Acórdão nº 1593/07.7TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | SEBASTIÃO PÓVOAS |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou acção com processo ordinário contra: BB, CC, DD, EE, Lda, FF, Município da ... e Estado Português, pedindo a condenação solidária de todos os réus no pagamento da quantia de € 1.352.084,67, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação.
Alegou, em síntese, que é armador de embarcações de pesca; em 1999 adquiriu por 32.000.000$00 escudos (€ 159.615,32), a embarcação "... e ...", cujo nome veio a ser alterado para "... & ..."; a embarcação foi sujeita a trabalhos de beneficiação no "Estaleiro ...", encontrando-se pronta para voltar ao mar; no dia 15 de Agosto de 2000 realizaram-se as tradicionais Festas da ..., organizadas pela ré FF; o réu, BB, exercia funções de representante (“juiz”) da FF e contratou a ré EE, Lda, então representada pelo seu sócio gerente, réu CC, para o lançamento de fogo-de-artifício; o réu BB celebrou contrato de seguro, requereu a colaboração dos bombeiros e obteve da Capitania policiamento marítimo para os dias, horas e local autorizados: dias 14 e 15, na área da enseada do porto, estando proibido o lançamento do fogo entre as 24 e as 9 horas; no entanto, os réus BB, CC e DD decidiram lançar o fogo fora do local autorizado, junto à zona dos Estaleiros Navais da sociedade " HH, Lda."; fizeram-no cerca das 00:45Horas, em horário proibido; praticaram tais actos apesar de terem sido previamente avisados do perigo de incêndio das embarcações que ali se encontravam; um dos foguetes atingiu a embarcação "... & ...", destruindo-a totalmente; para além dos elevados danos materiais, o autor sofreu danos morais.
Os réus CC, DD e " EE, Lda.", contestaram, excepcionando a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer na acção (por alegadamente terem decorrido mais de três anos) e a incompetência do material do Tribunal (por entenderem que a competência é dos ‘Tribunais Marítimos'), e alegando, em síntese, terem agido sempre sob as ordens e indicações da ré “FF”, na convicção de que estavam obtidas todas as licenças e reunidas todas as condições de segurança para o lançamento do fogo, sendo o réu DD um mero trabalhador da sociedade " EE, Lda.", pelo que nenhuma responsabilidade teve nos factos em causa.
Concluem pugnando pela improcedência da acção no que lhes respeita.
O Município da ... contestou suscitando as excepções de incompetência material do Tribunal (por entender que ser competente para a causa o Tribunal Administrativo de Círculo), de legitimidade passiva e de prescrição, impugnando a factualidade alegada na petição com invocação de desconhecimento da mesma.
O Estado Português também contestou excepcionando a incompetência material do Tribunal (por entender ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo), e alegando que a PSP não praticou qualquer acto ou omissão a que possa ser atribuída a causa do incêndio.
Com a sua contestação, o Estado Português juntou aos autos o acórdão do Tribunal Judicial de Vila do Conde, que condenou os arguidos BB e CC em pena de prisão com execução suspensa, com base na factualidade destes autos, bem como o acórdão desta Relação que confirmou tal decisão.
Na réplica, o autor pugnou pela improcedência das excepções deduzidas pelos réus.
A ré, “FF”, veio informar o falecimento do réu BB, juntando aos autos a respectiva certidão de óbito.
Deduzido o correspondente incidente, foram habilitados para prosseguirem os termos da acção como sucessores do réu falecido o cônjuge II, e os filhos JJ, LL e MM.
A ré “FF” e os réus (habilitados) II, JJ, LL e MM, apresentaram contestação na qual suscitaram a excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria (defendendo a competência do Tribunal Marítimo), e alegaram, em síntese, terem obtido todas as licenças necessários para o lançamento do fogo, sendo que o local escolhido e a forma do seu lançamento foi da inteira responsabilidade dos réus CC, DD e EE, Lda, que eram quem tinha a preparação profissional e conhecimentos técnicos necessários para o lançamento do fogo e escolha de local seguro para o efeito, razão pela qual concluem pela ausência da sua culpa no sucedido.
Foi proferido despacho saneador no qual se julgou procedente a excepção de incompetência material do Tribunal, suscitada pelos réus Estado Português e Município da ... e, em consequência se absolveram estes réus da instância, por se entender que relativamente a eles é competente o Tribunal Administrativo; se julgou improcedente a excepção de incompetência material suscitada pelos restantes réus (que defendiam a competência do Tribunal Marítimo); se julgou improcedente a excepção de prescrição; se considerou não existirem quaisquer questões susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa; e se organizou a base instrutória.
