Acórdão nº 171/12.3TAFLG.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução28 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: AA, BB e CC, interpuseram recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Ac. da Relação de Guimarães, de 1 de Julho de 2013, transitado em julgado, proferido no P.º n.º 171/12.3TAFLG.G1, em que se decidiu, após revogação do despacho da M.ª JIC, pela pronúncia dos recorrentes pela prática de crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º n.º 1 b), do CPP, por, em inquérito, sob o n.º 220/10.O TAFLG, por crime de falsificação de documento, se terem recusado a participar na diligência de prova de recolha de autógrafos, ordenada pelo M.º P.º, que os advertiu da prática daquele crime, em caso daquela recusa.

Em oposição com este mostra-se o Ac. da Rel. Porto, de 28.7.2009, proferido no P.º n.º 0816480, também transitado em julgado, onde se sentenciou que num inquérito por crime de falsificação de documento é ilegítima a ordem emanada do M.º P.º no sentido de o arguido escrever pelo seu próprio punho determinadas palavras para posterior perícia à letra, com a cominação de, não o fazendo, incorrer em crime de desobediência.

Decidida com trânsito, neste STJ, a oposição de julgados, que se mantém, o recurso prosseguiu seus regulares termos, alegando, na sequência, o Exm.º Procurador Geral – Adjunto neste STJ e os recorrentes, de cujas conclusões consta: 1º AA, BB e CC arguidos no processo n.º 171/12.3TAFLG.G1, cujo recurso correu termos na Secção Penal do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, não podendo conformar-se com o Acórdão de fls. daqueles autos, proferido, em conferência, por aquele Tribunal, que julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público que teve por objecto a decisão instrutória proferida pela Exma. Juiz de Instrução Criminal, do 3º Juízo, do Tribunal Judicial de Felgueiras, e por conseguinte revogou o despacho de não pronúncia anteriormente proferido, promovendo a sua substituição por outro que, dessa feita, pronunciou os arguidos pelos factos constantes da acusação, interpuseram e prosseguiu RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA para o VENERANDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, porquanto do mesmo Acórdão, proferido a 1 de Julho de 2013, não é admissível recurso ordinário e encontra-se em manifesta oposição - no domínio da mesmo legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito - com outro proferido pela Venerável Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 6480/08-1, datado de 28 de Janeiro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (N.º Convencional JTRP00042100), transitado em julgado, não existindo jurisprudência fixada por este Venerando Tribunal, da orientação perfilhada no Acórdão ora em crise; 2ª Pugnou o acórdão de que se recorre - proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães - pela tese de que devem os recorrentes ser pronunciados pelo crime de desobediência, p. e p, pelo artigo 348.º, n.º 1, aI. b) do CP, por, em inquérito por crime de falsificação de documento, terem recusado participar na diligência de prova de recolha de autógrafos ordenada pelo M.P ..

3ª Entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães que a ordem emanada pelo Ministério Público - órgão central da fase de inquérito no processo penal - é legítima. Tomando, assim, como ilegítima, a recusa protagonizada pelos recorrentes, cominando-a, consequentemente, na prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, nº 1, al. b), do CP.

4ª A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente os artigos 60.º e 61.º, n.º 1, al. d), e n.º. 9 al. d), os artigos 171.º a 173.º e 125.º e 126.º., todos do C.P.P. e o artigo 348.º do C.P.

5ª Julgou o Venerável Tribunal da Relação do Porto no acórdão fundamento, em sentido oposto, decidindo que "Num inquérito por crime de falsificação de documento, é ilegítima a ordem dada pelo magistrado do Ministério Público ao arguido no sentido de escrever pelo seu punho determinadas palavras, com vista a posterior perícia à letra com a cominação de que, não o fazendo, comete um crime de desobediência".

6ª Nesse sentido, decidiu aquele tribunal que, nestes casos, a ordem emanada pelo M.P, é ilegítima e bem assim a cominação decorrente da recusa daquela.

7ª A decisão fundamento do presente, interpretou e aplicou correctamente os mesmos artigos 60.º e 61.º, n.º 1, al. d), e n.º 3 al. d), artigos 171.º a 173.º e 125.º e 126.º, todos do C.P.P, artigo 348.º do C.P.

8ª As diligências de prova a que o arguido se encontra obrigado são apenas aquelas que se encontram especificadas na lei, conforme previsto nos artigos 60.º e 61.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal, e das quais não resulta a recolha de autógrafos.

9º Se o arguido não é obrigado à recolha, não poderá ser sancionado, muito menos acusado, pela prática de um crime de desobediência, quando recusa a feitura da mesma.

  1. Ainda que se entenda que a recolha de autógrafos, apesar de não especificada, se enquadra no artigo 61.º, nº 3, al. d), do C.P.P., assim como qualquer outra diligência de prova não especificada, não pode a mesma ter por finalidade a extorsão de declarações ou de quaisquer actos processuais que não sejam expressão da vontade livre do arguido, sob pena da violação, entre outros, do artigo 61.º, n.º 1, aI. d), do CP.P.

