Acórdão nº 2476/10.9YXLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução16 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO propôs contra AA BANK (PORTUGAL), S.A. (actualmente com a denominação AA BANK EUROPE GMBH -SUCURSAL EM PORTUGAL, S.A.), acção declarativa, sob a forma de processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 26.°, n.° 1, alínea c), do DL n.° 446/85, de 25 de Outubro (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.°s 220/95, de 31 de Agosto, 249/99, de 07 de Julho e 323/2001, de 17 de Dezembro, e no artigo 13.°, alínea c), da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.° 24/96, de 31 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.° 67/2003, de 8 de Abril), pedindo: I - Que sejam declaradas nulas as cláusulas 3., 4.3., 13.2., 20.1, 20.2., 20.3. e 21, do contrato de crédito automóvel, junto como documento n.° 2, condenando-se o réu a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigo 30,°, n.° 1, do DL n.° 446/85); II - Que o réu seja condenado a dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em deis dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30.°, n.° 2, do DL n.° 446/85), de tamanho não inferior a % de página.

III - Que seja remetido ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n.° 1093, de 6 de Setembro (artigo 34.°, do DL n.° 446/85, de 25 de Outubro).

Para tanto alegou, em síntese, que a cláusula 3., sob a epígrafe "Confissão de Dívida", é nula por violação do artigo 19.°, alínea d), da Lei n.° 446/85 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), uma vez que impõe uma confissão de dívida por parte do aderente com base em factos para tanto insuficientes-e, ainda, que tal confissão de dívida tem reflexos ao nível da repartição do ónus da prova, o que implica a sua nulidade, nos termos do artigo 21.°, alínea g), do mesmo diploma.

Alegou também que a cláusula 4.3., sob a epígrafe "Juros e Comissão de Contrato" é proibida num contrato deste tipo, nos termos do artigo 22.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 22.°, n.° 2, alínea a), "a contrário", ambos da citada Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Invocou que, com o funcionamento desta última cláusula, o Réu pode alterar unilateralmente a taxa de juro aplicável ao contrato e que a mesma não estipula a possibilidade de os aderentes terem o direito de resolução do contrato que lhes assiste quando o réu altere as condições financeiras.

Mais alegou que a cláusula 13.2., sob a epígrafe "Titulação e Convenção de Preenchimento" é nula, nos termos dos artigos 15.° e 16.°, ambos do mencionado diploma legal, por ofensa dos valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa fé, uma vez que provoca um desequilíbrio desproporcionado, em detrimento do aderente, penalizando-o gravemente em situações que podem não revestir especial gravidade, nomeadamente quando esteja em causa a falta de pagamento pontual de uma pequena quantia ou prestação acessória do contrato.

Alegou, ainda, que as cláusulas 20.1, 20.2. e 20.3., sob a epígrafe "Despesas e Encargos" são nulas; a Cláusula 20.1. por violação do princípio da boa fé, consagrado nos artigos 15.° e 16.°, da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, uma vez que agrava o desequilíbrio das prestações entre as partes contratantes, com prejuízo para os aderentes; disse também que a referida cláusula é nula por violação do disposto no artigo 19.°, alínea d), do mesmo diploma, uma vez que impõe uma ficção de aceitação do pagamento de diversas quantias com base em factos para tal insuficientes; e que a cláusula 20.2. é proibida por violação de valores fundamentais de direito defendidos pelo princípio da boa fé (artigos 15.° e 16.°, do mesmo diploma) e por violação de lei imperativa, já que modifica, por via contratual, regras imperativas sobre indemnizações autónomas a atribuir à parte vencedora, Mais invocou que a referida cláusula viola a regra contida no artigo 19.°, alínea d), do mencionado diploma, uma vez que impõe uma ficção de aceitação que equivale, na prática, a uma confissão de dívida por parte do aderente, com base em factos para tal insuficientes e sem lhe ser dada a possibilidade de contraditar a dívida ou de negar o pagamento da mesma.

E mais alegou que a cláusula 20.3. é nula por contender com o princípio da boa fé, previsto no citado artigo 15.°, na medida em que atribui ao Réu o direito de receber quantitativos pecuniários sem desenvolver qualquer actividade para o efeito, a coberto de "comissões" sem qualquer conteúdo, o que agrava o desequilíbrio das prestações entre as partes contratantes, com prejuízo para os aderentes.

