Acórdão nº 1024/10.5TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução04 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA - GABINETE TÉCNICO DE CONTABILIDADE, LDA instaurou acção de condenação, na forma ordinária, contra BANCO BB, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante de € 31.641,90, acrescido de juros moratórios.

Alega ter celebrado com a ré um contrato de abertura de crédito em conta corrente, disponibilizado em conta crédito, nos termos do qual a ré lhe concedeu financiamento até ao montante de €50.000,00, tendo ficado também convencionado que a abertura de tal crédito poderia fazer-se, para além do mais, mediante o depósito de cheques com datas futuras, até ao montante correspondente a 100% dos cheques em carteira. No âmbito da sua actividade comercial, a autora tornou-se legítima portadora de 4 cheques sacados pela sociedade CC - Unipessoal, Lda. sobre a entidade bancária ré, no valor global de €25.500,00 os quais haviam sido emitidos ao portador e entregues pela referida sociedade sacadora à sociedade DD, Lda, que por sua vez os preencheu à ordem da aqui autora e lhos entregou, para pagamento de serviços de contabilidade e encargos bancários de que era devedora.

A autora depositou os cheques na conta bancária de que era titular na ré, em data anterior ao seu vencimento, pelo que, no âmbito do dito contrato de abertura de crédito, o respectivo valor foi disponibilizado à autora, tendo os cheques em questão ficado à guarda da ré.

Uma vez apresentados a pagamento dentro do respectivo prazo legal, foram os mesmos devolvidos com a menção de "cheque revogado por justa causa -Extravio", tendo por base sucessivas instruções de revogação, por motivo de extravio, dadas pela sociedade sacadora à ré.

Tal informação, prestada pela sacadora, é totalmente falsa, o que a ré não podia desconhecer, - e teve como único propósito impedir o pagamento dos cheques; não obstante, a ré conformou-se com as instruções que lhe foram dadas pela sacadora, sua cliente, recusando o pagamento dos cheques, sem ter o mais elementar cuidado de pedir esclarecimentos, informações e provas sobre o alegado extravio, tanto mais que estão em causa, pelo menos, quatro revogações de cheques num curto período de 8 meses.

A conduta assumida pela ré é indiciadora de conivência com a sua cliente sacadora, ou, pelo menos, de grosseira negligência e falta de rigor no cumprimento das suas obrigações legais; na verdade, a ré não podia acatar as sucessivas ordens de revogação dadas pela sacadora, uma vez que os cheques em questão foram apresentados a pagamento dentro do prazo legal, pelo que a ré agiu ilicitamente e em prejuízo da autora, sendo, por isso, responsável pela reparação dos prejuízos por ela sofridos, correspondente ao valor dos cheques, acrescido de juros moratórios contabilizados.

A ré contestou, sustentando não ter incumprido qualquer dever enquanto entidade bancária, concluindo não haver razão alguma que justifique a obrigação de indemnizar a autora, pugnando, consequentemente, pela total improcedência da acção.

Na réplica a autora respondeu à matéria de excepção e reiterou a sua posição, vertida na petição inicial.

A final, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

  1. Inconformada, apelou a A., impugnando, desde logo, a decisão proferida acerca da matéria de facto; tal impugnação foi julgada improcedente, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual: (A) - A Ré Banco BB, SA. é uma entidade bancária.

    (B) - A Autora é uma sociedade que se dedica á prestação de serviços de contabilidade e afins.

    (C) - sendo titular da conta de depósitos n.° … aberta junto da R. Banco BB, SA., na agência de Espinho.

    (D) - Em 10 de Outubro de 2004 Autora e Réu celebraram um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, nos termos do qual o Réu concedeu à Autora um financiamento até ao montante máximo de €50.000,00 contrato esse que veio a ser alterado em 26.05.2007, passando a valer nos termos deste último aditamento.

    (E) - Nos termos da cláusula 3.

    a do contrato supra referido, a abertura de crédito far-se-á pela disponibilização de crédito na conta …, mediante solicitação do cliente e autorização do Banco BB, ou mediante o depósito de cheques com datas futuras, até ao montante correspondente a 100% dos cheques em carteira, salvaguardado que seja o limite máximo de €50.000,00.

    (F) - Nos termos da cláusula 7.

    a do referido contrato, constitui obrigação do Banco Réu adiantar à Autora os valores constantes de cheques ainda não vencidos que sejam apresentados a pagamento.

    (G) - Os cheques em questão foram depositados na conta … em data anterior ao seu vencimento, pelo que, no âmbito do contrato de abertura de crédito supra mencionado, o respectivo valor foi disponibilizado à Autora.

    (H) - Porém, uma vez apresentados a pagamento dentro do respectivo prazo legal junto do Banco Réu, foram os mesmos devolvidos com a indicação de "cheque revogado por justa causa - Extravio".

