Acórdão nº 595/12.6TASLV.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução17 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ No processo comum nº do 2º Juízo da Comarca de Silves. respondeu perante o tribunal colectivo, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, na sequência de acusação contra ele deduzida pelo Ministério Público que lhe imputava a prática de um crime de abuso sexual de criança agravado p. e p. pelos nºs 1 e 2 do artº 171º e alínea b) do nº 1 do artº 177º, ambos do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, os juízes do tribunal colectivo, proferiram acórdão em 19 de Dezembro de 2013, decidindo “ julgar a acusação procedente e em consequência: I – Condenam AA, pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado p. e p. pelos nos 1 e 2 do artº 171º e alínea b) do nº 1 do artº 177º, ambos do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; II – Condenam AA, pela prática de 20 crimes de abuso sexual de criança agravado pp. e pp. pelos nos 1 e 2 do artº 171º e alínea b) do nº 1 do artº 177º, ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 7 meses de prisão, por cada um deles; III – Condenam AA, pela prática de 20 crimes de actos sexuais com adolescente agravados pp. e pp. pelo nº 2 do artº 173º e alínea b) do nº 1 do artº 177º, ambos do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão por cada um deles; IV – Condenam AA na pena única de 9 anos de prisão.

Custas pelo arguido, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Recolha-se a amostra de ADN, tal como requerido pelo Ministério Público.

Deposite.” - Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, apresentando as seguintes conclusões na motivação: 1. Face à homogeneidade dos factos dos autos; a identidade na sua forma de execução e sucessão temporal, deve o arguido ser condenado pela prática de um crime de trato sucessivo de abuso sexual de crianças agravado.

  1. No que tange à medida da pena, atendendo ao seu arrependimento e confissão, deve operar-se a atenuação especial da pena, aplicando-se pena cuja medida se situe perto do mínimo legal, e sempre ser a mesma suspensa na sua execução por ser de prever, face à personalidade do recorrente, às suas condições de vida, conduta anterior e posterior aos factos, que a ameaça de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidade de punição.

  2. No entanto, e para a hipótese de este Venerando Tribunal manter o entendimento do Tribunal recorrido no que tange ao número de crimes pelos quais o arguido foi condenado, deverá, quanto aos crimes de actos sexuais com adolescentes, condenar-se o arguido em pena de multa.

  3. No que concerne aos crimes de abuso sexual de crianças agravado, operar-se a atenuação especial de cada uma das penas, as quais deverão, ainda, situar-se próximo do mínimo legal da respectiva moldura penal e, em cúmulo jurídico, aplicar-se pena que não ultrapasse os cinco anos de prisão, e sempre suspender a sua execução, por ser de prever, face à personalidade do recorrente, às suas condições de vida, conduta anterior e posterior aos factos, que a ameaça de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidade de punição.

Por todo o exposto, e pelo mais que V. Exªs, doutamente, suprirão, deverá ser revogado o acórdão recorrido e em sua substituição proferir-se outra que decida nos moldes reclamados nas conclusões do presente recurso.

Porém, V. Exªs decidirão como for de JUSTIÇA - Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo: 1ª – A aplicação da figura do crime de trato sucessivo, sem impugnar, de qualquer forma, os factos provados visa tão-somente camuflar a conduta do arguido despudorada, brutal e persistente de cerca de três anos de ataque sexual à sua enteada, assim pretendendo ultrapassar a violência física, moral e psicológica que a mesma teve de suportar, almejando um tratamento penal que minimize o horror do tratamento que infligiu.

  1. – Pretender-se que o crime praticado pelo arguido é um crime de trato sucessivo é o mesmo que pretender-se que é um crime continuado já que em ambos se está no plano da unidade criminosa diferindo somente no respeitante à culpa, culpa diminuída no crime continuado e culpa agravada no crime de trato sucessivo, não sendo este mais que um sucedâneo daquele.

  2. – Acolher-se a unidade criminosa é aceitar que o arguido em cada investida sobre a vítima no referido período de cerca de três anos que decorreu quando a ofendida tinha 12 anos até Novembro de 2012 em que o arguido ora recorrente depois de a ter desflorado a sujeitou a ter consigo relações de cópula completa, num quadro de situação de constrangimento daquela é aceitar que não teve que renovar a sua resolução, o que é contrário às regras psicológicas e do senso comum: de cada vez que o arguido obrigou a vítima para com ela ter relações de cópula completa renovava a sua intenção inicial, independentemente de praticar factos iguais ou idênticos, pelo que a cada acto correspondia a prática de um crime.

