Acórdão nº 176/13.7JAFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. - No âmbito do processo nº 176/13.7JAFAR da Instância Central de Faro, 1ª Secção Criminal, Juiz 2, AA foi julgada e condenada pela prática, em autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 131º e 132º nºs 1 e 2, al. b) do C. Penal, na pena de 13 anos e 6 meses de prisão.

Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que foi julgado improcedente.

Interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas conclusões da sua motivação defende em síntese que: Quanto ao «enquadramento jurídico-penal»: - Não se pode ter como verificada a qualificativa “especial censurabilidade” sufragada pelo Tribunal da Relação e condenar a recorrente pelo crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos arts. 131º, nº 1, 132º, nºs 1 e 2, al. b) e 26º do C. Penal pois o ciúme não pode ser considerado um motivo fútil.

- Além disso, na noite em que ocorreram os factos a recorrente foi uma vez mais vítima violência doméstica com agressões verbais e físicas por parte do seu companheiro.

- E nessa mesma madrugada descobriu que aquele tinha um relacionamento.

- A conduta da recorrente deve ser analisada tomando em consideração o conjunto de circunstâncias que antecederam o acto punível e não apenas uma parte delas justificando a especial censurabilidade com os ciúmes e a vontade de se vingar.

- Considerando tudo o que se passou não se mostra preenchido um tipo de culpa agravado pois não há qualquer resolução previamente tomada nem qualquer persistência de vontade de matar tudo se passando numa noite para esquecer, em contínuo e em natural sucessão.

- No caso, pode-se considerar que a recorrente actuou num estado de exaltação e perturbação psicológica que resultou de um acumular de situações geradoras de um conflito interior que durava há bastante tempo e que levou ao fenómeno de transbordamento, da descarga afectiva.

- Daí se dever considerar, face ao circunstancialismo apurado, que se está perante um homicídio privilegiado com diminuição sensível da culpa enquadrando-se a conduta da recorrente no art. 133º do Código Penal a que corresponde pena máxima de 5 anos de prisão devendo à recorrente ser aplicada a pena de 3 anos de prisão com a respectiva execução suspensa.

Quanto à «medida da pena»: - Ainda que se entenda ter a recorrente cometido o crime que lhe está imputado face à matéria de facto provada sobre a sua personalidade (pessoa humilde, pacata, bondosa), sobre a sua situação familiar (tem uma filha de sete anos de idade e família que a estima e apoia) e sobre o seu comportamento anterior e posterior aos factos a pena deve ser reduzida o mínimo legal de doze anos de prisão.

O magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso remetendo para o “parecer” que havia dado aquando do recurso para a relação.

Neste Supremo Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto atendendo às concretas circunstâncias factuais entendeu que embora se possa admitir que o ciúme não é nem foi motivo fútil, o desejo de vingança manifestado é manifestamente desproporcionado e, por isso, especialmente censurável. No tocante à medida da pena considerou-a adequada.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP sem que houvesse resposta ao parecer.

* 2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados e não provados foi o seguinte: 2.1.

Factos provados (transcrição): 1° - A arguida AA e BB, natural de ..., nascido a ..., viveram em comunhão de facto, durante cerca de oito anos - desde 2005 até Junho de 2013- numa casa sita no Bairro ....

  1. - Desse relacionamento nasceu ..., a ....

  2. - A arguida e BB mantinham um relacionamento conflituoso, com discussões frequentes, muitas vezes motivadas pelos ciúmes e também pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas e de produto estupefaciente, normalmente haxixe (canábis) por parte de BB.

  3. - Muitas vezes e na sequência dessas discussões, BB molestava a arguida com socos, bofetadas e pontapés, sendo que por vezes, também a arguida ripostava, agredindo corporalmente BB.

  4. - As situações mais graves culminavam, por vezes, com a saída da arguida AA da residência, acompanhada da sua filha, refugiando-se na casa da sua mãe, sita em ....

  5. - O casal acabava posteriormente por se reconciliar, regressando a arguida AA à residência referida no facto provado 1°.

  6. - BB exerceu a profissão de pintor da construção civil, actividade que não executava com regularidade, e encontrando-se desempregado nos tempos mais recentes.

  7. - O mesmo acontecia com a arguida AA que exercia funções de copeira.

  8. - Nos últimos meses tinham estado ambos desempregados, pelo que se sustentavam também com a ajuda da mãe da arguida.