    (I) - Os cheques em questão haviam sido entregues pela Autora ao próprio Banco Réu que os manteve em sua guarda, adiantando à Autora as quantias neles expressas.

    (J) - A Autora entregou, antes da respectiva data de vencimento, ao Banco Réu os cheques em causa, a saber: • Cheque com o n.° …, no montante de €6.000,00, com vencimento em 25.07.2008; • Cheque com o n.° …, no montante de €6.500,00, com vencimento em 26.12.2007; • Cheque com o n.° …, no montante de €6.500,00, com vencimento em 26.03.2008; • Cheque com o n.° …, no montante de €6.500,00, com vencimento em 25.07.2008.

    (K) - Todos os cheques supra referidos foram fornecidos pelo Banco Réu à sua cliente CC - Unipessoal, Lda., para utilização no comércio jurídico, no âmbito de convenção sobre o uso do cheque para movimentação de contas celebradas, bem como da relação de provisão que estabeleceu com a referida cliente.

    (L) - Em 14.03.2008, foi remetida pela CC - Unipessoal, Lda. ao Banco Réu comunicação solicitando o cancelamento do cheque com o n.° …, com fundamento no extravio do mesmo.

    (M) - Em 18.07.2008, foi remetida pela CC - Unipessoal, Lda. ao Banco Réu comunicação solicitando o cancelamento dos cheques com os n.°s …, com fundamento no extravio dos mesmos.

    (N) - Da mesma forma, foi recebida comunicação da cliente CC, solicitando o cancelamento do cheque …, com fundamento no extravio do mesmo.

    (O) - Os cheques estão passados à ordem da autora.

    (l.°) - Nas circunstâncias descritas infra em 2.1.2.17) a 2.1.2.19), a Autora tornou-se portadora de 4 cheques sacados sobre o Banco Réu, a saber: a) Cheque n.° …, emitido em 2007.12.26, no montante de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros); b) Cheque n.° …, emitido em 26.03.2008, no montante de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros); c) Cheque n.° …, emitido em 25.07.2008, no montante de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros); e d) Cheque n° …, emitido em 25.07.2008, no montante de €6.000,00 (seis mil euros).

    (2.°) - Todos os supra referidos cheques foram emitidos pela sociedade CC - Unipessoal, Lda.

    (3.°) - Os referidos cheques foram emitidos ao portador e entregues pela sacadora à sociedade DD, Lda, cliente da aqui Autora.

    (4.°) - Que por sua vez os preencheu à ordem da A. e lhos entregou para pagamento de serviços de contabilidade e encargos bancários de que era devedora.

    (5.°) - O extravio a que se alude em 2.1.2.12), 2.1.2.13) e 2.1.2.14) não ocorreu.

    (7.°) - O banco R. conformou-se com a instrução que lhe foi dada pela sua cliente, sem ter pedido esclarecimentos, informações e provas sobre o alegado extravio.

    (9.°) - A Autora até à data não recebeu as importâncias tituladas pelos cheques supra referidos, que ascende a €25.500,00.

    (10.°) - As despesas cobradas pelo banco Réu à Autora, pela devolução dos cheques supra indicados, cifram-se no montante de €104,00.

  2. Passando seguidamente a apreciar os aspectos jurídicos da causa, considerou a Relação no acórdão recorrido – após notar que a problemática do extravio do cheque apresentado a pagamento no prazo legal é diversa da mera revogação do cheque, delimitando o campo de aplicação do Ac. uniformizador 4/2008, e ter considerado que permanece em vigor a 2ª parte do art. 14º do Dec. 13004: Resulta do exposto que o banco sacado recusou o pagamento dos cheques pela simples invocação do extravio dos mesmos pelo sacador, levando a que a A. não obtivesse a cobrança do valor dos mesmos, que lhe era devida.

    Não havia da parte do banco sacado fundamento, para, sem alguma indagação, se recusar a pagar os cheques.

    É unânime o entendimento de que não deve exigir-se do banco a prova efectiva da causa justificativa invocada pelo sacador (no caso, do extravio dos cheques), mas a simples e lacónica comunicação que lhe foi feita pela sua cliente - de cancelamento dos cheques por motivo de extravio - impunha a diligência necessária a esbater as dúvidas que, razoavelmente, deveriam ter surgido junto do banco.

    Vale isto por dizer que o banco sacado não estava eximido de agir com a máxima diligência, só aceitando os motivos justificantes para o não pagamento no período legal de apresentação quando dispusesse de indícios sérios de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas do caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado.

    Tem mesmo sido defendido que, quando o sacador alega furto ou roubo do título, deverá o sacado exigir a competente participação crime (se não acompanhar a ordem de não pagamento) ou, tratando-se de incapacidade, a eventual prova dela (que muitas vezes será...

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