Acórdão nº 4222/06.2TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução09 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “BB(PORTUGAL) – ..., LDA.”, entidade patronal da autora, e, CC, director administrativo dessa empresa, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente, o montante global de €160.800,00, sendo €74.550,00, a título de prejuízo ou dano patrimonial futuro, €56.250,00, a título de outros danos de natureza patrimonial, e ainda €30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, a autora alega que trabalhou para a ré sociedade, durante vários anos, inicialmente, com a categoria de montadora de calçado e gaspeadeira, e, ulteriormente, com a categoria profissional de acabadora de calçado, e que, no exercício dessa sua actividade profissional, ao serviço da ré, após dois anos de exposição a diversos produtos químicos, começou a apresentar dificuldades respiratórias, que careceram de tratamento hospitalar, vindo a ficar ciente dos riscos de poder contrair asma brônquica, no caso de continuar sujeita à aludida exposição de produtos químicos.

Apesar de ter dado conhecimento à ré sociedade dos referidos riscos, desde logo, por intermédio do réu, a quem competia a direcção e gestão dos recursos humanos da empresa, propondo mesmo a mudança de posto de trabalho, a verdade é que os réus não atenderam às suas preocupações, mantendo a autora no mesmo posto de trabalho, o que, com o decorrer do tempo, foi agravando a sintomatologia evidenciada, motivando diversos períodos de baixa médica, até que lhe foi diagnosticada asma brônquica, agravada pela ocupação.

A asma brônquica é uma doença que afecta, profundamente, as vias respiratórias e é muito limitativa da capacidade de trabalho, sendo certo que, em resultado da referida doença, advieram para a autora prejuízos, de natureza patrimonial e não patrimonial, que enumerou e concretizou, e dos quais pretende ver-se ressarcida.

Na contestação, os réus impugnam parte substancial da factualidade que integra a causa de pedir da ação, nomeadamente, a que aponta para a imputação a ambos da responsabilidade pela ocorrência da doença da autora e consequentes danos, de natureza patrimonial e não patrimonial.

Com efeito, os réus alegam que os serviços médicos internos da empresa nunca reportaram as patologias agora invocadas pela autora, não obstante os exames prescritos, nem a autora delas deu conhecimento aos réus.

Na réplica, a autora conclui como na petição inicial.

O Instituto de Segurança Social, I. P., veio aos autos deduzir pedido de reembolso do montante que pagou à autora, a título de subsídio de doença, que teve como causa a conduta, alegadamente, negligente, descrita na petição inicial daquela, propugnando pela condenação dos réus no pagamento do montante global de €2.125,69, acrescido de juros moratórios legais, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Os réus contestaram este pedido formulado pelo Instituto de Segurança Social, I. P.

O Supremo Tribunal de Justiça declarou a competência material da jurisdição comum do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, por acórdão transitado em julgado.

A sentença julgou a ação, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos deduzidos pela autora e pelo interveniente principal, Instituto de Segurança Social, I. P.

Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, e, em consequência, julgou a acção, parcialmente, provada e procedente, condenando os réus, “BB (PORTUGAL) – ..., LDA.”, e CC, solidariamente, a pagarem à autora, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de €59273,72 (cinquenta e nove mil duzentos e setenta e dois euros e setenta e dois cêntimos), sendo €34 273,72 (trinta e quatro mil duzentos e setenta e três euros e setenta e dois cêntimos), a título de perda da capacidade de ganho, e €25000,00 (vinte cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, de acordo com o disposto pelo artigo 805, nº 2, b), do Código Civil, à taxa legal, desde a citação e até integral e efectivo pagamento, e, no que vier a liquidar-se em execução, relativamente aos custos do acompanhamento médico de que a autora carecerá, durante toda a vida, e dos custos dos transportes para lhe aceder, tendo confirmado a decisão recorrida, quanto ao pedido formulado pelo interveniente principal, Instituto de Segurança Social, I. P.

Deste acórdão da Relação do Porto, os réus interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, repristinando-se a douta sentença de 1ª instância, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: 1ª - O acórdão recorrido, na parte em que trata do «mérito da ação» (fls. 50S-verso e segs.), estriba-se num conjunto de considerações infundamentadas, não constantes dos factos provados, de que não podia lançar mão, como se discrimina : Fls. 50S-verso: «Na empresa, dada a sua dimensão, número de trabalhadores, e diversidade de tarefas que as pessoas com a qualificação profissional da A. desempenham ao nível da produção de sapatos, com grande facilidade poderia ter impedido que a A. continuasse a contactar directamente com os produtos químicos que tanto a afectavam, mas nenhuma medida tomou nesse sentido até a A. deixar de ser sua trabalhadora».

