Acórdão nº 248/13.8JACBR-A.C1-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução14 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, representado por advogado, requereu a providência de habeas corpus, invocando o fundamento previsto no artº 222º, nº 2, alínea c), do CPP, nos termos que se transcrevem: « 1. O art. 80° do cp estabelece o princípio ou regra do desconto, nos termos do qual, para o que agora interessa, “a obrigação de permanência na habitação sofrida pelo arguido” é descontada por inteiro no cumprimento da pena de prisão.

Por outro lado, como refere e bem, MAIA COSTA, AAW, Código de processo penal comentado, Almedina, 2014, 509 (anotação n° 5), “o habeas corpus em virtude de prisão ilegal abrange, por interpretação extensiva, a obrigação de permanência na habitação (embora a jurisprudência do STJ não seja uniforme a este propósito) …”.

Conf., ainda, CANOTILHO/MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1° VoI., 4ª edição revista, 2007, 507 ss.

  1. No âmbito dos presentes autos o requerente, decorrido um prazo superior a 30 dias contado do dia em que os mesmos foram recebidos na relação (28 de Janeiro de 2014, ut fs. 356 e conforme consta expressamente do acórdão de 12 de Março de 2014 proferido no processo) , veio invocar a ultrapassagem desse prazo e, nessa medida, requerer que a medida de coação de obrigação de permanência na habitação fosse substituída por outra, por a mesma se ter tornado não mantenível, desde logo nos termos do art. 28°-2 CRP, norma esta diretamente aplicável (conf. também, quanto à tutela constitucional da “manutenção” de medida de coação privativa de liberdade, o art. 28°-3 do mesmo diploma (outrossim de aplicação direta e imediata – art. 18°-1 CRP). Ora, 3. na véspera do dia em que os autos de recurso já estavam inscritos em tabela para julgamento – como, de resto, veio a suceder – os mesmos foram feitos conclusos ao m.mo juiz desembargador relator, e sem que o referido douto julgador sujeitasse à decisão da conferência a pretensão do ora requerente, prolacionando de imediato despacho sobre o mesmo. Com efeito, 4. o requerente, considerando tratar-se de questão nova, ainda não suscitada no âmbito dos presentes autos – o cariz perentório do dito prazo: o senhor Desembargador, na linha de entendimento dos antigos, entendeu caber ao assinalado prazo o cariz de “ordenador” – suscitou, a esse propósito, recaísse um acórdão sobre a questão (o que, até à data, que o requerente saiba, ainda não aconteceu, sendo certo que o processo ainda não está em tabela, de acordo com os informes da internet, sequer para a primeira sessão posterior ao dia em que se escreve, dia 3 de maio de 2014). Ora, 5. Como bem acentuam MIRANDA/MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra editora, 2005, 348, (anotação XI), “Anote-se que, de acordo com o artigo 219° do Código de Processo Penal, já os próprios recursos em matéria de medidas de coação são urgentes, na medida em que têm de ser decididos em 30 dias, a partir do recebimento dos autos respetivos”.

    Por conseguinte, contrariamente, repete-se, à compreensão passadista perfilhada pelo acórdão dos autos, numa matéria diretamente decorrente dos direitos fundamentais, o prazo imposto, para julgamento do recurso, no art. 219° do cpp, não é (meramente) ordenador.

    Quanto ao “prazo máximo” referido no art. 219° do cpp, dir-se-á que foi sempre o mesmo, ainda quando o de recorrer era de 20 dias, desde, por conseguinte, a primitiva versão do cpp, a resultante da Lei n° 48/2007, ou a posterior à Lei n° 26/2010.

    Com efeito, lido e compreendido o assinalado normativo do direito legal à luz da Constituição, como se julgava dado definitivamente adquirido e tendo em conta o disposto no art. 20°-5 da CRP, o recurso é um dos meios procedimentais destinado a assegurar a decisão em prazo razoável, nos termos da parte final do art. 20°-4 da CRP.

    Que este é o bom entendimento resulta, sem margem para dúvidas, da demonstração a que lançou ombros ANTÓNIO ALFREDO MENDES, na sua excelente dissertação de doutoramento, Habeas corpus e cidadania, Quid luris, 2008, o qual refere (56 ss), a propósito do que chama de “A consagração constitucional de mecanismos de tutela de eficácia do direito”: “Reforçou-se a relevância dos procedimentos cautelares (processos urgentes) como mecanismos judiciários que, se forem devidamente atendidos, (com uma adequada gestão judicial) constituem, em nossa opinião, os meios potencialmente apropriados para garantir uma defesa urgente dos direitos, liberdades e garantias pessoais, dado, por força do seu regime, estes mecanismos processuais serem dotados de “celeridade e prioridade, de modo a efetivar a tutela efetiva em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

    Razões pelas quais, se pode concluir que se verifica por parte do legislador um reforçar das garantias processuais do direito de ação. Reforça esta ideia do que se verifica no n° 5 do mesmo artigo [refere-se ao ad. 20° da CRP, interpolação], onde o legislador quis consagrar com clareza (embora de forma tácita) os tais mecanismos judiciários instrumentais, com os quais, sem dúvida, dimensionou, em termos de garantias constitucionais, o reforço do direito de jurisdição, como uma necessidade sentida por todos”.

    Por conseguinte, resulta claríssimo, no entender do requerente, que a interpretação do art. 219° do cpp, como meramente estabelecedor de um alegado prazo ordenador, tornaria o referido comando do direito legislado materialmente violador do disposto no art. 20°-5 da CRP, o que expressamente se invoca. 6. salvo o devido respeito, GERMANO MARQUES DA SILVA, após a última redação do comando do art. 219° (Lei n° 26/2010, de 30 de agosto) – não se pronunciou ainda sobre a natureza do prazo pelo mesmo (em termos perentórios, fixado), bem como não corresponde exatamente à verdade que nesse sentido corra o entendimento de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do código de processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, 4ª edição atualizada (2011), 621 ou de MAIA COSTA, Comentário do art. 219°, AAW, Código de processo penal, comentado, Almedina, 2014, 904.

    No que concerne a opinião de PINTO DE ALBUQUERQUE a tal propósito, só uma leitura perfunctória permite afastar a conclusão segundo a qual, ao cabo e ao resto, preconiza exatamente a opinião contrária, coincidente com aquela aqui defendida, embora com diferente fundamentação.

    Na verdade, PINTO DE ALBUQUERQUE, retomando (na respetiva formulação, ipsis verbis) o que já defendera na 3ª edição do Comentário, refere (pág. 632, n. de margem 13): “Esta conclusão não pode, no entanto, valer para o recurso da decisão de aplicação de medidas cautelares privativas de...

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