Acórdão nº 26439/93.8TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução09 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 26439/93.8TVLSB.L1.S1[1] (Rel. 182) Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – AA, agora representado pelos seus herdeiros habilitados, BB, CC e DD, (todos ...

) e Cruz Vermelha Portuguesa, com sede em Lisboa, instauraram, no longínquo ano de 1993, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra EE e mulher, FF, pedindo que: / I – Seja (judicialmente) declarado que a doação efectuada, por escritura de 14.02.79, pela Sra. D. GG ao R. EE se circunscreve à “... e seus pertences”, nos quais se incluem as parcelas de terreno descritas na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob os nº/s ... e ... e que foram anexadas a outros prédios, formando, actualmente, o prédio nº ... da freguesia de ..., com as exactas delimitações e confrontações datadas de 1867 e de 1928[2]; II – Seja, igualmente, declarado que, consequentemente, se mantêm os legados nos precisos termos que a testadora deixou consignados no testamento outorgado em 22.11.65; e III – Se ordene o cancelamento do averbamento de registo nº..., a fls. ... do Livro ... da 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., efectuado em 18.10.68, e de todos quantos estejam na dependência deste.

Contestada a acção e após admissão da interveniente principal, como co-R., de “HH – …, Lda”, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. e esta chamada do pedido, o que veio a ser confirmado por acórdão da Relação de Lisboa de 29.05.13, proferido na apelação interposta pelos AA.

Daí a presente revista interposta pelos apelantes-AA.

, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões: / A - DO OBJECTO E ALCANCE DO TESTAMENTO, DE 1965.11.25 / 1ª – À data da celebração do testamento de 1965.11.25, D. GG era proprietária de diversos imóveis, nomeadamente da ...

(v. n.o s 4 e 5 dos FP – Factos Provados). bem como dos demais prédios autónomos, identificados nos n.o s 19 a 35 dos FP, que aqui se dão por integralmente reproduzidos; 2ª – No testamento outorgado, em 1965.11.25 (v. fls. 32 e segs. dos autos), D. GG identificou clara e especificadamente e pelos respectIvos nomes, seis dos prédios independentes e autónomos de que era proprietária, relativamente aos quais expressou claramente a sua vontade, instituindo oito legados distintos (v. arts. 2380 e 21870 do C. Civil); 3ª – D. GG referiu-se no seu testamento, de 1965.11.25, ao "remanescente da sua herança" (v. fls. 39 dos autos) que, com excepção dos bens e prédios que especiflcadamente identIficou nos demaIs legados (v. fls. 39 e 40 dos autos; cfr. prédios identificados nos nº/s 18 a 35 dos FP), deverá "ser vendido e o produto da sua venda ser entregue à Cruz Vermelha Portuguesa"(v. fls. 40 dos autos), declarando também, com o especial cuidado que sempre revelou, a sua vontade real de revogar anterior testamento - intencão e declaração revogatória (v. arts. 217°, 220°,2380 e 2187° do C. Civil); 4ª – Como sempre defenderam os ora recorrentes, "não existe qualquer dúvida em considerar que D. GG quis, de facto, instituir herdeira testamentária a Cruz Vermelha Portuguesa e instituir os legados, tal como consta do testamento junto aos autos. Era seguramente essa a vontade de D. GG expressa de forma inequívoca no texto do testamento"(v. fls. 3196 do acórdão recorrido); 5ª – Face ao critério legal estabelecido no art. 2187° do C. Civil, é manifesto que nunca poderia ser desconsiderada e postergada a vontade declarada por D. GG, nem a existência e destinações distintas atribuídas a cada um dos prédios independentes e autónomos, de que a testadora era proprietária; 6ª – A decisão do douto acórdão recorrido implicaria o esvaziamento do objecto e a exaustão dos legados constituídos a favor da Cruz Vermelha Portuguesa, do Património dos Pobres de Lisboa e do falecido A. Eng. AA (v. nº/s 18 a 35 dos FP), o que é inadmissível (v. arts. 2187° e 2370 do C.Civil); 7ª – À escritura de doação celebrada, em 1997.02.

14 (deveria querer dizer-se “1979”, em vez de “1997”), é aplicável o Código Civil de 1966 (v. art. 12° do C. Civil), que não refere, nem prevê "doações onerosas"; B - DA NATUREZA JURfDICA DA DOAÇÃO, DE 1979.02.14 - NEGÓCIO GRATUITO 8ª – À escritura de doação celebrada, em 1997.02.14 (deveria querer dizer-se “1979”, em vez de “1997”), é aplicável o Código CIvil de 1966 (v. art. 12° do C. Civil), que não refere, nem prevê "doações onerosas"; 9ª – A escritura de doação, de 1979.02.14(v. f1s. 92 e segs dos autos), tem assim que ser qualificada e interpretada de acordo com as normas dos arts. 237°, 940° e 9630 do Código Civil de 1966 (v. arf. 12° do C. Civil), não sendo convocável in casu "a redacção enganadora do artigo 14550 do Código de 1867" (v. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, II/289); 10ª – Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, a referida doação integra claramente um negócio jurídico gratuito (v. arts. 9400 e 9630 do C. Civil), pois o ónus ou encargo a que o donatário ficou obrigado não constitui verdadeira contraprestacão, integrando mera cláusula ou elemento acessório do contrato de doação, que se configura como simples limitação ou restrição à prestação da doadora (v. Pires de LIma e Antunes Varela, C. Civil Anotado, II/289 e segs.; Vaz Serra, BMJ 75/269 e 275; Menezes Leitão, Direito das ObrIgações, 2013, III/164; Rosário Palma Ramalho, Sobre a Doacão Modal, in revista O Direito, Ano 122, 1990. III-IV /; Batista Lopes, Doacões, p.p. 112); / C – DO OBJECTO E ALCANCE DA DOACÃO, DE 1979.02.14.

