Acórdão nº 750/03.0TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução28 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

AA e mulher BB – aquele entretanto falecido, tendo sido habilitadas, em seu lugar, a sua mulher e a sua filha CC – instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra DD e mulher EE, pedindo que: a) seja declarado, e os réus condenados a reconhecer, que sobre os prédios descritos na Parte III (alíneas a), b), c) e d) do n.º 8) da petição (propriedade dos réus) se encontra constituída uma servidão de aqueduto e servidão de presa a favor dos prédios descritos na Parte I (alíneas a), b), c) e d) do n.ºs 1, 2, 3 e 4) da petição; b) seja declarado, e os réus condenados a reconhecer, que tal servidão (de aqueduto e presa) têm o trajecto e configuração descritas na Parte IV (n.ºs 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17) da petição; c) seja declarado, e os réus condenados a reconhecer, que tal aqueduto (canalizações) e presa (tanque – hemitanque sul) se destinam a conduzir, represar e voltar a canalizar as águas descritas na Parte II (n.ºs 5, 6 e 7) da petição para os seus prédios; d) sejam os réus condenados a abster-se de impedir que os autores entrem nos prédios identificados na parte III (n.ºs 8, 9 e 10) da petição, na medida do necessário para seguirem a canalização que por tais prédios leva as águas identificadas nas partes I e II (n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7) da petição, até detectarem o local ou locais onde a circulação das águas foi cortada ou desviada ou (noutra qualquer hipótese) descobrirem o que impede que as suas águas deixem de cair no hemitanque sul do tanque ...; e) cumulativamente, os réus se abstenham de impedir que os autores façam as reparações necessárias para que as águas identificadas voltem ao seu curso normal, caindo, pela canalização aí existente (que existia) no hemitanque norte da poça ...; f) cumulativamente, sejam os réus condenados a proceder à entrega imediata de um duplicado da chave própria para a fechadura do portão de ferro que dá (sempre deu) acesso normal dos autores ao tanque ..., pelos prédios dos réus; ou tomem, os réus, as providências necessárias para que o portão nunca seja fechado à chave, para permitir o acesso dos autores ao tanque ... sempre que for necessário; g) cumulativamente, que os réus sejam sujeitos a uma cláusula compulsória que consista no pagamento de € 150 por cada dia que impeçam o acesso dos autores aos prédios onde corre a canalização e se encontra o hemitanque sul do tanque ...; h) cumulativamente, os réus sejam condenados a abster-se de perturbar de qualquer modo a recolha e condução das águas propriedade dos autores e acima identificadas: quer das minas donde têm origem para o hemitanque sul do tanque ..., quer do hemitanque para os seus prédios; i) cumulativamente, os réus sejam condenados no pagamento de uma indemnização correspondente aos prejuízos causados, descritos na petição, mas que melhor serão calculados em execução de sentença.

* Os réus contestaram aceitando que são proprietários dos prédios e das águas referidas pelos autores, que foi construído o depósito de sete bicas, bem como a divisão do tanque, em dois, para onde correm as águas de quatro bicas para si, e de três bicas para aqueles, na parte sul.

Contrapuseram, contudo, que desde há 15 anos, os autores deixaram ao abandono o hemitanque sul, deixando de servir para a recolha das águas, porque junto ao mesmo uniram o tubo que trazia as águas das três bicas com aquele que as levava desse tanque, construindo um novo tanque no seu prédio para onde canalizaram todas as águas que seguiam para os seus prédios.

Negam ter impedido o acesso ao tanque ..., pois o mesmo sempre foi feito directamente pela Rua … por umas escadas em pedra.

Em 2002 pretendiam construir um prédio para a sua habitação a situar no prédio rústico onde está o tanque ... e, para que tal fosse possível, era necessário que os tubos subterrâneos que ali passavam fossem transferidos para outro local. Os autores autorizaram-nos a transferir a união dos tubos que existiam perto do tanque ... para outro local próximo do tanque novo.

Deduziram reconvenção pedindo que sejam declaradas extintas quaisquer servidões que eventualmente sobre os seus prédios se encontrem constituídas a favor dos prédios dos autores.

Na réplica, os autores argumentaram que nunca deixaram ao abandono o hemitanque sul do tanque ..., mas antes foram os réus quem impediu o acesso ao mesmo, desde Julho/Agosto de 2001, e procedido ao corte da canalização. Negam ter autorizado a transferência da união dos tubos.

