Acórdão nº 11291/10.9TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | PINTO DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 14 de Outubro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.
AA, SA, na qualidade de representante e administradora da BB – …, intentou a presente acção com processo ordinário contra CC, SA.
Pediu que se reconheça a ilicitude da resolução contratual promovida pela ré e que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.157.368,40, relativa a rendas devidas desde 1 de Julho de 2010 até ao termo do prazo contratual inicial e a quantia de € 491.279,40, a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, acrescidas de juros de mora à taxa aplicável aos créditos das empresas comerciais desde a citação.
Como fundamento, alegou que celebrou com a ré um contrato de arrendamento para fins não habitacionais e que esta não pagou as rendas acordadas, entendendo que a resolução comunicada pela Ré não tem sustentação factual, sendo ilegal.
Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação motivada, sustentando que o imóvel em causa foi propriedade da DD, Portugal – …, Lda e que esta, no âmbito de operação financeira, alienou à ora A. o imóvel em causa no dia 07.04.2008; a A. e R. celebraram contrato de arrendamento do imóvel em 01.06.2008; a R. subarrendou o imóvel à DD; desde sempre a DD esteve a ocupar e a laborar no dito imóvel, até 29.09.2010, data em que cessou a sua laboração no local. A A. era sabedora desta operação financeira e que a DD tinha cessado a sua actividade no local; por comportamento posterior da A., a R. viu-se impedida de subarrendar total ou parcialmente o imóvel a terceiros; após cessação da DD, a R. constatou que o local não tem licença de utilização, padecendo o imóvel de vários defeitos; a razão de ser e o fundamento da operação financeira alteraram-se substancialmente por força da crise internacional, mormente, no sector imobiliário.
Concluiu que a resolução do contrato de arrendamento que comunicou à Autora é perfeitamente lícita.
A Autora apresentou resposta, concluindo como na petição inicial.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 524.031,36, acrescida de juros de mora à taxa legal. No mais, foi a R. absolvida.
Discordando desta decisão, interpuseram recurso a A. e a R., tendo a Relação decidido: 1. Julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pela R.; 2. Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela A., revogando, em consequência, a sentença recorrida na parte em que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 524.031,36, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Em resultado da procedência parcial da apelação da A., condena-se a R. a pagar à A., a quantia de global de €1.080.814,68 (correspondente a €65.503,92 x 12 rendas + €65.503,92 x 3 rendas + 50% de €65.503,92 x 3 rendas), acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre a quantia de €786.047,04, correspondente ao valor das 12 rendas em divida, vencidos desde a citação, conforme reclamado, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do remanescente do pedido.
Ainda inconformada, a R. vem pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. Os factos constantes dos factos assentes sob as alíneas I) e J) estão em contradição com os factos assentes sob as alíneas O) e P).
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Porque está provado que não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização esta licença inexiste.
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O licenciamento é consubstanciado pelo acto administrativo que defere e reconhece o respectivo pedido (arts. 74º e 75º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - DL 555/99).
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Deve ser emitida de acordo com o procedimento administrativo regulado nos arts. 62º a 65º do RJUE (DL 555/99).
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O alvará de licença de utilização é o título que documenta essa licença e acto administrativo – cfr. art. 74º do RJUE.
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Ora, não existindo acto administrativo de deferimento ou concessão de licença, não pode existir alvará.
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É uma decorrência lógica que, se não existe acto a deferir a licença de utilização, não pode existir o alvará de licença de utilização.
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Quando o Notário, oficial público, atestou como tendo sido objecto da sua percepção um facto, isso é verídico.
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Todavia, e sem ele o saber, o documento que lhe foi exibido com a aparência de alvará de utilização, não tinha a virtualidade de atestar que existia licenciamento da utilização do edifício.
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Como, aliás, o atesta o documento autêntico - certificado da Câmara Municipal de V. N. Gaia de 2010/12/17, junto aos autos.
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Na contestação a R. contesta a existência do alvará de utilização, pelo que os factos constantes das referidas alíneas I) e J) são factos controvertidos que nunca poderiam ser considerados assentes.
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A existência dessa licença de utilização só pode ser comprovada por documento – cfr. art. 364º nº 1 CC.
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Razão pela qual esses factos devem ser eliminados do elenco dos factos provados.
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Resulta dos factos provados (e a própria Autora o alega na p.i.) que a R. enviou à Autora carta registada a proceder à resolução do contrato.
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O acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e violação dos arts. 74º e 75º do RJUE e do art. 372º nº 1 CC.
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A Ré não cumpriu, na sua contestação, o ónus da especificação separada e individualizada das excepções, conforme prevenido no nº 1, alínea c) do art. 264º nº 1 e 488º do CPC, na redacção vigente à data da sua apresentação em juízo.
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A redacção do CPC anterior à publicação dessa Lei não impunha qualquer sanção para o eventual incumprimento desse "ónus", 18. A interpretação e aplicação que o acórdão recorrido fez dessa norma de direito processual viola o princípio do contraditório e o direito de defesa da R. ínsita no artº 6º da CEDH e do artº 20º da CRP (tutela jurisdicional efectiva), pois desconsidera o teor da defesa apresentada.
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A R. tinha fundamento válido para proceder á resolução do contrato de arrendamento comercial.
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Não existe qualquer facto provado que demonstre que a R. tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
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Resulta dos artºs 44º a 56º da contestação que a R. não tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
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A A. não impugnou, na réplica, os factos alegados nos artºs 44º a 55º da contestação, que constituem matéria de excepção.
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Assim sendo, na elaboração da decisão (acórdão), nos termos do disposto no artº 607º nº 4 (anterior 659º nº 3) Cod Proc. Civil, devem ter-se como assentes tais factos.
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Mediante o elenco destes sobreditos factos, é patente que a R. não poderia saber do estado em que se encontrava o imóvel e, designadamente, das suas eventuais deficiências.
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Com efeito, se só em 29/09/2010 é que a R. recebeu, por correio, as chaves do identificado imóvel por porte dessa sociedade DD Ovar e se só nessa data a R. teve acesso ao imóvel, não poderia esta saber do estado do imóvel.
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O imóvel não está licenciado, nem tem licença de utilização, o que é demonstrado pelos factos assentes sob as alíneas O), P), Q), R), S), T), U), V), X), Y), Z), AA), CC), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY) e reconhecido pelo certificado da Câmara Municipal de V.N.Gaia de 2010/12/17, junto aos autos.
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Os factos assentes sob as alíneas I) e J) só podem ser provados por documento, o qual não existe.
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Com efeito, do processo e dos autos não consta, nem o alvará de licença de utilização, nem o original nem cópia do alvará.
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A única menção que se faz desse alvará ocorre na escritura pública de compra e venda do imóvel junto com a réplica, sendo esta uma simples menção da respectiva existência.
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Mas de qualquer modo, mesmo que existisse esse alvará - que não está nos autos - a verdade é que ele seria o título representativo de uma licença.
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Ora, esta licença não existe, logo não pode existir alvará, e se existisse esse alvará seria falso e obtido por fraude á lei.
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A licença de utilização é requisito essencial e indispensável de celebração de contrato de arrendamento (artigo 1070º do código civil e artigo 2.º, alínea d) do decreto-lei nº 160/2006, de 8 de agosto).
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A R. tem o direito de resolver o ajuizado contrato, uma vez que a ausência da existência deste formalismo acarreta a respectiva nulidade (artº 219º Cod. Civil).
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Uma vez que ficou provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença.
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Tendo ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento em crise carece de licença de utilização, bem como de alvará de licença de utilização.
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A Ré tem o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado, nos termos do artigo 5º, nºs 5 e 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006.
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A Ré não tem o gozo nem a fruição do imóvel para os fins a que se destina, como está provado nos factos V), Z), AA), CC), RR), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY).
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Mediante essa sobredita factualidade é patente que a R., inquilina, está impedida de gozar e fruir o imóvel para o fim a que se destina, de acordo com o fim contratual.
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Sendo certo que, como consta dos factos provados nas alíneas II) e NN) era a finalidade do arrendamento o subarrendamento.
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E se o edifício não está licenciado e se é necessário proceder à execução de obras de vulto para a respectiva legalização e iniciar, depois, disso, um procedimento administrativo para licenciamento do edifício, é patente que a R. não pode fruir e gozar o imóvel em causa para o fim a que contratualmente as partes o destinaram o contrato de arrendamento.
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Assim existe, nesta parte, motivo e fundamento para a resolução do contrato, por violação dos deveres de prestação por parte da A.
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Finalmente a resolução do contrato, decorrente de alteração anormal das circunstâncias, também é uma evidência, tal como decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), 00), PP), 43. Estes factos determinam a ocorrência de uma...
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