  3. – O entendimento contrário significa a violação do princípio da dignidade da pessoa humana que tem consagração no artigo 1º da CRP.

  4. – A conduta do arguido mostra à evidência que o mesmo em cada atuação renovou o propósito criminoso, estando-se perante resoluções distintas, reformuladas de forma autónoma em relação às anteriores. Essa repetição teve a ver com circunstâncias próprias da personalidade do arguido (cfr. nota 2).

  5. – As penas aplicadas por cada um dos crimes de abuso sexual de criança agravado e de atos sexuais com adolescente agravados, tendo em conta que o arguido era padrasto da menor que com ele vivia e os filhos deste desde 1 ano de idade e como tal tinha particulares obrigações, a idade da vítima, o período largo de tempo durante o qual decorreu a atuação do arguido e a frequência quase semanal, bem como as circunstâncias de total subjugação, com que acontecia, tendo por outro lado o ter aceitado os fatos quase na totalidade, nos afiguram-se-nos as mesmas justas e adequadas, mostrando-se proporcionais às exigências de prevenção e dentro do limite da culpa do agente, como igualmente se nos afigura adequada e justa a pena aplicada em cúmulo jurídico.

  6. – A pena aplicada em cúmulo jurídico, atento o disposto no artigo 50º nº 1 do Código Penal não admite a sua suspensão.

Termos em que deve ser deve ser negado provimento ao Recurso Confirmando-se o douto Acórdão Recorrido Com o que se fará JUSTIÇA - Por o recurso visar exclusivamente o reexame de matéria de direito, foi o mesmo remetido ao Supremo Tribunal.

- Neste Supremo, a Digma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer onde refere: “ 1.

Os fundamentos invocados na douta decisão sumária, de 15 de Abril de 2011 1, segundo a qual «a competência do Supremo Tribunal de Justiça é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior(es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão», que acolhemos e que, com a devida vénia, se transcrevem, impõem que, sempre que esteja também causa questão atinente a crime punido com pena não superior a cinco anos de prisão, a competência para o julgamento de todas as questões objecto de recurso pertença ao Tribunal da Relação: «Se é pelo objecto do recurso que se pode afirmar um dos pressupostos da competência do Supremo (a questão ou questões postas serem exclusivamente de direito), deverá ser também pelo objecto do recurso que se deve verificar o pressuposto referente à pena de prisão concretamente aplicada.

Por isso, no caso de ser aplicada mais do que uma pena de prisão, verificando-se, relativamente a um a delas (ou mais do que uma), o pressuposto de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, a competência do Supremo só deve ser afirmada se o recurso tiver por objecto, justamente, questões de direito relativas aos crimes por que essa ou essas penas (de medida concreta superior a 5 anos) foram aplicadas. Dai que, se na decisão final do tribunal do júri ou colectivo forem aplicadas penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos e penas de prisão superiores a 5 anos mas o objecto do recurso se referir - ou, também, se referir - a questões de direito relativas aos crimes por que foram aplicadas as penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos, a competência para conhecer do recurso caiba à relação.

Outra interpretação não só não salvaguarda o propósito do legislador, presente na "revisão" de 2007, de restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal 5 [5 Afirmada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X.] como implicará que se aceite a, recorribilidade directa para o Supremo mesmo nos casos em que a matéria de direito objecto de recurso não se prenda com a pena aplicada em medida superior a 5 anos.» 2.

Assim, uma vez que, para além da questão atinente à determinação da pena única, o recorrente suscita também questão de direito relativa aos crimes por que se mostra condenado - todos eles em pena de prisão não superior a 5 anos consideramos que a competência para conhecer de todas as questões suscitadas no recurso compete ao Tribunal da Relação de Évora.” - Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP.

- Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais.

Vem assente a seguinte factualidade: O arguido, quando a sua enteada BB (nascida em 6.8.1997) tinha 12 anos de idade, desflorou-a e passou a ter com ela, quase todas as semanas, relações de cópula completa, o que durou até Novembro de 2012, aproveitando a circunstância de viver com aquela desde que a mesma tinha um ano de idade, não ter a vítima qualquer experiência sexual e as ausências da sua mulher, mãe da criança; O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida, bem como a idade da sua enteada; O arguido não tem antecedentes criminais. Em audiência reconheceu a veracidade dos factos de que vinha acusado, à excepção da frequência dos seus actos, menor do que a realidade; O arguido reintegrou o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
9 temas prácticos
9 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT