Acórdão nº 1060/11.4T2STC.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução02 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Sociedade Agrícola AA, Lda intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra Sociedade Sociedade Agrícola BB, S.A.

.

, pedindo: - que seja atribuído à autora o direito de propriedade sobre 5 hectares de terreno que compõem a parcela denominada “Olival”, sendo que desses, 4 hectares devem possuir aptidão construtiva de acordo com o PDM do Município de Alcácer do Sal, requerendo que a divisão física e respectivo destaque seja efectuada em execução de sentença; - ou, em alternativa, caso se venha a reconhecer a impossibilidade da atribuição do direito de propriedade sobre a mencionada parcela, que a ré seja condenada a pagar à autora o valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) correspondentes a 1/3 da diferença de valorização resultante do alegado erro, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento.

Alegou para tal efeito, em síntese, o seguinte: Na sequência da divisão da Herdade de … em 3 lotes, destinados aos 3 grupos familiares descendentes dos 3 sócios fundadores da Sociedade Agrícola da Herdade de …, o lote 3 veio a ser sorteado e atribuído aos herdeiros de CC, ramo este familiar que era constituído por DD e EE, sendo que estes dois vieram, por sua vez, a proceder à divisão do referido lote 3 em duas áreas, designadas por área A e área B. Esta área B, constituída por cerca de 2.500 hectares, que veio a ser sorteada e atribuída a DD, foi por sua vez subdividida em 3 sub-lotes, destinadas a integrar, directa ou indirectamente, o património de cada um dos 3 seus filhos, FF, GG e HH, estando já projectada a criação de 3 sociedades para o efeito, as quais, numa primeira fase seriam constituídas entre DD e cada um dos seus referidos 3 filhos. Em 15.08.1991, data em que estes últimos tiveram conhecimento da subdivisão do supra referido lote 3, foi acordado pelo DD e pelos seus 3 filhos que cada um dos 3 sub-lotes teria um valor tanto quanto possível igual. Nessa perspectiva, foi contratado um engenheiro agrónomo que procedeu a essa divisão em 3 sub-lotes, com áreas e valores idênticos, sendo que um deles foi incorporado no activo da sociedade ré, outro no activo da Sociedade Agrícola II, S.A. e outro no activo da autora – por escritura de 26.11.96. Posteriormente, veio a verificar-se ter havido um inaceitável e desconhecido erro de identificação da parcela que foi atribuída à sociedade ré, do qual resultou para as outras duas sociedades um prejuízo de grande proporção. Com efeito, na referida avaliação, efectuada em Janeiro de 1996, não se teve em consideração o facto de, nos termos do respectivo Plano Director Municipal, do Município de Alcácer do Sal, publicado em 1994, a quase totalidade do solo da parcela atribuída à sociedade ré ter sido qualificado como área urbana com viabilidade construtiva, sendo que dos 15 hectares dessa parcela, é possível construir em pelo menos 12 hectares.

Assim, tendo tal parcela, de olival, sido avaliada em € 21.323,61, o certo é que, face à capacidade construtiva, deveria ter sido avaliada em € 15.000.000,00, de onde resulta que o valor do prejuízo da autora é de € 2.000.000,00, estando a ré injustificadamente beneficiada em € 4.000.000,00. Tratou-se de um erro de avaliação, que veio provocar o efeito contrário ao que era pretendido, sendo que sem tal erro os 3 sub-lotes teriam uma delimitação completamente diferente.

Citada, contestou a ré, defendendo-se por excepção, invocando a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, a prescrição do direito da autora, a ineptidão da petição inicial, a aquisição por usucapião e o abuso de direito, e defendendo-se ainda por impugnação.

Replicou a autora, pugnando pela falta de verificação das invocadas excepções.

Após realização de audiência preliminar, veio a ser proferido despacho saneador, no âmbito do qual, após se fixar o valor da causa, se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade processual e de litisconsórcio necessário passivo e se julgou procedente a excepção de caducidade do direito da autora (que a ré apelidou de prescrição), absolvendo-se a ré do pedido.

  1. Inconformada, apelou a A., tendo, porém a Relação confirmado a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: Segundo a autora apelante no, por si invocado, regime previsto no art. 437º, nº 1 do C. Civil, para o qual remete o art. 252º, nº 2, não está em causa a anulação do negócio e posterior conversão, mas sim a aplicação do regime da cláusula “rebis sic stantibus”, razão pela qual o tribunal “a quo” não podia ter considerado a caducidade do direito da recorrente de solicitar a anulação do negócio, o que esta não fez, já que apenas pediu ao tribunal a aplicação do disposto no art. 437º, nº 1 do C. Civil.

