Acórdão nº 2583/05.0TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, LDA, que anteriormente se denominava CC, Lda., e DD, Lda, pedindo que se declare nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada no dia 27/1/2005 no Cartório Notarial da Moita, em virtude de o mesmo ser absolutamente simulado; para ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2ª R. do prédio prometido vender à A., inscrito a favor da 2ª R., notificando-se para o efeito a Conservatória do Registo Predial de Palmela e ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da 1ª R. a favor da A.; subsidiariamente e para o caso de tais pedidos serem julgados improcedentes, que se condene a 1ª R. como única e exclusiva responsável pelo incumprimento do contrato-promessa de compra e venda que a 23/5/2001 celebrou com a A. e, em consequência, ser a 1ª R. condenada a pagar à A. a quantia de 42.000.000$00 ou 209.495,12 € correspondente à devolução do sinal em dobro; para as RR. serem condenadas a reconhecer o direito de retenção da A. sobre o imóvel que a 1ª R. lhe prometeu vender pelo contrato-promessa de compra e venda celebrado a 23/5/2001 até que a A. veja satisfeito o seu crédito por parte da 1ª R.; para ambas as RR. serem condenadas a ver judicialmente declarada a procedência da impugnação pauliana deduzida pela A. e, por via disso, a ver judicialmente declarada a ineficácia da transmissão realizada pela 1ª R. à 2ª R. e, em consequência, a reconhecerem que à A. assiste o direito de se fazer pagar, com exclusão de outrem, pelo seu crédito pelo produto da venda do bem imóvel que a 1ªR. prometeu vender à A.

Alegando, para tanto, e em suma: Celebrou com a 1ª R. um contrato-promessa de compra e venda em que a A. prometia comprar e a R. prometia vender a fracção autónoma, designada pela letra G correspondente à moradia sete, destinada a habitação e garagem, a qual faz parte do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ... , …, freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, então omisso na matriz, actualmente com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º …. O preço de venda ajustado foi de 38.000.000$00 ou 189.543,20 €, e na assinatura do contrato a A. entregou à 1ª R. a quantia, a título de sinal e princípio de pagamento, de 10.000.000$00 ou 49.879,79 €. A escritura pública de compra e venda realizar-se-ia após o trânsito em julgado da sentença que decretasse o divórcio da A. e do então marido e até 31/1/2002, em data e Cartório a designar por esta, com a obrigação de avisar a 1ª R. com a antecedência mínima de 5 dias. A A. entrou na posse da moradia com a assinatura do contrato. À data da celebração do contrato-promessa a 1ª R. designava-se por CC, Lda., e eram sócios EE e FF, pertencendo a gerência aos dois e vinculando-se com a assinatura de ambos. A A. e os sócios da 1ª R. tinham uma relação de muita proximidade pessoal, bem sabendo estes que à data da celebração do contrato-promessa a A. estava a ultimar os procedimentos legais para se divorciar do então marido e que só tinha interesse na celebração da escritura pública de compra e venda na condição de divorciada. No decurso do ano de 2000 a A. e o então marido decidiram divorciar-se, dando entrada da acção em Maio de 2001 no Tribunal de Família e Menores de Setúbal. Sucede que, não obstante algumas tentativas de acordo, tal processo veio a arrastar-se até 2/2/2005, vicissitudes das quais os sócios da 1ª R. tiveram conhecimento, sempre acordando em prolongar a data para a celebração da escritura até à data em que a A. se viesse a divorciar. Tanto assim foi que em 23/6/2001 fixou-se um reforço de sinal no montante de 23.000.000$00 ou 114.723,52 €, mas que a A. não logrou pagar por desentendimentos com o seu ex-marido. Assim, o sócio da 1ª R. EE acordou com a A. na celebração de um segundo contrato-promessa em que figurava como promitente compradora a filha da A., sendo certo para as partes, no entanto, que o contrato que as vinculava era o celebrado anteriormente com a A. Esta e a 1.