Não se conformando com a decisão, os réus CC, DD e EE Lda dela agravaram.
Também o autor interpôs recurso de agravo, inconformado com a decisão na parte em que absolveu da instância os réus Estado Português e Município da ....
A Relação confirmou a decisão da primeira instância, tendo o autor interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde foi proferido acórdão (fls. 1239) no qual se decidiu caber ao Tribunal de Conflitos a competência para a decisão, relativamente à excepção de incompetência suscitada pelo Estado Português e pelo Município da ....
Encontra-se junta aos autos certidão do acórdão do Tribunal de Conflitos, que confirmou a decisão deste Tribunal no que respeita à absolvição da instância dos réus Estado Português e Município da ..., julgando competentes quanto a estes réus o Tribunal Administrativo.
Apresentados e admitidos os requerimentos probatórios das partes, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto que não foi alvo de qualquer reclamação.
Em 25 de Fevereiro de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Termos em que se julga acção por parcialmente procedente, e consequentemente se decide: - Absolver o Réu, DD do pedido deduzido pelo autor AA.
- Condenar os Réus: - II, JJ, LL e MM, na qualidade de sucessores de BB; - FF; - CC e EE, Lda, a pagarem solidariamente ao autor AA a quantia de €159,615,32 (cento e cinquenta e nove mil e seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos) acrescida da quantia, a liquidar em liquidação em execução de sentença, correspondente ao valor dos rendimentos que o autor deixou de obter pela privação do uso da embarcação "... & ..." desde o dia 16 de Agosto de 2000 até à data da propositura da presente acção, tudo acrescido de juros contados à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.” Não se conformaram os réus “FF”, II, JJ, LL e MM e interpuseram recurso de apelação, para a Relação do Porto, que negou provimento ao recurso e manteve a decisão apelada.
Inconformados os Réus condenados pedem revista que, inicialmente, e em sede de admissão como excepcional, foi relegada para revista-regra pelo Colectivo- Formação do artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
No essencial, e no que releva em sede de recurso, formularam as seguintes conclusões: – Perguntar-se-ia, como será possível um mínimo de segurança (...) se uma simples e ridícula conversazinha (no caso até a frase qualificada pelo acórdão/recorrido como de “sobranceria”!, como se valesse ouro de lei!) pudesse servir para agarrar um terceiro à responsabilidade do detentor de actividade perigosa, ou, por si mesma, chegasse para aferrolhar a pessoa à negligência pura e dura?! – Num segundo plano, a questão de direito absolutamente indispensável decidir de uma vez por todas é a de se é possível comunicar a terceiro a responsabilidade, e seu regime, do detentor e exercitante de actividade perigosa.
– É que o acórdão/recorrido abraça uma tese doutrinal, que se resume nas suas seguintes passagens: «Em conclusão, sobre o réu BB recaía a presunção legal de culpa, impondo-lhe a lei que demonstrasse ter empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, ou seja, ter actuado com a devida diligência.»; «O réu BB não logrou demonstrar a sua diligência, antes se tendo provado que agiu deforma negligente, pelo que sobre ele recai a obrigação de indemnizar.» – Daí que seja desde logo um óbvio excesso de conclusão, ao arrepio da experiência comum na aplicação ao caso concreto, a conclusão do douto acórdão sob revista, segundo a qual: «Ao invés da tese preconizada pelos recorrentes, entendemos que não é necessária (nem a lei o exige em parte nenhuma) a qualidade de perito por parte do agente, relativamente à ‘actividade perigosa', bastando que nas circunstâncias concretas, face às regras da experiência comum, se revelassem previsíveis para o agente, com elevado grau de probabilidade, as consequências da sua conduta.
Ora, in casu, tal como já se deixou escrito, tais consequências eram mais do que prováveis, face à proximidade da embarcação, ao facto de esta estar apetrechada com combustível, e aos persistentes avisos de NN, aos quais o réu BB respondeu com sobranceria: “tem calma, se o barco arder dou-te um novo (...) queres levar um cheque em branco?”.».
Ora, – A pronúncia doutrinal e jurisprudencial sobre a extensão a terceiro, sem qual quer culpa no plano da responsabilidade civil geral, da responsabilidade por actividades perigosas e da ilisão da presunção de culpa que cabe a quem as exerce mostram bem de como a certeza do Direito pede uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.
– Estamos, indubitável e definitivamente, perante ocorrência resultante de actividade perigosa: há entre esta actividade e o sinistro e o dano uma relação causal óbvia.
– Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir» (Código Civil, art. 493.°-2).
– Provém da doutrina como sendo certo...
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