Acórdão nº 292/11.0TTSTRE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | MÁRIO BELO MORGADO |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.
1.
AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB, Lda., ambas com os sinais nos autos, pedindo, fundamentalmente, a par de outras pretensões conexas, que esta seja condenada a reclassificá-la na categoria profissional de Gerente de Posto de Abastecimento, recolocando-a no desempenho de tais funções nos postos da CC da EN 10 em ....
2.
A ré contestou, por impugnação.
3.
A autora apresentou articulado superveniente, peticionando, subsidiariamente, que a R. seja condenada a fixar-lhe horário de trabalho, de molde a que a hora de saída não ultrapasse as 18:00 horas de cada dia, ao que a R. deduziu oposição.
4.
Na 1.ª Instância, julgando-se a ação parcialmente procedente, foi decidido condenar a ré a: - Recolocar a autora a desempenhar as funções de gerente dos postos da CC da EN 10, em ..., com a inerente obrigação de lhe propiciar as chaves dos escritórios dos citados estabelecimentos e os instrumentos de trabalho necessários ao desempenho de tais funções; - Atribuir à autora um horário de trabalho que respeite o seu direito a gozar os sábados e domingos como dias de descanso semanal obrigatório e complementar; - Reconhecer que a autora beneficia de isenção de horário de trabalho, na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho diário e semanal, e a pagar-lhe subsídio de isenção de horário de trabalho; - Reativar o seguro de saúde de que a autora e sua filha beneficiavam antes da transmissão da exploração do estabelecimento para a ré; - Atribuir à autora um telemóvel para uso profissional e pessoal, com um limite de duzentos minutos de conversação, a cargo da ré; - Pagar à autora a quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Foi ainda fixada sanção pecuniária compulsória, no valor diário de € 100,00, em caso de atraso no cumprimento das determinações deste Tribunal.
5. Ambas as partes apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidido: a) Julgar improcedente a apelação da R.; b) Julgar parcialmente procedente a apelação (subordinada) da A. e, assim, condenar a R. ainda a: - Atribuir à A. um telemóvel para uso profissional e pessoal, com um limite mensal de duzentos minutos de conversação, a cargo da R.; - Retomar o pagamento dos prémios trimestrais calculados de acordo com as regras constantes das alíneas oo) a uu) dos factos provados.
6.
A R. interpôs recurso de revista, sustentando, em resumo, nas conclusões da sua alegação: - O regime de isenção de horário de trabalho da A. não foi determinado ab initio, em sede de contrato de trabalho, mas apenas, posteriormente, a partir de Agosto de 2002.
- Entre as partes não foi fixado um termo para tal isenção, pelo que a sua manutenção ou cessação ficou na absoluta disponibilidade do empregador.
- O telemóvel e os prémios trimestrais não integram o conceito de retribuição.
- A recorrente decidiu conceder um telemóvel à Recorrida, sem que estivesse obrigada a fazê-lo, não se tendo vinculado ad aeternum a tal situação.
- Em momento algum a recorrente atribuiu prémios trimestrais à A, razão pela qual não se vinculou a tal obrigatoriedade.
- A periodicidade de tais benefícios ficou no exclusivo domínio da recorrente, a qual, a todo e qualquer momento, poderia alterar, suspender ou fazer cessar tal decisão unilateral, não podendo a A. criar qualquer legítima expectativa jurídica nesta matéria, pelo que não existiu qualquer violação do princípio da irredutibilidade salarial.
- A factualidade provada não é suscetível de consubstanciar a existência de um dano não patrimonial indemnizável.
7.
A autora contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.
8.
A Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, em parecer a que apenas respondeu a R., na linha do antes sustentado nos autos.
II.
(Delimitação do objeto do recurso) 9.1.
Sustenta a R. na presente revista que o telemóvel e os prémios trimestrais não integram o conceito de retribuição.
Quanto ao telemóvel, a 1.ª Instância considerou que se tratava de prestação com natureza retributiva, sem que tal tenha sido refutado no recurso de apelação, pelo que o assim decidido transitou em julgado.
Na verdade, no âmbito da apelação, a R. apenas sustentou que a A. já não beneficiava de telemóvel de serviço quando para si se operou a transmissão do estabelecimento, bem como que “ficou provado que existe um telemóvel de serviço no Posto de ..., que está à disposição de todos os colaboradores”, sem questionar a sua natureza retributiva.
Mostrando-se já definitivamente decidido este ponto, não pode, naturalmente, ser o mesmo conhecido (retomado) neste momento processual (cfr. art. 635º, nº 5, CPC) – como refere Abrantes Geraldes[1], “o caso julgado que se tenha estabelecido em relação a alguma decisão ou segmento decisório não pode ser perturbado por uma atuação posterior, ainda que de um tribunal hierarquia superior”.
[2] Não se conhecerá, pois, de tal questão.
9.2.
Posto isto, inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[3]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[4] - Se é possível a entidade empregadora pôr termo, unilateralmente, ao regime de isenção do horário de trabalho convencionado por acordo das partes, já após a celebração do contrato de trabalho; - Se os prémios trimestrais atribuídos à A. não têm natureza retributiva; - Se estão verificados os pressupostos da indemnização por danos não patrimoniais.
Cumpre decidir.
II.
10.
A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:[5] a) A autora, em 19 de Janeiro de 1998, celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a sociedade DD, Lda.
b) (...) c) Em 1 de Agosto de 2002, a autora e a DD acordaram a alteração temporária do objeto do contrato de trabalho inicialmente celebrado.
d) Essa alteração de objeto consistiu na promoção da autora à categoria de “Gerente de Estabelecimento”, ou seja, Gerente do posto da ..., funções que desempenhou durante 2 anos.
e) Desde 2007 que exerce funções de Gerente nos Postos da CC de ..., situados na Estrada Nacional 10 (...); f) Dispunha o ponto 1 da cláusula 3ª que o acordo de alteração de objeto tinha a duração de 150 dias e que não era renovável; g) O ponto 3 da mesma cláusula dispunha que caso a autora mantivesse o exercício das funções de gerente de posto para além do termo fixado, tal lhe conferiria o direito a ser reclassificada na categoria de Gerente com todos os legais efeitos.
h) A autora manteve as funções de gerente de posto, pelo menos até 22 de Dezembro de 2009; i) A autora celebrou com a DD um acordo de isenção de horário de trabalho na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
j) E passou a receber um subsídio decorrente dessa isenção de horário.
k) Em consequência do exercício das funções de gerente, a autora passou a ter ao seu dispor um telemóvel de serviço e também de um seguro de saúde pago pela DD; l) Auferia também um prémio trimestral, de valor variável, não previsto no contrato de trabalho; m) Em 22 de Dezembro de 2009, a DD transmitiu a exploração do posto de ... para a ré; n) A DD informou a autora de que esta iria manter as condições de trabalho de que beneficiava anteriormente; o) A ré nunca pagou qualquer seguro de saúde de proteção da requerente; p) A ré não paga à autora qualquer prémio trimestral.
q) Antes de 22 de Dezembro de 2009, a autora trabalhava de segunda a sexta-feira das 08.00 às 13.00 e das 14.00 às 17.00 horas, folgando ao fim de semana; r) Agora (ao tempo da propositura da ação) trabalha por turnos; s) A autora dirigiu à ré, em 1 de Abril de 2010, o escrito que constitui o documento n.º 12 apresentado com a petição inicial, reclamando junto dela o alegado incumprimento das suas condições de trabalho, designadamente, nos seguintes termos: “passo a citar os pontos que a empresa...
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