ª R. acordaram verbalmente que a escritura pública só seria outorgada quando a A. tivesse condições financeiras para pagar a parte restante da dívida, comprometendo-se, contudo, a, sempre que o conseguisse, reforçar o sinal e princípio de pagamento, pagando todavia os juros legais que se vencessem sobre a parte do preço em dívida até à data da outorga da escritura. Até 31/3/2005 a A. entregou à 1ª R. a quantia total de 21.000.000$00 ou 104.747,56 €. A A. celebrou ainda em 15/7/2002 um contrato de arrendamento da fracção com a GG - Sociedade Industrial de Refrigerantes, SA, contrato assinado pela filha da A., o que foi do conhecimento e incentivado pelo sócio da 1ª R. EE. Sucede que, em Janeiro de 2005, a A. recebe uma notificação judicial avulsa requerida pela 1ª R. para que a A. confirmasse em 15 dias se pretendia ou não adquirir a moradia objecto do contrato-promessa e, em caso afirmativo, proceder à marcação da escritura de compra e venda informando a 1ª R. da data e local da realização da mesma e proceder ao pagamento do preço na data da realização da escritura. Caso não houvesse por parte da A. qualquer comunicação, a 1ª R. consideraria o contrato celebrado resolvido. A 17/1/2005 a A. envia à 1ª R. uma carta registada manifestando expressamente a continuação do interesse no negócio. Em 2/2/2005 a A. e o seu então marido divorciaram-se, tendo a A. solicitado uma certidão da moradia junto da Conservatória do Registo Predial, tendo constatado que a moradia havia sido vendida pela 1ª R. à 2ª R., compra e venda registada em 31/1/2005. Esta venda foi efectuada por conluio entre os anteriores sócios da 1ª R., com intenção de enganar a A., uma vez que nem a 1ª R. quis vender, nem a 2ª R. quis comprar, sendo sócio desta 2ª R. o anterior sócio da 1ª R. FF. A 1ª R. locupletou-se indevidamente com a quantia já paga pela A. Ficou ainda a A. a saber que sobre a moradia incidiam duas hipotecas a favor do BIC nos montantes máximos de 926.736,60 € e 340.629,08 €. A A. nunca perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo; o facto de apenas constar no contrato-promessa a assinatura de um dos gerentes é imputável aos sócios da 1ª R. que a convenceram da desnecessidade de tal procedimento notarial, todavia as partes não quiseram afastar o regime da execução específica que expressamente fizeram consignar no contrato-promessa. A moradia deve ser vendida livre de ónus ou encargos e a moradia está na posse da A. desde o dia 23/5/2001. Alega ainda a A. para fundamentar o pedido subsidiário que o incumprimento do contrato-promessa é exclusivamente imputável à 1ª R., pelo qual esta deve ser condenada na restituição do sinal em dobro. Acontece que a 1ª R. não tem bens ou rendimentos susceptíveis de fazer reunir o dinheiro necessário à restituição do sinal em dobro, só o produto de venda da moradia é adequado a satisfazer o crédito que a A. detém sobre a 1ª R. A ineficácia da venda resulta de as RR. terem celebrado uma escritura de venda de modo a conseguirem uma substancial diminuição da garantia patrimonial do direito da A. a obter a devolução do sinal em dobro. O valor declarado na compra e venda efectuada pelas RR. é muito inferior ao valor pelo qual a A. ia adquirir a moradia.

Devidamente citadas, vieram as RR. contestar, invocando a DD, LDA. a nulidade do contrato-promessa por se encontrar assinado apenas por um dos sócios gerentes, sendo que a sociedade só se obrigava com a assinatura de dois. Por outro lado, na data da assinatura do contrato, o sócio FF não teve conhecimento do mesmo, uma vez que nessa altura estava já de saída da sociedade, sendo apenas formalmente sócio gerente da 1ª R., da qual veio a renunciar à gerência e ceder a sua participação ao outro sócio em 28 de Maio de 2001; tão pouco este sócio conhecia a A. e não teve qualquer interferência no negócio. Em Dezembro de 1999 a 1ª R. contratou um empréstimo junto do BIC, do qual ambos os sócios, bem como a esposa de FF se constituíram avalistas; em Maio de 2004 o sócio FF foi confrontado pela entidade bancária com o incumprimento contratual da 1ª R., com a iminência de a mesma reclamar judicialmente o seu crédito. Entrou assim em negociações com a entidade bancária com vista a resolver o incumprimento contratual. O BIC, para além dos avalistas, tinha a hipoteca de dois imóveis, entre os quais o imóvel objecto destes autos. No âmbito das negociações encetadas, propôs-se como acordo de resolução que fosse entregue ao Banco um dos imóveis e que o outro passasse para a propriedade do avalista contra o pagamento de 175.000,00 €. Porque o avalista FF era sócio-gerente da 2ª R., empresa ligada à construção, ficou acordado que seria esta empresa a viabilizar a operação liquidando ao BIC a quantia de 175.000,00 €, desobrigando assim o avalista FF e esposa das obrigações assumidas, operação que veio a concretizar-se em Janeiro de 2005. Em momento algum foi intenção do avalista conluiar-se com o seu ex-sócio no sentido de defraudar os interesses da A., sendo a sua intervenção motivada pelo facto de a 1ª R. e o seu sócio EE não terem logrado satisfazer as obrigações assumidas perante a entidade bancária. Assim, a 2ª R. tem a posse do imóvel desde Janeiro de 2005. Invoca a litigância de má fé da A...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT