Acórdão nº 92/05.6TYVNG-M.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelTÁVORA VICTOR
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1. RELATÓRIO.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em plenário das Secções Cíveis.

Na sequência da sentença que declarou a Sociedade Construções AA Lda. em estado de insolvência foram reclamados vários créditos entre os quais o de BB no montante de € 108.488,54 e o da Caixa Geral de Depósitos no valor inicial de € 3.489.328,30 entretanto reduzido para € 3.333.736,38.

Foi igualmente junto parecer pelo Exmo. Administrador de Insolvência, segundo o qual todos os créditos reclamados estão devidamente fundamentados.

A sentença que procedeu à graduação dos créditos reconheceu ao crédito reclamado por BB, o “direito de retenção” no tocante às frações prediais I e X, apreendidas para a massa, graduando-o antes do da Caixa Geral de Depósitos, garantido por hipoteca.

Desta decisão recorreu a Caixa Geral de Depósitos pedindo a revogação da mesma, de molde a que o seu crédito fique graduado acima do do reclamante cujo direito de retenção até questiona.

O Tribunal da Relação na procedência da apelação, revogou, na parte impugnada, a decisão da 1ª instância e determinou que, com o produto da venda das frações I e X do apenso de apreensão de bens, sejam pagos os créditos graduados segundo a seguinte ordem: 1º As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem imóvel; 2º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos, S.A.; 3º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao restante crédito privilegiado do Instituto de Segurança Social, I.P.; 4º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (nos quais se inclui o do credor BB); 5º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, caso existam, pela ordem prevista no artigo 48º.

Por seu turno inconformado, recorreu de revista BB, tendo pedido que se revogue o decidido na parte que a ele concerne, proferindo-se acórdão que consagre a decisão da 1ª instância. Ainda antevendo a hipótese de o julgamento levar à possibilidade de vencimento de solução jurídica oposta à sua tese, no domínio da mesma legislação, requereu pois, nos termos do artigo 732º-A do Código de Processo Civil, o julgamento com a intervenção do Plenário de secções cíveis por forma a assegurar a uniformidade de jurisprudência.

Apresentou as seguintes, Conclusões.

1) O ora recorrente veio, no âmbito do processo de insolvência de Construções AA Lda., reclamar, na qualidade de promitente comprador das frações I e AX um crédito na importância de l08.488,54 € correspondente ao preço integral das ditas frações, pago a titulo de sinal ao longo da relação contratual estabelecida, invocando o direito de retenção a que indubitavelmente tinha direito.

2) O seu crédito foi qualificado como privilegiado, não tendo sido impugnado pela credora hipotecária CGD.

3) A final foi lavrada sentença pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, que reconheceu o crédito do recorrente como privilegiado, garantido pelo privilégio do direito de retenção sobre as frações em questão.

4) Inconformada com tal decisão veio a CGD interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que proferiu Acórdão em sentido contrário à primeira instância, abordando primeiro o instituto do direito de retenção considerando que o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido goza de direito de retenção de acordo com a alínea f) do nº 1 do art.º 755º do Código Civil, 5) Acrescentando ainda que, atentando no disposto no art.º 604 nº 2 do CC verifica-se que no concurso de créditos e na presença de legítimas causas de preferência, a par da hipoteca, só existem os privilégios e os que conferem direito de retenção, mas havendo concurso do direito de retenção com a hipoteca, prefere o credor que tem aquela garantia real, sempre que a um credor for conferido o direito de retenção sobre uma coisa imóvel, o seu crédito fica graduado antes do crédito hipotecário - art.º 759º nsº 1 e 2 do CC. (sic).

6) Seguidamente, e no sentido de dar o seu cunho pessoal relativamente à apreciação das normas legislativas em questão, afirma que não se percebe porque é que para o legislador o beneficiário de promessa de transmissão a quem haja sido entregue o bem prometido merece mais proteção que o titular do bem ou do direito, de modo que quem tiver constituído hipoteca está sujeito a ver a sua garantia esfumar-se na execução hipotecária, para finalmente rematar e concluir que enquanto tal mudança legislativa não sucede o direito de retenção continuará a prevalecer sobre a hipoteca.

7) Relativamente ao contrato promessa com eficácia meramente obrigacional, no que aqui nos interessa, o Mto. juiz ad quem conclui que o cumprimento do contrato fica suspenso até que o administrador de insolvência declare optar pela execução ou recusa do cumprimento invocando o art.º l02º nº 1 do CIRE, que em si pode configurar-se como uma causa de justificação legal do não cumprimento, fazendo uma especifica e restritiva interpretação do mencionado artigo por forma a dele extrair a conclusão de que, no âmbito da insolvência, não é de aplicar o art.º 442º do Código Civil à recusa de cumprimento do contrato promessa pelo AI, considerando que a inaplicabilidade deste artigo afasta o direito de retenção previsto no art.º 755º nº 1 al. f) do CC, ou seja, o crédito do reclamante/aqui recorrente tem que ser tratado como crédito comum.

8) O Tribunal considera que não pretendendo, expressa ou tacitamente o AI cumprir o contrato, não se lhe aplicam as consequências do art.º 442º do Código Civil alegadamente porque no âmbito da especificidade do processo de insolvência não seria aplicável o conceito civilista de incumprimento imputável a uma das partes. Como não existe um dever de cumprir, a ilicitude e a culpa, como pressuposto do funcionamento do art.º 442º do CC, seriam excluídas.

9) Para concluir e retirar ao aqui recorrente o privilégio que a lei confere ao promitente-comprador de fração imóvel em que haja tradição da coisa.

10) O recorrente discorda frontalmente desta construção jurídica em virtude dos artigos mencionados do CIRE - artigos 102º e 119º não excluírem simplesmente o referido privilégio - a determinação da fixação e da valorização dos créditos não se encontra aí especificamente regulamentada, 11) E parece fazer crer que hipoteticamente uma determinada entidade, promitente compradora ou vendedora, incumpre sistematicamente o contrato, torna-o impossível de facto, bastando apresentar-se à insolvência para que os efeitos do incumprimento contratual sejam lavados e ultrapassados - ora tal é insustentável.

12) O art.º 119º do CIRE diz-nos apenas que qualquer convenção das partes não pode excluir, ou limitar as normas anteriores (não existe aqui qualquer convenção) e o art.º 102º nº 3 al. e) nada refere ou limita quanto ao crédito e inequivocamente não exclui o privilégio.

13) O CIRE tem uma norma clara e expressa que trata sobre os efeitos da insolvência quanto à extinção dos privilégios e garantias - art.º 97º e nele não está incluída a garantia de que beneficia o recorrente, não exclui nem colide com o privilégio atribuído ao recorrente. Aliás nenhuma norma do CIRE o faz, apenas o Mto. juiz ad quem o fez.

14) Todos os requisitos do direito de retenção previstos no art.º 755 nº l alínea f) do CC são observados e cumpridos pelo aqui recorrente: é beneficiário de promessa de transmissão sobre uma coisa; obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, exercendo sobre ela um verdadeiro direito de propriedade, agindo como se dono dela fosse (pagando os respectivos consumos de água, luz, condomínio, fruindo sem reservas das suas frações, inclusivamente chegou a efetuar o pagamento do IMT nas Finanças conforme consta dos autos), e um crédito formado nos termos do art.º 442º do CC resultante do incumprimento do contrato promessa imputável ao promitente transmitente 15) A jurisprudência dominante vai no sentido de entender que o regime legal que atribui ao beneficiário de promessa de transmissão da propriedade de imóvel que obteve a tradição deste, tem direito de retenção pelo crédito derivado de incumprimento pelo promitente vendedor, prevalecendo esse direito sobre a hipoteca tendo como finalidade a tutela dos direitos e expectativas do consumidor no caso de aquisição de habitação, sendo a circunstância deste regime legal ter na sua base a tutela e segurança dos direitos dos consumidores, manifestando a prevalência, para o legislador, do direito dos consumidores à proteção desses seus específicos interesses, que legitima a restrição á confiança e segurança associadas ao registo predial, face ao disposto nos arts.º 60 e 65º da CRP.

16) Não podendo por isso considerar-se inconstitucional o facto de a sentença ter graduado o crédito do aqui recorrente à frente do credor hipotecário, como privilegiado por se entender tratar-se de um consumidor, como de facto o é, ao contrário do pretendido pela recorrida CGD.

17) Ainda relativamente à eventual inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 442º e 755º, ambos do Código Civil, há que tecer as seguintes considerações: o próprio Supremo Tribunal já repetidamente se pronunciou pela não inconstitucionalidade material das normas atrás mencionadas, nomeadamente no Acórdão de 18/09/2007 que refere que tais normas, especialmente o nº 2 do artigo 442º e nº 1 alínea f) do artigo 755º não violam os princípios da proporcionalidade, da proteção da confiança e segurança do comércio jurídico imobiliário e do direito de propriedade privada, ínsitos nos artigos 2°, 18º nº l e 62º da Lei Fundamental uma vez que a concessão do direito de retenção atribuído ao promitente-comprador não viola qualquer desses direitos fundamentais dos credores hipotecários, podendo entender-se mesmo que não estamos perante direitos fundamentais.

18) Mais ainda, relativamente às normas do CIRE - artigos l02.º nº 2 e 119.º vem o Acórdão do Supremo de 27/11 /2007 afirmar...

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