Tal atitude por parte da R. configura uma violação ilícita da integridade física da A., imputável à R. a título de negligência, pois, dado que na sua qualidade de entidade empregadora tinha o dever de garantir não só as condições de segurança no trabalho que se não mostram asseguradas, mas, também, ter em conta a particular situação de fragilidade da saúde da A., e, permitir-lhe que ela desempenhasse tarefas profissionais compatíveis com a sua condição de saúde. A violação apresenta-se verdadeiramente grave porque a R., sem qualquer prejuízo para o normal desenvolvimento da sua actividade poderia ter efectuado a transferência de local de trabalho da A, sendo a sua inércia de acentuado desvalor, considerando a visibilidade das queixas e sofrimento experimentado pela A, e, reconhecível pelos seus colegas de trabalho e chefias

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Fls. 506-verso : «Estamos face a uma conduta omissiva, porque se não adoptaram os procedimentos possíveis e adequados a evitar ou, pelo menos, minorar os danos mais que previsíveis que vieram a ocorrer, em concreto, a mudança de posto de trabalho da A. por forma a permitir-lhe não contactar directamente com os produtos químicos que causavam prejuízo à sua saúde».

o comportamento da R., tendo em conta as circunstâncias concretas que envolveram a actuação omissiva, as condições de saúde da A, e a facilidade com que uma empresa de grande dimensão como a Ré, onde existem diversas linhas de produção, e uma pluralidade de tarefas que a A. poderia ter desenvolvido sem estar exposta aos químicos que muito a afectavam, é merecedor de uma juízo de censura, tendo em conta os valores fundamentais da nossa comunidade jurídica, o que permite qualificá-lo de culposo, ainda que imputável apenas a título de negligência

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  1. - Estas afirmações feitas pelo acórdão recorrido são um excesso, não têm apoio nos factos provados e portanto são gratuitas e infundamentadas, não podendo ser consideradas e devendo portanto ser dadas como não escritas.

  2. - Os recorrentes não violaram nenhuma norma legal, de segurança/saúde no trabalho ou qualquer outra, nomeadamente relativa à imputada obrigação de mudar a A. de posto de trabalho, que o acórdão recorrido não fundamenta, nem adotaram nenhum comportamento censurável, para com a A./recorrida.

  3. - Ou seja, não ficou provada qualquer conduta ilícita e culposa dos RR.

  4. - O facto da resposta aos quesitos 12° e 13° é vago demais para fundamentar o que quer que seja (itens 12° e 13°; provado apenas que a autora foi dando conta ao réu CC, verbalmente, de que sofria de alergias - irritação a nível das mucosas nasais -, tendo-lhe sugerido que a transferisse de posto de trabalho, de modo a não contactar com os produtos irritantes).

  5. - Os factos ora aditados dos quesitos 11° e 18°, de comunicação da doença e do pedido de mudança de posto de trabalho, sem a prova de qualquer outra circunstância relativa à empregadora, não impunham nenhum dever ou obrigação acrescida.

  6. - Não se alegou nem se provou que houvesse um qualquer posto de trabalho, disponível e vago, a que a A. pudesse ser avocada, sem o contacto com os produtos próprios da indústria do calçado.

  7. - Não havia nenhuma obrigação dos RR. de mudar a A. de posto de trabalho nem fundamento clínico (o serviço da medicina no trabalho desconhecia) ou jurídico para acolher a sugestão, face à resposta negativa do quesito 11° e à resposta dos quesitos 12° e 13° e 11° e 18°.

  8. - A A. exercia funções correspondentes à sua categoria profissional, de montadora de calçado [facto 2.1.3 - alínea D) dos factos assentes], na secção própria, pelo que não havia motivo para alterar o quadro, legal, em que desempenhava o seu múnus.

  9. - Não se fez prova de que a empregadora pudesse encaixar a A. noutro posto de trabalho, sem contacto com produtos químicos, ou que a A. pudesse desempenhar outras funções fora do ambiente da produção em que trabalhava, com as outras colegas, sem qualquer discriminação.

  10. - Não alegou nem fez prova de poder trabalhar noutras funções (qualificações e habilitações para outra função/profissão) ou que a empregadora pudesse avocá-la a outro posto de trabalho, desligado ou sem contacto com químicos - posto esse que teria de estar vago e disponível.

  11. - E mesmo assim sempre teria de se analisar se a empregadora estava obrigada - e não estava - a mudar a trabalhadora para funções para que não tinha sido contratada...

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