Acórdão nº 498/06.3TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Relatório: Pelo 3ºjuízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Gondomar corre processo comum na forma ordinária em que é AA - Companhia de Seguros, S.A. (actualmente BB - Companhia de Seguros, S.A.), identificada nos autos e R Herança Jacente por óbito de CC também identificada nos autos, pedindo aquela a condenação desta no pagamento da quantia de € 20.500,36, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, correspondente ao valor que suportou respeitante aos danos decorrentes de acidente de viação imputável ao condutor e autor da herança, invocando o direito de regresso por aquele ter conduzido sem título que o habilitasse e ter cometido condução distraída e desorientada.

    Citada a R., contestou, no essencial invocando a prescrição do direito de acção, e dizendo que na data dos factos o condutor tinha licença de condução válida e que o acidente é imputável ao peão, por ter atravessado de forma distraída a rua no momento em que passava o veículo da R.. Impugnou ainda por desconhecimento o valor dos danos alegados. Conclui pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

    A A. apresentou réplica, respondendo à invocada prescrição e reafirmando o alegado na p.i., concluindo nos mesmos termos.

    Procedeu-se à audiência de julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta tendo sido proferida sentença que, entendendo que a Autora não provou, como lhe competia, o nexo causal entre a condução sem carta e o acidente, julgando a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvendo a R. do pedido.