Foi exarado despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e controvertida, tendo os autos seguido os seus termos, após o que se efectuou prova pericial e audiência final, com inspecção judicial ao local, vindo a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente provada e procedente, “A) declara que: a) sobre o prédio registado a favor dos Réus DD e mulher EE sob o n.º … - … e inscrito na matriz urbana sob o artigo … se encontra constituída uma servidão de aqueduto a favor dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os n.ºs …, …, … e … da freguesia …, melhor identificados no ponto 1. da fundamentação de facto, pertencentes às Autoras habilitadas BB e CC; b) a servidão de aqueduto referida em a) é formada por tubos ora subterrâneos, ora visíveis à superfície da terra, com diâmetro variável entre 2,5 cm e 4 cm que entram no prédio descrito sob o n.º … através de uma abertura situada na sua confrontação sul, onde actualmente se encontra um portão em ferro, seguindo sensivelmente no sentido nascente – poente, com o trajecto desenhado no documento de fls. 42, até ao junto ao hemi-tanque sul ..., onde se unem, saindo para os prédios descritos sob os n.ºs …, …, … e … em trajecto paralelo e inverso; c) o aqueduto se destina a conduzir as águas identificadas no ponto 6. da fundamentação de facto para os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os n.ºs …, 65/060387, … e … da freguesia … com vista ao aproveitamento para gastos domésticos das habitações, lima e rega dos terrenos; B) condena os Réus DD e mulher EE a: a) reconhecer o declarado supra em A) a), b) e c); b) absterem-se de impedir que as Autoras habilitadas BB e CC entrem no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … na medida do necessário para seguirem a canalização que pelo mesmo leva as águas referidas supra em A) c) até detectarem o local ou locais onde a circulação das águas foi cortada ou desviada e façam as reparações necessárias para que tais águas voltem ao seu curso normal, através da canalização com o trajecto referido supra em A)b); c) entregar imediatamente às Autoras habilitadas um duplicado da chave própria para a fechadura do portão de ferro situado na confrontação sul do prédio descrito sob o nº… ou tomar as providências necessárias para que o referido portão nunca seja fechado à chave a fim de lhes permitir o acesso ao interior do referido prédio para as finalidades identificadas em B) b); d) a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante de € 75 por cada dia que impeçam o acesso ao primeiro prédio identificado em B) a); e) a pagar a indemnização que vier a ser liquidada relativamente aos prejuízos decorrentes dos factos identificados nos pontos 25. a 27., 30., 32., 33. e 36. a 40. da fundamentação de facto.

  1. absolve os Réus dos restantes pedidos formulados pelas Autoras habilitadas.

    1. Julgando a reconvenção não provada e improcedente absolve as reconvindas habilitadas BB e CC do pedido formulado pelos reconvintes DD e mulher EE”.

    * Inconformadas, ambas as partes apelaram para a Relação de Guimarães, que, por acórdão do pretérito dia 09-01-2014, julgou “parcialmente procedente a apelação, revogando as alíneas “c” e “e” do Ponto “B” da sentença, reportando a alínea “d” do mesmo ponto à violação da obrigação de permitir aos AA o acesso ao prédio dos RR sempre que as circunstâncias concretas imponham a inspecção dos tubos e mantendo em tudo o mais a sentença recorrida”.

    * De novo, insatisfeitos, vieram recorrer, para este Supremo Tribunal, os réus e as autoras/habilitadas, estas, subordinadamente.

    A concluir a minuta de recurso, os réus alinhavaram as seguintes conclusões: 1.º – Errou o Tribunal recorrido ao não ter declarado nula a sentença da primeira instância, pois não obstante ter concluído que os autores não alegaram os caracteres da posse correspondentes à pacificidade e publicidade, nem invocaram o «animus possidendi» – manteve como verificados os requisitos em falta, reconhecendo aos autores o direito à servidão de aqueduto sobre a água em causa.

    1. - Ora, dispõe o art. 668.º do Código de Processo Civil (atual 615.º) que é nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. O tribunal a quo usou ilegitimamente do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia); 3.º - No caso «sub judice», não obstante reconhecer que os autores não alegaram os requisitos da posse (pacificidade, publicidade e o «animus possidendi»), essenciais para a constituição do direito por usucapião, o tribunal a quo substituiu-se aos autores e deu tais requisitos por preenchidos, violando também o principio segundo o qual o tribunal não pode substituir-se às partes. O aplicável artigo 664.º do Código de Processo Civil estatui que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, encontrando-se, todavia, condicionado aos factos articulados pelas partes. O art. 467.º do Código de Processo Civil impõe àquele que apresente petição a obrigação de formular um pedido. De acordo com o estatuído no art. 264.º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções.

    2. - O Tribunal da Relação não pode conceder uma tutela não...

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