Acórdão nº 2606/07.8TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA e BB intentaram, em 5 de Setembro de 2007, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, acção declarativa, na forma sumária, que seguiu posteriormente a forma ordinária, contra CC e DD, pedindo que fossem condenados: a) a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o nº …, situado no lugar Monte de …, Nine, Vila Nova de Famalicão; b) a destruírem o muro identificado em 13º da petição inicial e a entregarem a faixa de terreno com a largura de 0,50 cm e 10 m de cumprimento ao autores; c) a destruírem a construção que efectuaram tendo como base o muro em betão dito em 14º da petição inicial, em toda a superfície que ocupa o prédio dos autores.

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, essencialmente, que desde tempos imemoriais, seguramente há mais de trinta anos, o seu prédio confronta a nascente com um caminho de servidão com cerca de 2 metros de largura, existindo sensivelmente a meio do muro em pedra propriedade dos autores, que separa aquele caminho do seu prédio, uma entrada para este prédio.

Há 6/7 anos os autores construíram um novo muro em betão em toda a confrontação sul do seu prédio e ainda em cerca de 5 metros na confrontação nascente, encostando este novo muro, com cerca de 0,20 centímetros, ao antigo muro em pedra, ocupando apenas terreno do seu prédio.

Há cerca de 5/6 anos os réus demoliram parte do referido muro em pedra, construindo um outro em betão com cerca de 10 metros, ocupando cerca de 0,50 a 1,00 metro do prédio dos autores, e aproveitaram o muro em betão que os autores tinham construído para edificarem uma construção sobre este, ocupando, pelo menos, 0,20 cm de terreno do prédio dos autores.

Na contestação os réus pugnaram pela improcedência da acção, alegando, em suma, que construíram um anexo, que destinaram a garagem, o qual foi alinhado, na confrontação com o prédio dos autores, pelo antigo muro em pedra, ficando a parede desse lado a estabelecer o limite das duas propriedades. Alegaram ainda que alargaram o seu caminho de 1,5 metros para cerca de 3 metros à custa do terreno do seu prédio e que autorizaram os autores a derrubar parte do muro de vedação para poderem executar obras na sua casa, comprometendo-se estes a refazê-lo, o que nunca aconteceu, tendo, por isso, os réus reconstruído esse muro, em 1999, substituindo as pedras por betão, mas respeitando os seus exactos limites.

Em reconvenção pediram a condenação dos autores: a) a reconhecerem que os réus são donos do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o nº …, situado no lugar de …, Nine, Vila Nova de Famalicão; b) a reconhecerem que o muro de vedação a poente do referido prédio pertence exclusivamente aos réus e se encontra dentro dos limites da sua propriedade, pelo alinhamento do anterior muro de pedras, rasgado no sentido norte/sul, que sempre lhes pertenceu por ter sido por si construído para delimitação do seu prédio com o dos autores e para suporte de terras; c) a verem declarada extinta a servidão de passagem que, pelo caminho dos réus, dava acesso para o seu prédio, a nascente-norte deste, por ser desnecessária; d) a retirarem a rede que colocaram nessa entrada para que os réus completem a vedação da sua propriedade, continuando com o muro para norte até ao limite da mesma.

Alegaram para o efeito que o referido muro em pedra integra o seu prédio e que a servidão de passagem com entrada pelo mesmo, que dá acesso ao prédio dos autores, se tornou desnecessária.

Os autores responderam, excepcionando a ilegitimidade dos réus e impugnando a facticidade por estes alegada.

No saneador julgou-se improcedente esta excepção dilatória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou os autores proprietários do prédio dito em primeiro da petição inicial, absolvendo os réus dos demais pedidos. E julgando a reconvenção parcialmente procedente, declarou os reconvintes proprietários do prédio dito em segundo da contestação, declarou extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem que onerava o prédio dos réus e condenou os autores, reconvindos, a retirarem a rede que colocaram na entrada que, pelo caminho dos réus, dava acesso ao seu prédio a nascente-norte, para que os reconvintes completem a vedação da sua propriedade, continuando com o muro para norte, até ao limite da mesma, absolvendo os reconvindos dos demais pedidos.

Desta sentença apelaram os autores, tendo os réus recorrido subordinadamente.

Por acórdão de 10 de Março de 2014, o Tribunal da Relação do Porto, conhecendo dos recursos, decidiu: “- julgar improcedente a apelação dos AA., confirmando-se, nessa parte, a decisão recorrida; - e, julgando procedente a apelação dos RR., condenar os AA. a reconhecerem que o muro de vedação, a Poente do descrito prédio dos RR., pertence exclusivamente a estes e encontra-se dentro dos limites da sua propriedade, exactamente pelo alinhamento do anterior muro em pedras sobrepostas, rasgado no sentido Norte-Sul, que também sempre lhes pertenceu, e foi por si construído para o delimitar do prédio dos AA. e também para suporte de terras, por se situar num plano superior, de cerca de dois metros, em relação ao destes, revogando-se, nesta parte, a decisão recorrida.” Os autores, inconformados, recorrem de revista.