  9. - Especialmente a partir de Abril de 2013, com o aumento do consumo de álcool por parte de BB, as altercações entre o casal ocorreram quase diariamente.

  10. - No dia 25 de Maio de 2013, BB após ter ingerido bebidas alcoólicas desferiu na arguida vários murros, tendo esta ficado com diversas lesões designadamente, um hematoma no olho esquerdo.

  11. - A arguida não denunciou este episódio, nem outros, às autoridades competentes.

  12. - No dia 3 de Junho de 2013, a arguida AA começou a trabalhar, como copeira, num bar de praia, sito em Vilamoura, deslocando-se para o efeito, todos os dias a pé, para aquela localidade, uma vez que não existiam transportes públicos que servissem.

  13. - No dia 8 de Junho de 2013, quando regressou a casa, depois do referido trabalho, pelas 19H30, a arguida deparou-se com a porta de casa fechada à chave.

  14. - E, uma vez que apenas BB possuía a chave de casa, a arguida, contactou-o através do telemóvel e ficou a saber que o mesmo estava num café, acompanhado da filha, onde a arguida também se deslocou, tendo aí ambos discutido.

  15. - BB foi depois fazer algumas compras para o jantar, tendo após o seu regresso, pelas 21H15, ocorrido nova discussão entre ambos, o que terá em parte se passado na presença das testemunhas CC, DD (respectivamente tio e prima de BB) e de outro indivíduo conhecido por Lança.

  16. - Nessa sequência BB saiu da residência, pelas 21H30, acompanhado do CC e do individuo conhecido por ..., fim de se deslocar a uma festa, que estava a decorrer nas proximidades da residência, enquanto a arguida AA permaneceu na sua residência com DD.

  17. - BB regressou a casa pelas 02H00, do dia 9 de Junho, e voltou novamente a sair. Todavia, durante a sua permanência na residência BB discutiu com a arguida e chamou-a de "vaca" e de "puta", tendo esta chamado BB de "cabrão".

  18. - Nessa altura encontrava-se em casa um individuo conhecido por EE, um conhecido do casal, que por vezes, pernoitava na referida residência, tendo a arguida pedido que ficasse a dormir naquela noite, com receio do que pudesse vir a acontecer, o que o mesmo anuiu.

  19. - BB regressou novamente a casa, pelas 03H30, do mesmo dia, altura em que voltou a discutir com a arguida. Desta vez e na sequência dessa altercação, BB agarrou a arguida pelo pescoço e desferiu-lhe uma pancada na cabeça com uma garrafa de cerveja.

  20. - Em resultado dessa discussão, cerca das 03H45, compareceu, no local, uma patrulha da GNR, constituída pelos militares ... e ..., os quais tomaram conta da ocorrência.

  21. - Ao se aperceber da presença da GNR e com receio de ser detido, BB fugiu da residência, pela janela, tendo para o efeito saltado do 2° andar.

  22. - Em momento posterior ao descrito no facto provado 22°, BB deslocou-se ao Bar "Tropix" em ....

  23. - Para se aceder ao referido bar "Tropix" é necessário subir uns degraus.

  24. - O referido Bar "Tropix" é composto por uma sala ampla com mesas e cadeiras em volta de um balcão corrido com bancos altos; num compartimento anexo existe uma sala de Jogos.

  25. - Devido à pressa com que saiu da residência, nas circunstâncias descritas nos factos provados 21 ° e 22°, BB deixou esquecido na residência, o seu telemóvel, com o n.º ..., marca "Samsung", modelo "GT-S5230" IMEI ....

  26. - Por sua vez a arguida AA, após a saída dos militares da GNR da sua residência, apercebeu-se de que BB se havia esquecido do telemóvel.

  27. - Nessa altura e por curiosidade acedeu ao telemóvel, na presença do individuo conhecido por EE, e verificou que o mesmo tinha recebido e enviado várias mensagens, de e para o n.º ..., pelo que as abriu e leu.

  28. - Essas mensagens tinham sido enviadas por FF.

  29. - Entre outras, no referido telemóvel, encontravam-se as seguintes mensagens, trocadas entre ambos: Dia 09.06.2013, pelas 01H37, mensagem enviada pelo telemóvel com o n.º ... para o telemóvel de BB: «Vou ficar a espera ou assutastete?bjs» Dia 09.06.2013, pelas 01H55, mensagem, enviada pelo...

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