Acórdão nº 1233/13.5YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução16 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. A ... Comissão de Inquérito Parlamentar... (doravante ... Comissão) foi criada pela Resolução da Assembleia da República (AR) nº 91/2012, de 13/7/2012 (DR nº 142, Série I, de 24/7/2012), propondo-se continuar a averiguação das causas e circunstâncias em que, a 4/12/1980, ocorreu a morte do então Primeiro-Ministro ..., do Ministro ... e das pessoas que os acompanhavam.

    A ... Comissão pediu então à ..., SA, (...) em 4/6/2013, "o envio das peças jornalísticas de 4 de Dezembro de 1980, não editadas, bem como todas as imagens recolhidas no local do acidente e não editadas, sobre a queda do avião que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro Dr. ... e o Ministro ...".

    Tal pedido resultou de requerimento apresentado pelos Grupos Parlamentares do ... e do ... e aprovado por unanimidade em reunião da Comissão de 30/5/2013, e fundava-se aos poderes de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito conferidas pelo art. 13.º, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (RJIP), aprovado pela Lei nº 5/93, de 1 de março (com as alterações das Leis nºs 126/97, de 10 de dezembro, e 15/2007, de 3 de abril), complementado com as sanções previstas no artigo 19º da referida lei para os casos de incumprimento.

    Em ofício de 25/7/2013, o Conselho de Administração (CA) da ... transmitiu à Comissão a recusa em disponibilizar os conteúdos solicitados, invocando para o efeito "o sigilo previsto no artigo 38º, nº 2, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como... no artigo 11º do Estatuto do Jornalista (EJ)".

    Foi então que, na sequência da reunião de 8/10/2013 da ... Comissão, foi deliberado por unanimidade "requerer, nos termos dos artigos 135º e 182º do CPP, ao Tribunal da Relação de Lisboa a quebra do segredo e a entrega das gravações;", o que de facto teve lugar, nos termos conjugados dos art. 178.º, nº 5, da CRP, 11º do EJ, 13º do RJIP e 135º e 182º do CPP. Isto, embora se considerasse legítima a escusa invocada.

  2. A ..., notificada para o efeito, veio pronunciar-se sobre o pedido de levantamento do segredo profissional apresentado pela ... Comissão, alegando, no fundamental, que: De acordo com o art. 135.°, nº 3, do CPP, aplicável ex vi do artigo 182.°, nº 2, do mesmo Código, "o tribunal [...] pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos".

    Acrescentando porém que a liberdade de imprensa é um direito constitucionalmente garantido, designadamente na sua vertente de proteção do sigilo profissional, no art. 38.°, n.° 2, alínea b), da CR, encontrando-se, igualmente, prevista no art. 11.º EJ, o qual expressamente dispõe que os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação.

    Ora, porque só em casos muito excecionais se poderia justificar a quebra das referidas regras, obrigando-se à revelação das fontes e do trabalho jornalístico não divulgado, não estariam reunidas no caso essas condições. Na verdade, o tempo decorrido desde a catástrofe afastaria a justificação da quebra da regra geral de proteção do segredo, por já não ser possível responsabilizar ninguém criminalmente.

    "Os casos em que tal responsabilização não é possível afastam, desde logo, a aplicação da excepção à regra, na medida em que cai um dos interesses em presença".

    Decorridos 33 anos, o procedimento criminal relativo à ocorrência está prescrito e a descoberta da verdade, só por si, sem qualquer justificação derivada da realização da justiça criminal, não era suficiente para justificar a preponderância de tal interesse em face dos outros consigo conflituantes.

    Por outro lado, não se encontraria demonstrado que os elementos pedidos sejam imprescindíveis para a pretendida descoberta da verdade, e sempre a disponibilização dos elementos solicitados obrigaria à autorização escrita dos jornalistas autores das referidas peças, nos termos do artigo 11º, nº 2 do EJ, não podendo a ..., autonomamente, proceder à divulgação dos elementos em causa.

  3. Foram pedidos à ...ª Comissão vários documentos, sob promoção do Mº Pº sediado no Tribunal da Relação de Lisboa, o qual emitiu a seguir douto parecer, no sentido do indeferimento do pedido formulado pela ...ª Comissão. E aí diz, a certo passo: "(…) não obstante as comissões parlamentares de inquérito gozarem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, desde que a estas não estejam constitucionalmente reservados (cfr. o n° 5 do art° 178° da CRP e o n° 1 do art° 13° do RJIP), a sujeição da requerida aos normativos processuais penais invocados (artigos 135° (() - O artigo 135° n° 3 do CPP estipula: O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

    ) e 182° do CPP) tem como pressuposto a investigação de factos que, apurados, consintam perseguição criminal. Na presente situação, contudo, caso viesse a apurar-se matéria criminalmente relevante, a extinção do respectivo procedimento, por efeito da prescrição, impediria que qualquer responsabilidade criminal pudesse vir a ser assacada.

    Inviabilizada que está, assim, qualquer responsabilização penal decorrente da averiguação a cargo da requerente, falece a este TRL fundamento jurídico legitimador da pretendida limitação do sigilo profissional dos jornalistas e que permita a disponibilização pela requerida dos conteúdos jornalísticos solicitados, nos termos invocados." 4. Por acórdão de 29/1/2014, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou procedente o requerimento da ... Comissão e determinou que a ... lhe entregasse as imagens em bruto solicitadas, com quebra do segredo profissional.

    Na sua fundamentação, o acórdão diz essencialmente o seguinte: "No caso que nos ocupa, importa adaptar o disposto no art. 135º, nºs 2 e 3, do CPP às comissões parlamentares de inquérito. Aqui não é determinante a existência de prosseguimento criminal activo. Aliás, recorde-se a aplicabilidade deste normativo noutro domínio que não em processo penal como é o caso do processo civil - ver art. 417.°, n.° 3, al. c), e n.° 4 do novo CPC.

    Afastada a suposta improcedência da quebra de sigilo por prescrição do procedimento criminal cumpre ponderar de forma concreta se é justificada a quebra tendo em conta, no sentido adverso, a protecção da liberdade de imprensa, direito constitucionalmente garantido, designadamente na sua vertente da salvaguarda do sigilo profissional (cfr., designadamente, o artigo 32°, n° 2, alínea b), da CRP e o artigo 11° do EJ), e a cuja observância o Estado Português está internacionalmente vinculado, nomeadamente por força do disposto no art. 10°, n°2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    A ponderação é efectuada em concreto, de acordo com o disposto no art. 135.°, n.° 3, do CPP, isto é, de acordo com a imprescindibilidade do elemento solicitado para a descoberta da verdade, a gravidade dos factos e a necessidade de protecção de bens jurídicos. E, por fim, a ponderação do próprio interesse nacional no esclarecimento do caso que constitui a causa do presente pedido. Sendo assim, há que ponderar, por um lado: - A importância da averiguação da verdade apesar do tempo decorrido, atenta a gravidade do assunto, com repercussão a nível nacional; - O respeito pela decisão do parlamento de constituir a comissão de inquérito; - A relevância das imagens inéditas para servir de critério de apuramento da verdade em face de versões contraditórias.

    - A alegada imprescindibilidade de tais elementos para a descoberta da verdade, o que decorre do resultado obtido pelas comissões que esta precederam, constituídas para o mesmo efeito.

    Por outro lado, há que atender à natureza das fontes. São fontes documentais e não fontes pessoais, ou seja, fontes em sentido amplo, que não em sentido restrito, a que se deve atribuir uma menor densidade para efeitos de salvaguarda do segredo.

    Tal ponderação é no sentido de que o interesse do...

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