Acórdão nº 1376/08.7TBBNV.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | TAVARES DE PAIVA |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de … CRL intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra AA e mulher BB pedindo a condenação dos RR no pagamento da quantia de € 60.601,30 acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal.
A A fundamenta o seu pedido alegando, em síntese: Celebrou um contrato de mútuo com o pai do R e sogro da R e, na sequência do incumprimento pelo mutuário, a A ficou credora deste, pelo montante de € 13 248,07 a título de capital e € 47 136,63 a título de juros moratórios. Entretanto, face ao falecimento do mutuário, intentou acção contra o R. e a viúva do mutuário, com vista a cobrar aquele crédito, acção que terminou por absolvição da instância destes, por ilegitimidade passiva, por se ter entendido que a acção, enquanto património autónomo, respondia pelas dívidas do de cujus. Posteriormente intentou execução contra a herança do falecido mutuário, mas nada conseguiu cobrar aí, até à propositura desta acção.
Entretanto, no âmbito do processo de inventário por óbito do mutuário, o R., aí cabeça de casal, não relacionou o crédito da A e procedeu à venda dos três únicos bens imóveis recebidos, venda esta realizada para obstar a que a A impugnasse o acto por falta de efeito útil, efectuada por valor inferior ao real e, quanto a um dos imóveis, feita aos seus sogros. Por sua vez a R agiu em conluio com o R., com vista a receber no seu património o preço das vendas dos imóveis.
Conclui que o R, de forma ilícita e culposa, violou as suas obrigações legais, enquanto cabeça de casal, impossibilitando a A de reclamar os seus créditos no processo de inventário, lesando assim os interesses patrimoniais desta, que se vê impossibilitada de cobrar o crédito de que é titular, por inexistência de bens susceptíveis de penhora, actuando a R em conluio com ele, pelo que são responsáveis pelo pagamento da indemnização peticionada.
Devidamente citados contestaram os RR. pedindo, no que à economia do presente recurso diz respeito, a improcedência da acção e absolvição do pedido.
Estribam a sua defesa excepcionando a prescrição dos juros dos cinco anos anteriores à citação e na impugnação dos factos que a A alega, por não serem de seu conhecimento pessoal e quanto aos demais, alegam que o R, ao requerer inventário, visou definir o património hereditário e os limites da responsabilidade da herança perante os credores desta, assim como limitar a sua perante possíveis credores desconhecidos, sendo-lhe indiferente perante que credores a herança responderia. Esclarecem, depois, as circunstâncias em que o R. exerceu as funções de cabeça de casal, após o falecimento da sua mãe, anterior cabeça de casal, e nessa altura estava convencido que o “assunto” da A estava resolvido, pois era a informação que tinha recebido da sua mãe. Quanto ao produto da venda dos imóveis no inventário, foi integralmente destinado ao pagamento do passivo da herança, nada tendo sido beneficiada a R., pois, os RR são casados no regime de separação de bens. No que tange ao imóvel da herança vendido ao sogro do R., tal foi feito para evitar a sua venda judicial em hasta pública, tendo sido aquele a única pessoa que o aceitou adquirir ainda com registo de penhora pendente.
Concluem que o R cumpriu com as suas obrigações, no desempenho do cargo de cabeça de casal, relacionando o passivo que conhecia e a R em nada interveio nas decisões do R ou beneficiou delas e se a A se viu impossibilitada de cobrar o seu crédito deve-o à sua inércia pois durante sete anos e meio – entre a absolvição da instância e a propositura da acção executiva – nada fez para garantir ou peticionar o seu crédito.
Na réplica a A., além de pedir a improcedência das excepções, quanto à de prescrição por não estar a peticionar juros mas antes uma indemnização, conclui como na p. i.
Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, pela inexistência de nulidades e excepções dilatórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso, tendo-se julgado improcedente a excepção de ilegitimidade da R e relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição dos juros.
Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, com reclamação por parte da A, a qual foi deferida.
Prosseguindo o processo os seus regulares termos, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo a R e condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 10.233,73, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal desde 16.09.2003 e juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
A Ré não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal de Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls. 442 a 455, revogou a sentença da 1ª instância e absolveu o R do pedido.
A A. não se conformando com esta decisão, interpôs recurso de revista para este Supremo.
Nas suas alegações a A. formula as seguintes conclusões: 1. - Mal andou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 3 de Abril de 2014, quando, tendo-se demostrado nos autos os pressupostos da obrigação de indemnizar, decidiu: "Pelos fundamentos expostos, (acordam os Juízes que integram a 6ª Secção Cível deste Tribunal) em julgar procedente a apelação e, em consequência, decidem revogar a decisão recorrida, absolvendo o Réu do pedido." 2. - O Douto Tribunal da Relação não fez a melhor apreciação da prova produzida nos presentes autos e aplicação do Direito aos factos considerados provados nos autos, em clara violação do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 6740 do CPC.
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- Porquanto o critério para apreciar a culpa estribado na " diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" bem como o nexo de causalidade entre a omissão praticada e o danai prejuízo consubstanciado no não ressarcimento do crédito da Recorrida Caixa Agrícola sobre a herança de CC, encontra-se provado nos autos, pela análise critica de todos elementos factuais assentes que o Douto Tribunal da Relação erroneamente não valorou.
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- Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.11.2010, processo nº 856/08.9TAOER:L 1 - a, in www.dgsi.pt: "Os Tribunais superiores têm, justamente, chamado a atenção para esse condicionamento, pois é bem verdade que "a sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reações humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter uma concretização através do princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Quando a opção do julgador se centra em elementos diretamente interligados com o princípio da imediação (v.g., quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio" (acórdão do STJ de 19.12.2007, www.dgsj.pt." 5. - Ainda que tenha sido dado como não provado que o processo de inventário não tivesse apenas visado por a salvo o património da herança de CC, a omissão do acto de identificar os credores e relacionar o crédito da Recorrida Caixa Agrícola no processo de inventário é um acto que dá lugar à obrigação de reparar o dano, por parte do Recorrido AA porquanto este tinha por força da lei a obrigação de o praticar, após dele ter conhecimento, tendo por isso o Douto Tribunal da Relação violado o disposto nos arts 483 e 486 do C.C.
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- Ao contrário do que defendeu o Douto Tribunal da Relação, a análise crítica da sequência dos factos reveste-se de fundamental importância na apreciação crítica dos factos e consequente aplicação do Direito.
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- Tendo ficado provado nos autos que o Recorrido AA havia sido citado em 17.02.1997 no âmbito de processo judicial intentado pela Recorrente Caixa Agrícola para cobrança do crédito detido sobre o De Cujus seu pai, mal andou o Douto Tribunal da Relação quando desconsiderou que o apelo às " regras da experiência comum" e à análise crítica de toda a prova produzida nos autos - depoimento de parte, testemunhal e documental - era suficiente para se concluir, como se concluiu que o Recorrido sabia do crédito e não o relacionou" culposamente" no...
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