11ª – Dos termos do negócio solene e formal, em que se concretizou a escritura de doação celebrada em 1979.02.14, não resulta qualquer referência ao testamento, de 1965.11.25(v. fls. 32 dos autos· Vol. I), nem à sua alteração ou revogação, ainda que parcial (v. orts. 217°, 2360 e 2380 do C. Civil), limitando-se D. GG a declarar doar ao ora recorrido EE a "... e seus pertences",que, no testamento, de 1965.11.25, deixara à sua prima II, falecida, em 1978.11.03, apenas quatro meses antes da doação (v. nº 71 dos FP); 12ª – Na escritura de doação, de 1979.02.14, os outorgantes não indicaram a área da parte rústica que efectivamente consideravam pertencer ao prédio doado, nem sequer os respectivos limites, tendo-o identificado pela denominação que dispunha e constava do testamento, de 1965 – "... e seus pertences" (v.

fls. 70-71 e 92-93 dos autos); 13ª – No testamento e na doação D. GG referiu sempre o mesmo prédio - "... e seus pertences" –, encontrando-se provado no presente processo que a doadora nunca requereu, nem alguma vez promoveu que os prédios autónomos que integravam os legados constituídos no testamento de 1965.11.25 (v. fls. 32 dos autos), fossem anexados à referida Quinta. nem que as respectivas descrições fossem também canceladas ou inutilizadas (v. relatório pericial a fls. 1793 dos autos· Vol. IX),"sendo certo que este seria o procedimento legal adequado, caso se pretendesse efectivamente realizar a referida unidade predial"(v. fls. 1715 e 1793 dos autos), mantendo-se actualmente inscritos em nome da testadora (v., além do mais, nº/s 19 e segs. dos FP); 14ª – No texto da referida escritura de doação, de 1979.02.14, D. GG não aludiu também a qualquer rectificação registral, sendo qualquer pretensa revogação ficta claramente incompatível com a subsistência actual dos prédios que integram os legados, constituídos no testamento, de 1965.11.25 (v. arts. 236°, 237°, 2380 e 342° do C. Civil), e identificados nos nº/s 19 a 36 dos FP cuja existência sempre foi conhecida e expressamente afirmada pela própria doadora. nomeadamente em diversos processos e procedimentos judiciais que instaurou em 1960 e em 1962 contra terceiros (v. fls. 43 a 45, 2271 e segs. e 2385 e segs. dos autos; cfr. nº/s 36 e 37 dos FP); 15ª – Estando assente que D, GG "sempre quis, quer em vida quer post mortem, valer a sua determinação de ser grande benemérita"(v. nº 10 dos Factos Provados), dos termos da escritura de doação. 1979.02.14 (v. fls. 92 e segs. dos autos), e das provas produzidas não resulta, nem pode resultar que o doadora tenha alterado radicalmente o seu querer e vontade, cuidadosamente expressos no testamento, de 1965.11.25, revogando e exaurindo de qualquer conteúdo os legados constituídos no testamento, a favor do Património dos Pobres de LIsboa, da A.

Cruz Vermelha Portuguesa e de pessoa, que de tal forma considerou da sua confiança, que nomeou como testamenteiro: o falecido A., Eng. AA (v. arts. 217D, 220°, 236°, 238D e 2187° do C. Civil); 16ª – No presente processo não se provaram quaisquer factos materiais simples de que possa resultar tal conjectural alteração de vontade e respectiva formalização, inexistindo no texto da escritura de doação, de 1979,02.14, qualquer declaração ou intenção de revogação do testamento, de 1965.11.25 (v. arts. 237°, 2380 e 342°/2 do C. Civil); 17ª – No douto acórdão recorrido reconheceu-se expressamente que "os únicos elementos de prova de que o Tribunal se pode socorrer são os próprios documentos em discussão" (v. fls. 3194v. dos autos), tendo-se provado factos incompatíveis e inconciliáveis com tal putativa intenção revogatória, que não foram considerados no aresto em análise (v., nomeadamente, nº/s 11, 36, 37, 40, 49 e 58 dos FP; cfr. arts. 217°, 218°, 236° e 237° do C. Civil; Ac. STJ de 2008.05.27, Proc. 08B655; Ac. Rei do Porto de 2011.02.17, Proc. 564/06.5, in www.dgsi.pt); 18ª – Não pode assim atribuir-se à escritura de doação, de 1979.02.14, alcance revogatório do testamento, de 1965.11.25, pois, por um lado, tal sentido não tem a mínima correspondência no texto da escritura, e, por outro, do respectivo contexto resulta claro que D. GG não revogou, nem alterou o testamento de 1965.11.25, sendo o sentido que foi atribuído àquele negócio jurídico gratuito o mais...

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