    Inconformada apelou a A tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedente a apelação interposta e, consequentemente, revogado a sentença recorrida, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 15.774,55 (quinze mil, setecentos e setenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Deste acórdão recorre a R para o STJ alegando, em conclusão, o seguinte: No acórdão agora impugnado foi a Ré condenada no pagamento à Autora do montante de € 15.774,55, acrescido de juros de mora a contar desde a citação, correspondente ao direito de regresso do valor que esta liquidou em resultado dos danos que advieram do acidente de viação imputável ao condutor e autor da herança, por este conduzir sem título de condução que o habilitasse para a condução do veículo EQ-…-…; Nesta decisão entendeu-se, em contraponto com o que foi decidido em primeira instância, que o reconhecimento do direito contra condutor sem habilitação legal ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 19° do DL 522/85 de 31-12 não depende de prova por parte da seguradora de um concreto nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para conduzir e o acidente; A Recorrente não se conforma com esta decisão entendendo que o efectivo direito de regresso deverá depender da prova deste nexo causal e, não se tendo o mesmo sido provado conforme resulta da matéria de facto considerada provada, não deverá ser reconhecido aquele direito, pelo que o presente pleito deverá ser julgado improcedente; No entanto, a recorrente não desconhece que a presente questão é objecto actualmente de duas correntes jurisprudenciais; Uma (defendida pela recorrente e subscrita pela Senhora Juiz de primeira instância) entende que a seguradora que pretenda exercer o direito de regresso sobre o condutor que não estiver legalmente habilitado, deverá alegar e provar o nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para a condução e a eclosão do acidente; Outra defende que a seguradora não terá que provar o nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para a condução e a eclosão do acidente, tendo apenas o ónus de alegar e provar: a ocorrência do acidente; que o réu conduzia sem estar habilitado para tal; os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual — máxime a culpa do réu (exclusiva ou concorrencial) pela eclosão do acidente - Conforme, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-01-2005, processo n° 0436750, em que é relator Fernando Baptista, acessível em www.dgsi.pt; Entende também esta segunda corrente jurisprudencial que, naquelas situações de direito de regresso, é permitido ao condutor não legalmente habilitado para a condução e para se eximir ao pagamento da indemnização, o direito de fazer a prova de que o acidente nada teve a ver com a falta de habilitação legal - Conforme acórdãos acima transcritos; Ora, foi isto mesmo que foi alegado pela Ré nas suas alegações, conforme conta das conclusões ns.1 a 23, não tendo esta alegação sido merecedora de qualquer consideração no acórdão agora recorrido; Foi, ainda, requerido pela Ré no artigo 23° das suas alegações a ampliação da matéria de facto considerada como assente, com aditamento aos quesitos 12 e 13 da matéria de facto assente que: "Aquela carta de condução veio a ser revalidada com data de 21 de Janeiro de 2003, mediante a entrega do atestado médico constante de/Is. 135 emitido pela Direcção-Geral da Saúde e datado de 15 de Janeiro de 2003, única formalidade exigível e que considerou o condutor como tendo aptidão física e mental para a condução de veículos da categoria B", Não tendo, igualmente, existido qualquer pronúncia a este respeito, motivo pelo qual e salvo o devido respeito por opinião contrária, é aquela decisão nula nos termos do disposto nos artigos 674° n° 1 alínea c), 666° e 615° alínea d) do Código de Processo Civil; Conforme acima se referiu, é aberta a possibilidade do condutor alegar e provar que a falta de habilitação legal para a condução não teve qualquer contribuição causal na ocorrência do acidente, assim se eximindo ao pagamento do direito de regresso exigido pela seguradora; O fundamento desta segunda corrente jurisprudencial (que entende que a seguradora não tem que provar o nexo causal entre a falta de habilitação legal e o acidente) reside na "presunção de impreparação do condutor prevaricante e na maior probabilidade de ter sido a má execução a conduzir, decorrente dessa mesma impreparação, a estar na origem do facto lesivo" (Acórdão da Relação de Lisboa, processo n° 1870/06.4.YXLSB.L1-7, 13-09-2011, Luís Lameiras, www.dgsi.pt), "justificação que leva implícita a possibilidade de a presunção poder ser ilidida pelo réu" (Acórdão da Relação de Lisboa de 07-02-2012 acima citado); No caso presente teremos que indagar se a agora Recorrente foi capaz de alegar e provar que a alegada falta de habilitação legal para a condução não teve qualquer influência na ocorrência do acidente; Foi considerado provado - Quesitos 12° e 13°: "Provado apenas e com esclarecimento de que o veículo "EQ" é um ligeiro de passageiros, encontrando-se o seu condutor CC habilitado para a condução de veículos através da carta de condução válida de 20.03.1953 a 14.01.2004, com excepção do período de 18.12.2002 a 20.01.2003 lapso de tempo em que a carta de condução esteve sem validade." Assim, tendo presente que o acidente em questão nos autos ocorreu no dia 10 de Janeiro de 2003, verifica-se que, 11 dias após esta data, já estava a carta de condução novamente válida; A data do acidente encontrava-se em vigor o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir aprovado pelo DL n° 209/98 de 15 de Julho e de acordo com os artigos 8o e 9o n° 1 alínea c) daquele diploma e tendo presente que a carta de condução do condutor acima indicado estava caducada à data do acidente, porquanto a sua validade havia expirado em 18-12-2002, ou seja, há cerca de 23 dias, aquele condutor teria que ser submetido a uma inspecção especial a efectuar pela autoridade de saúde da sua área de residência, inspecção esta que mais não passa de um atestado médico a emitir pela Direcção-Geral de Saúde; Foi o que que sucedeu, conforme consta aliás da informação a fls. 130 e seguintes dos autos, já que a carta de condução veio a ser revalidada com data de 21-01-2003, revalidação esta que foi efectuada com base no atestado médico datado de 15 de Janeiro de 2003 e junto a fls. 135; Neste atestado médico para condutor de veículos, única formalidade que, recorde-se, para além do respectivo requerimento, era exigido ao condutor para revalidar a sua carta de condução, é mencionado que o mesmo "Tem aptidão física e mental para a condução de veículos categoria B", Pelo que, 5 dias após o acidente (estando a carta de condução caducada), atestou a Direcção-Geral da Saúde que o condutor estava apto física e mentalmente para conduzir o veículo que tripulava à data do acidente, tendo sido com base neste documento que o título de...

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