    Estabelecendo o nº 1 do art. 252º do C. Civil que”o erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas não se refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do erro”, estabelece por sua vez o nº 2 do mesmo artigo que “se porém recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.

    Conforme se alcança da decisão recorrida, e já supra referimos, o tribunal “a quo” considerou, e bem (neste aspecto em concordância com o que defende a apelante) que efectivamente, face aos termos em que a autora configurou a acção, estamos perante uma situação de erro sobre a base negocial, prevista no nº 2 do art. 252º do C. Civil.

    Com efeito, o erro em causa, relativo à viabilidade de construção de parte substancial da parcela que veio a ser atribuída à sociedade ré e que se reflete num maior valor dessa parcela, contrariamente ao que se perspectivou, em relação às outras duas parcelas (atribuídas à sociedade autora e à Sociedade da Sociedade Agrícola II, S.A.) incidiu claramente sobre circunstâncias que constituem a base do negócio.

    Conforme refere Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, pag. 515) o erro incidente sobre a base negocial abrange os casos em que um dos contraentes tira dum bem um rendimento especial, por força do errado convencimento da outra parte acerca da verificação de um evento não normal ou quando haja uma falsa ideia acerca da existência ou extensão do direito de uma das partes.

    Todavia, contrariamente ao que defende a apelante, o tribunal considerou, na linha do entendimento defendido por Mota Pinto, que a remissão efectuada pelo nº 2 do art. 252º do C. Civil para “o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”, não afasta o vício previsto no nº1 do mesmo artigo.

    Efectivamente, segundo Mota Pinto, in ob. cit, pag. 515, no nº 2 do artigo 22º, estabelece-se um regime especial para certos casos de erro sobre os motivos: se o erro incidir sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial, haverá lugar à anulabilidade do contrato, nos mesmos termos em que, nos artigos 437º a 439º, se dispõe acerca da resolução por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.

    E isto, porquanto, ainda segundo o mesmo autor (vide ob. cit, pag. 515, in nota de rodapé) no erro, o vício é contemporâneo da formação do negócio.

    É esse, de resto, o entendimento, que acolhemos, dominante na jurisprudência.

    Com efeito, enquanto que o art. 437º do C. Civil respeita à modificação das circunstâncias contratuais futuras, posteriores à formação do negócio, que se formou validamente, no nº 2 do art. 252º do mesmo diploma o que está em causa é o erro existente na fase da formação do negócio, que, como tal, afecta a sua própria validade.

    E daí que a consequência do erro não seja a resolução ou modificação do contrato mas sim a sua anulabilidade (vide acórdãos do STJ de 18.06.2013, em que é relator Moreira Alves, de 13.09.2011, em que é relator Nuno Cameira, ambos in www.dgsi.pt, e de 16.11.2004, in CJ/STJ, 2004, III, 113)..

    Assim, tendo o alegado erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio como consequência a anulabilidade do negócio, esse erro teria efectivamente, nos termos do supra citado nº 1 do art. 287º do C. Civil, que ser invocado no prazo de um ano a contar da realização do negócio.

  2. Novamente inconformada, interpôs a A.

    revista excepcional, admitida pela competente formação, com base em invocado conflito jurisprudencial com o decidido pelo STJ no Ac. de 6/11/03, cuja certidão consta de fls. 691\ e segs.: como se refere no acórdão proferido por aquela formação, a questão fundamental de direito que se coloca na revista consiste em saber se a remissão constante do art. 252º, nº2, do CPC ( isto é, quando o erro recai sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio) permite a aplicação do regime de resolução ou modificação do contrato, nos termos do art. 437º - sendo que, no acórdão fundamento, se considerou que: Confrontando o disposto do nº. 2 do artº. 252º com o do nº. 1 do artº. 437º, temos que a base do negócio serão as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, verificando-se erro sobre a base do negócio sempre que ocorra uma falsa representação dessas circunstâncias; no caso deste erro, já não se torna necessário o reconhecimento por acordo da essencialidade dos motivos, ao contrário do que a lei exige para o vulgar erro sobre os motivos, tudo, pois, partindo da consideração objectiva (não da subjectiva) de que as partes fundaram aí a decisão de contratar. Se ocorre uma alteração ou evolução anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, tem então a parte lesada o direito à resolução (ou à modificação do contrato), "desde que a exigência das obrigações por ela assumidas...

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