Acórdão nº 973/11.8TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução16 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, divorciado, residente na Rua ..., nº …, …º, dtº, Lisboa, propôs a presente acção, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, viúvo, residente no lugar de ..., ..., Barcelos, pedindo que, na sua procedência, se declare que o réu não é o pai biológico do autor, tudo com as legais consequências, invocando, para o efeito, e, em síntese, que o seu assento de nascimento foi lavrado com base em declaração directa e nele se atribui a paternidade do autor ao réu.

No entanto, o réu não é o pai biológico do autor, pois que este nasceu em data diferente daquela que consta do registo, a mãe do autor casou-se, apressadamente, com o réu, nunca havendo namorado um com o outro, sendo certo que um irmão da mãe do autor foi, por essa altura, emigrado para a Venezuela, nunca o réu tendo tratado o autor da mesma forma como tratou os seus outros filhos.

Na contestação, o réu excepciona a ilegitimidade passiva e a caducidade do direito de acção e, finalmente, impugna os factos alegados pelo autor.

Foram chamados à acção, como associados do réu, CC, DD e EE, filhos da presumida mãe do autor, que não apresentaram contestação.

Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou procedente a excepção peremtória da caducidade do direito de impugnação da paternidade pelo autor, em virtude do decurso do prazo, e, em consequência, declarou extinto o direito do autor, absolvendo os réus do pedido contra si formulado.

Deste saneador-sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Guimarães, o mesmo autor interpôs agora recurso de revista excecional, terminando as alegações com o pedido de substituição do douto acórdão recorrido, por outro que, considerando inconstitucional a norma, prevista no artigo 1842°, n° 1, c), do Código Civil, na parte em que prevê o prazo de três anos como de caducidade para o exercício do direito de impugnar a paternidade presumida e registada, dê seguimento ao processo, até ao seu julgamento, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O artigo 1842.°, n.° 1, alínea c) do Código Civil, na parte em que prevê a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe no prazo de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, é inconstitucional, violando, nesta medida, o direito à tutela judicial efetiva (artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa), o direito à identidade pessoal (artigo 26.°, n.° 1, CRP) e o direito a constituir família (artigo 36.°, n.° 1, CRP) e por não observar os requisitos que a Lei Constitucional impõe para a restrição de direitos fundamentais (artigo 18.°, n.° 2, da CRP).

  1. - Os prazos de caducidade e o interesse da segurança jurídica não devem assumir maior importância nem sobrepor-se ao direito fundamental da pessoa de saber quem é, de onde vem e quais são os seus ascendentes genéticos.

  2. - Atenta a similitude das questões em análise, os argumentos aduzidos no acórdão que serve de fundamento ao presente recurso devem ser levados em linha de conta, conduzindo, como aí sucedeu, a um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa.

  3. - Consequentemente, deve permitir-se ao Autor impugnar a paternidade presumida, na medida em que esta não corresponde à realidade biológica.

Nas suas contra-alegações, o réu conclui no sentido de que o recurso de revista deve ser julgado improcedente, mantendo-se, na íntegra, o acórdão proferido.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. O nascimento do autor, AA, mostra-se registado como tendo ocorrido, em 29 de Setembro de 1955.

  1. No assento de nascimento do autor, o réu está inscrito como pai.

  2. No processo de inventário que correu termos, no 1º juízo do Tribunal de Barcelos, sob o nº 1088/03.8TBBCL, o autor, em requerimento aí junto, declarou, entre o mais, o seguinte “tenho informações, de várias fontes, que não sou filho biológico do casal mas sim de FF, o irmão mais velho da inventariada. Desde há cerca de 20 anos para mim era evidente que a cabeça de casal não era meu pai biológico. Foi o pároco da ... em Janeiro de 2003 que por meias palavras a primeira pessoa a confirmar a situação”.

  3. A presente acção foi proposta, em 21 de Março de 2011.

    * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

    A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, consiste em saber se deve ser julgado inconstitucional o prazo de caducidade para a propositura da acção de impugnação da paternidade intentada pelo filho do marido da mãe e, consequentemente, se ocorreu ou não o prazo de caducidade do direito de propor a correspondente acção.

    DA CONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE INTENTADA PELO FILHO DO MARIDO DA MÃE 1. Entroncando as raízes mais profundas da sociedade na instituição familiar, como célula essencial da sua organização, a determinação do estado civil de pai ou de filho exerce um papel do maior relevo, convindo a todos os membros do agregado social, de modo muito particular, o conhecimento do vínculo jurídico de filiação ou da paternidade, com vista a que, uma vez definido, se mantenha para segurança e certeza das relações jurídico-sociais.

    Na hipótese de filho nascido dentro do casamento, ou seja, tratando-se de mãe conhecida e casada, a paternidade fica, automaticamente, estabelecida, sendo, então, o pai o marido da mãe, de acordo com o princípio clássico do «pater is est quem nuptiae demonstrant», consagrado pelo artigo 1826º, nº 1, do Código Civil (CC).

    A regra do «pater is est…», em que se sustenta a presunção de paternidade oriunda do normativo legal acabado de citar, seria um efeito pessoal do casamento, derivado do dever de coabitação e fidelidade recíproca entre os cônjuges...

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