da pena, no dia 1/10/2014, não tendo sido restituído, como estatui a lei, à liberdade.

  18. Ora, tendo em conta, por um lado, os Despachos do TEP, referidos em XVI e XVII, cujo conteúdo consubstancia uma decisão antecipada mas definitiva da questão da não aplicabilidade do regime do Art.º 61º, n.º4 ao ora Peticionante, e por outro, a falta de resposta esclarecedora , por parte das entidades Espanholas, aos sucessivos contactos do TEP solicitando informações reputadas como necessárias, com o que não se concorda, à decisão sobre a LC aos 2/3, não resta, outra opção senão o recurso ao Habeas Corpus, de modo a defender os Direitos Liberdades e Garantias do condenado.

  19. De fato, o TEP, não obstante o constante de fls. 214, 219, 221 e 222, tem solicitado, desde meados de Janeiro do presente ano a esta parte, informações concernentes às condenações anteriormente cumpridas, pelo Peticionante, no Reino Espanhol, no entanto, não tem logrado dissipar todas as suas dúvidas, tendo decorrido já mais que um ano, desde que o Recluso aguarda a respetiva decisão sobre a LC aos 2/3.

  20. Sucede que face ao cumprimento dos 5/6 da pena, a decisão relativa à concessão, ou não, da LC pelo cumprimento dos 2/3 perde todo o sentido, na medida em que o Recluso não está mais dependente de um qualquer juízo de prognose para ser posto em liberdade, posto que estão preenchidos os requisitos necessários, para que beneficie do regime preconizado no art.º61º, n.º4 do CP, a saber: o cumprimento de 5/6 da pena superior a seis anos, e, a concordância do Condenado, a qual aqui se expressa desde já.

  21. Como é consabido, o Habeas Corpus é uma providência extraordinária que se destina a assegurar, de forma especial, o direito à liberdade constitucionalmente garantido, constituindo, por isso, um “remédio excepcional” (SIMAS SANTOS, in Ac. STJ 06/25/2008), a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade.

  22. No caso decidendum, falham essas garantias, pois não utilizamos a presente providência para impugnar qualquer ilegalidade/irregularidade nem, sequer, para recorrer de uma decisão, que a nosso ver, nada tem de boa, tem-se em vista, tão somente, a reposição da legalidade de uma norma que é claramente aplicável ao caso do Peticionante, e que estando a ser violada impede este último do exercício de um dos direitos mais elementares do ser humano, o DIREITO À LIBERDADE, e por conseguinte, o direito a ver cumprida uma garantia constitucional.

    XXIV.

    Resulta do preceituado no n.º4 do Art.º61º do CP: “Sem prejuízo dos números anteriores, o condenado a pena superior a seis (6) anos, é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

    ”.

  23. Se da norma não se extrai qualquer ininterruptabilidade no cumprimento da pena, apenas se constatando que é composta pela locução conjuntiva temporal “logo que”, não fazendo a sua previsão depender a respetiva estatuição de quaisquer outros requisitos que não sejam os requisitos formais (cumprimento dos 5/6 da pena superior a 6 anos e a aceitação do condenado, que é sempre necessária, cfr. nº1 do mesmo normativo legal), então a sua aplicação será, à partida, “automática”.

  24. Por outro lado, o fato de ser precedida pela expressão “sem prejuízo do disposto nos números anteriores” não impede a sua aplicabilidade ao condenado que já tenha beneficiado da LC “facultativa”, antes reitera quer a coexistência, quer a independência das duas modalidades (facultativa e automática/obrigatória), pelo que a prevista no nº4, preenchidos que estejam os aludidos requisitos formais, aproveita quer ao condenado que não tenha beneficiado da LC “facultativa”, quer àquele tenha beneficiado dela, aquando do cumprimento de 1/2 ou 2/3 da pena, ou até das duas e tenha havido posterior revogação.

  25. Por conseguinte, referidos que foram os elementos sistemático e gramatical da norma, avoque-se a jurisprudência do Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 10/03/2012, proferido no âmbito do processo nº 3944/10.8TXPRT-H.P1, em caso simétrico á situação em crise, e o qual, fazendo alusão ao elemento histórico do art. 61º, nº3 (actual nº4) aduz que “(...) A discussão sobre o n.º 3 centrou-se no seguinte (cfr. mesma Acta n.º 7, p.70 da supra citada obra): «O Sr. Procurador-Geral da República exprimiu as suas dúvidas quanto à redacção do n.º 3 e isto porque o condenado pode ter aproveitado as soluções anteriores (de liberdade condicional “facultativa”) e depois voltar à cadeia.» O Professor Figueiredo Dias concordou com a objecção levantada, reconhecendo haver necessidade de obter uma decisão para o caso do condenado a pena de prisão superior a 8 anos que é posto em liberdade condicional quando se encontram cumpridos dois terços da pena e depois vê revogada a...

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