Finalmente, alegou que a cláusula 21, sob a epígrafe "Lei Aplicável e Jurisdição" é nula, em face do quadro negocial padronizado, nos termos do disposto no artigo 19.°, alínea g), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

O Réu apresentou contestação, impugnando, no essencial, a factualidade vertida na petição inicial.

Terminou pedindo que a acção fosse julgada improcedente e, em consequência, absolvido de todos os pedidos.

Finda a audiência, foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente e a absolver o R. de todos os pedidos.

2. Inconformado, apelou o A., tendo a Relação julgado parcialmente procedente a apelação, ao declarar nulas as cláusulas 3., 13.2., 20.1., 20.2., 20.3 e 21. do contrato de crédito automóvel em apreciação, decretando a proibição do seu uso e determinando a publicação da decisão - começado por fixar a matéria de facto provada nos seguintes termos: A) - O réu AA BANK (PORTUGAL), S.A. encontra-se matriculada sob o n.° …. e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, conforme documentos juntos a fls. 19 a 32, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B) - O réu AA BANK (PORTUGAL), S.A. foi incorporada, por fusão, na sociedade AA Bank Europe Gmbh, que constituiu uma sucursal em Portugal, com sede na Rua …, n.° …, em Lisboa, titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva …, com a denominação AA BANK EUROPE GMBH - SUCURSAL EM PORTUGAL, S.A., conforme documentos juntos a fls. 826 a 835, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C) - O réu tem por objecto social a "realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos", conforme documentos juntos a fls. 19 a 32 e a fls. 826 a 835, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D) - No exercício de tal actividade, o réu procede à celebração do contrato de crédito automóvel, conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E) - Para tanto, o réu apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado pelo réu, com o título:"CONDIÇÕES GERAIS - CRÉDITO AUTO", bem como um formulário denominado "CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO A CRÉDITO N.°", relativo às Condições Particulares, conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; F) O referido clausulado com o título "CONDIÇÕES GERAIS - CRÉDITO AUTO" contém duas páginas impressas, que não incluem quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção dos destinados à data e às assinaturas, conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; G) O formulário denominado "CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO A CRÉDITO N.*, contém espaços em branco, destinados à identificação dos mutuários (clientes) e fiadores, assim como as Condições Particulares, as quais contêm espaços destinados ao preenchimento dos dados relativos a: (1) objecto - veículo, (2) preço de venda, (3) entrada inicial, (4) fornecedor, (5) montante do financiamento, (6) encargos, (7) total a liquidar em prestações, (8) prestações, (9) comissão de contrato, (10) forma de pagamento, (11) garantias e (12) imposto do selo, e os espaços destinados à data e às assinaturas, conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; H) A cláusula 16.6, sob a epígrafe "Dados Pessoais",das "Condições Gerais -Crédito Auto", estipula o seguinte; «O presente contrato é composto pelas Condições Gerais, pelas Condições Particulares e pelos respectivos anexos, os quais fazem parte integrante para todos os efeitos legais e contratuais,».

Conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; I) A cláusula 18,4, sob a epígrafe "Disposições Diversas", das "Condições Gerais - Crédito Auto", estipula o seguinte: «O presente contrato é composto pelas Condições Gerais e pelas Condições Particulares,».

Conforme documentos juntos a fls, 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; J) No referido "Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito n0', consta que: «é reciprocamente acordado e livremente aceite o presente contrato de financiamento para aquisição a crédito que se regerá pelo disposto nos artigos seguintes das Condições Particulares e pelo disposto nas Condições Gerais;» Conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; K) A cláusula 3., sob a epígrafe "Confissão de Dívida", das "Condições Gerais - Crédito Auto", estipula o seguinte: «O Cliente desde já se confessa devedor ao AA Bank da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos previstos nas presentes Condições Gerais e nas Condições Particulares,», Conforme documentos juntos a fls. 33 a 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; L) A cláusula 4.3., sob a epígrafe "Juros e Comissão de Contrato", das "Condições Gerais - Crédito Auto", estipula o seguinte: «O Cliente reconhece expressamente o direito de o AA Bank proceder a alterações à taxa de...

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