  2. Ninguém deve ser obrigado a contribuir para a sua própria incriminação (nemo tenetur), através do exercício do direito ao silêncio ou do direito a não facultar meios de prova.

  3. A acusação no processo criminal deverá provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de prova obtidos através de métodos opressivos com desrespeito pela vontade deste.

  4. A cominação em análise (em crime de desobediência a recusa na participação em diligência de prova de recolha de autógrafos) invade, sem dúvida, o campo da inadmissível auto-incriminação coerciva e encontra-se bem longe dos exames, revistas, acareações ou reconhecimentos, admissíveis mesmo se coactivamente impostos.

  5. No caso concreto, era exigido aos recorrentes um comportamento preciso, uma acção específica, tal procedimento contende, efectivamente, com o seu direito à não auto-incriminação.

    15º Pelo que é ilícito impor aos arguidos, em abstracto, a realização duma conduta probatória para a qual a lei não realizou previsão específica, porquanto aquela conduta ordenada pelo M.P. (a realização de autógrafos) depende exclusivamente da vontade e liberdade daqueles, configurando a imposição uma violação do princípio nemo tenetur.

  6. Mais apresenta-se também como violadora daquele princípio a cominação de que o não acatamento daquela ordem os constituiria, como constituiu, autores de um crime de desobediência.

  7. Pelo que, por maioria de razão, será lícita a recusa que deu origem quer aos autos do acórdão fundamento quer aos do acórdão recorrido, porquanto a ordem de recolha de autógrafos tem a mesma natureza que a prestação de declarações, como tal, os arguidos têm o direito de se recusar a cumpri-la, nos mesmos moldes e com as mesmas razões que lhe permitem eximir-se a responder a perguntas sobre a matéria de acusação, sem que, com tal atitude, cometam um crime de desobediência.

    18ª Assim, deve ser fixada jurisprudência pelo STJ no sentido de que «NUM INQUÉRITO POR CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, É ILEGÍTIMA A ORDEM DADA PELO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO ARGUIDO NO SENTIDO DE ESCREVER PELO SEU PUNHO DETERMINADAS PALAVRAS, COM VISTA A POSTERIOR PERICIA À LETRA COM A COMINAÇÃO DE QUE, NÃO O FAZENDO, COMETE UM CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.” e resolvido o conflito no sentido da prevalência da doutrina do acórdão fundamento.

    Concluindo no seu parecer, o Exm.º Procurador Geral Adjunto, neste STJ, ao abrigo do art.º 442.º n.º 2 , do CPP, disse: 1 – Em Inquérito tendo em vista a investigação do crime de falsificação de documento, a ordem dada ao arguido para recolha coerciva de autógrafos tem de ser ponderada à luz do seu direito de defesa, constitucionalmente tutelado (art. 32.º da CRP), bem como do respeito pela sua dignidade pessoal, reflectido no preceito contido no art. 61.º, n.º 3/d) do CPP e tendo designadamente em conta a sua repercussão no exercício do direito à não auto-incriminação, direito este que lhe é conferido como corolário lógico do princípio da presunção de inocência e do direito ao silêncio.

    2 – A controvérsia sobre o exacto conteúdo e extensão do princípio do direito à não auto-incriminação, mormente no que diz respeito à possibilidade de utilização do arguido como meio de prova – quer por declarações quer por sujeição a outras formas de obtenção de prova –, tem de ser dirimida pela via da compatibilização ou concordância prática dos interesses em jogo, com salvaguarda dos direitos ou interesses de valor social e constitucional prevalecente e apelo ao princípio da necessidade (art. 18.º, n.º 2 da CRP).

    3 – O acto de recolha de autógrafos por parte de alguém que assumiu já o estatuto de arguido tem subjacente a imposição àquele do dever de colocar em papel a sua própria escrita.

    4 – Essa inserção escrita de determinadas palavras num suporte de papel mais não configura do que a elaboração, ex novo – porque ao tempo inexistente –, de um documento, feito com a colaboração activa do arguido e, se não consentido, contra a vontade deste.

    5 – Por outro lado, para além de esse acto de recolha não constituir em si mesmo uma perícia, mas apenas um acto preparatório, de recolha/colheita de elementos (amostras de escrita manual) que a viabilize, a colaboração activa do arguido é determinante para que, no respectivo processo, se disponha de elementos capazes de servir de base a essa perícia, sendo que esta, se desfavorável ao arguido, poderá vir a se usada contra si como meio de prova.

    6 – Não pode por isso deixar de concluir-se, neste quadro, que a colaboração activa imposta ao arguido tendo em vista a obtenção, “ex novo”, de elementos que não existam independentemente da sua vontade – a produção pelo seu punho de amostras de escrita manual – colide com o seu direito à não auto-incriminação.

    7 – O Tribunal...

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