Na sua alegação formularam a seguinte síntese conclusiva: «A) A fundamentação/motivação da decisão sobre a factualidade assente deve conter a análise crítica e a referência individualizada aos meios concretos de prova que levaram à formação da convicção do julgador. (Art. 653º do anterior CPC) B) O Tribunal da Relação deve mandar suprir a falta de fundamentação se requerido, como sucedeu, ou mesmo oficiosamente. Art. 607º e 662º do CPC C) Os fundamentos invocados no acórdão recorrido, que reconhece a deficiente fundamentação da sentença, mas considera não ter sido requerida a remessa para a 1ª instância, estão em oposição com a decisão proferida, vício que conduz à sua nulidade. Art. 615°-1 c) do CPC D) Os Recorrentes pugnaram pela alteração da decisão de facto relativamente à matéria vertida nos pontos 5.23, 5.24 e 5.33. da sentença, que suportava o direito à extinção da servidão por desnecessidade.

E) No entender dos Recorrentes tal matéria é conclusiva e não resulta de uma análise crítica dos meios de prova ao dispor do Tribunal: depoimentos das testemunhas, documentos e fotografias referenciados, e inspecção ao local.

F) O Tribunal a quo, de forma singela, e reportando-se exclusivamente a parte do depoimento da testemunha evidenciado, concluiu que "conjugando todos estes elementos de prova e analisando-os criticamente... " os mesmos pouco esclarecem, pelo que manteve as respostas dadas aos quesitos em causa.

G) Porém, apenas ponderou a parte do depoimento da testemunha sem que tenha dado qualquer relevo aos demais meios de prova indicados pelos Recorrentes, designadamente, documentos, fotografias e auto de inspecção ao local ou outros que, oficiosamente, fossem atendidos.

H) O princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto reclama que o Tribunal da Relação repondere a prova produzida sobre que assentou a decisão impugnada, de modo a formar a sua própria convicção, não satisfazendo esse poder-dever meras afirmações genéricas, ou a simples adesão aos fundamentos da decisão impugnada.

I) Se necessário, oficiosamente, o Tribunal deve ordenar a ampliação da matéria de facto. Art. 662° -2 c) do CPC J) A decisão recorrida não procedeu à análise crítica da prova relativamente à factualidade cuja alteração foi demandada, sendo a sua fundamentação genérica, de tal modo que tudo se passa como se nada fosse dito em concreto, o que constitui vício de omissão de pronúncia. Art.615°-1 d) do CPC K) Para os Recorrentes, para além de se não ter provado a factualidade que serviu de suporte à decisão de extinção da servidão, são também insuficientes os factos apurados para decidir tal questão de direito.

L) Os autos não revelam o conteúdo da servidão nem a que título se constituiu, sendo, porém, conditio sine qua non para a extinção por desnecessidade, que se trate de uma servidão legal ou constituída por usucapião. Art. 1569° do CC M) Impendia sobre os Recorridos o ónus de invocar e provar os necessários requisitos de modo a obter a pretendida extinção. Art. 342° do CC N) Esta exigência não foi cumprida pelos Recorridos, pois em lado algum consta a alegação e prova de que a servidão se constituiu por usucapião, ou se trata de uma servidão legal, e os factos concretos que determinam a sua desnecessidade.

O) É opinião dominante que a desnecessidade da servidão deve apresentar-se como objectiva, efectiva e actual, que assenta na ausência de interesse para o prédio dominante, isto é, que nada lhe aproveita ou valoriza.

P) Era, pois, imperioso saber se a entrada da garagem, que serve de comunicação com a via pública proporciona as mesmas utilidades que o caminho da servidão de passagem.

Q) Postas estas considerações em confronto com os factos provados não pode dizer-se que a utilização da servidão em causa deixou de ter valor para o prédio.

R) É patente a insuficiência da matéria de facto assente sobre a servidão, pois não foram alegados nem provados factos pertinentes sobre o modo como os Recorrentes a exercem ou quaisquer outros factos que esclareçam como actualmente acontece o acesso, pela garagem, à casa de habitação dos Recorrentes.

S) Neste particular importa dizer que os Recorridos não demonstraram a comodidade do acesso pela garagem a ponto de conduzir à extinção da servidão.

T) Somente se apurou que existe uma entrada de garagem ao nível da cave, que é mais larga e dá para a via pública, que permite um acesso mais fácil, factos que não permitem concluir pela desnecessidade da servidão porquanto não significam que esta deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante.

U) Competia aos Recorridos o ónus da prova dos elementos...

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