Acórdão nº 342/13.5PGPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução22 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - Nos autos de processo abreviado nº 342/13.5PGPDL, da Comarca dos ... - Inst. Local - Secção Criminal, J1, foi julgado o arguido AA, com os demais sinais dos autos, após o que o Tribunal, por sentença oral de 3 de Março de 2014, decidiu “julgar improcedente a acusação e em consequência absolver o arguido AA, da prática, em autoria material, do crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.° n.º 1 e 204.° n.º 1 al. b), ambos do CP, pelo qual vem acusado.” Mais julgou o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante BB, id. nos autos, improcedente por não provado e, em consequência, dele absolveu o demandado AA.

- Da referida decisão recorreu a assistente BB para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por seu acórdão de 2 de Dezembro de 2014, decidiu: “Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando provimento ao recurso da assistente, acordam: 1. Em alterar a decisão relativa à matéria de facto, nos sobreditos termos; 2. Em considerar o arguido, AA, autor material de um crime de furto qualificado, p.p., pelos arts.203, nº1 e 204, nº l, al. b, do Código Penal; 3. Em determinar que, em lª instância, seja reaberta a audiência, nos termos do art.371, do CPP, para determinação da sanção por aquele crime, proferindo-se de seguida sentença sobre a questão penal e sobre o pedido de indemnização cível deduzido; 4. Em condenar o arguido em 3Ucs de taxa de justiça.” - Inconformado com a decisão da Relação, dela recorreu o arguido AA para este Supremo Tribunal, concluindo assim a motivação do recurso: “1-0 Acórdão RL recorrido deu provimento ao recurso interposto pela Assistente da Douta Sentença absolutória de 1ª instância, e alterou a matéria de facto antes fixada por esta, ora considerando autor do furto o arguido AA.

2- A Sentença de 1ª instância absolveu o arguido "(. .. ) da prática, em autoria material, do crime de furto qualificado", assim como do P.I. Cível, por existir "uma dúvida insanável que não consegue ultrapassar com a prova que foi produzida em audiência de julgamento".. "Foram apresentadas duas versões dos factos.” 3~ Como refere a Sentença, o Arguido negou a prática dos factos; os depoimentos da Assistente e Testemunha ... não foram conclusivos com segurança relativamente ao arguido (ambas analisaram a situação num estado de perturbação): a sra Luísa estava abalada e chama a amiga assistente para a ajudar; esta última perturbada com o acto fortuito do furto do seu dinheiro e vê o carro Toyota verde com o ladrão a alta velocidade, sabendo que o Arguido tinha um Toyota verde, fez uma associação de ideias: Toyota verde- Arguido, e fica convicta que o Arguido seria o ladrão. A Sentença considerou: "É muito fácil para si associar a ideia: "Foi ele, foi ele---"(-.J "Isto acontece, não é estranho, as Testemunhas têm a percepção da realidade pela construção mental que fazem.

" 4- A Sentença foi absolutória porque considerou o depoimento da Testemunha ... como: "a pessoa mais isenta, mais afastada desta situação, que está ocasionalmente no local transeunte, não tem qualquer interesse nenhum nisto, não conhece as pessoas ( ... ) vê que o condutor tem uma madeixa loira e as Testemunhas que foram a seguir depor foram unânimes a dizer que o arguido nunca teve madeixa loira,( ... )e nem a Assistente nem ... falaram nesse aspecto.( ... )E a prova foi produzida toda de seguida." 5-A Sentença absolutória também constatou que a Assistente e a Testemunha ... abordaram o arguido e este livre e espontaneamente vai a casa mostrar o seu carro, e nesse momento não estava a Polícia - e conclui: "Quem furta em princípio não é lógico, de acordo com as regras da normalidade, que vá mostrar o carro." 6-Atendeu ao depoimento da Testemunha Dª ...: “o seu depoimento foi muito relevante e a forma como o prestou, nomeadamente o facto desta Testemunha ter esclarecido que a Ofendida quando viu o carro do Arguido terá pedido desculpas, e dito que o carro deste não estava em más condições como o outro carro momentos antes." 7-A Sentença também apreciou e concluiu: "Quando chega a PSP e a pressão, acaba a Assistente por mudar a versão. A PSP não faz muitas diligências. Não há documentos que indiquem que outras diligências tenham sido efectuadas." E considerou o depoimento da Testemunha ... que presenciou à data dos factos o Arguido dizer: "Não fui eu, não fui eu ...''- após questionado pela Assistente. O depoimento da Testemunha ..., a Sentença considerou que "foi uma pessoa confusa, humilde." 8-Após análise critica de toda a prova produzida em julgamento e gravada, a Sentença concluiu, e bem, que: “a abordagem do vulto e a forma como foi feita, não foi alcançada a certeza de ter sido o Sr. Paulo, arguido". "Tenho dúvidas sérias que tenha sido o Sr. a praticar estes factos. Não foi feita prova de que tenha sido o Sr." E, por conseguinte, na esteira do Princípio "in dúbio pro reo" e das regras legais de valoração da prova, absolveu, a nosso ver justamente, o arguido que se diz inocente.

9-A Assistente recorreu desta Sentença para o Tribunal da RL. invocando alegado vício p. no artº 410/2, c) CPP e pugnando pela condenação do arguido imputando ao mesmo a autoria do ilícito de que vinha acusado. Não recorreu da matéria cível.

10-Em resposta a esse recurso da Assistente, quer o Arguido, quer o M.P. que interveio no julgamento em 1ª instância, pugnaram pela improcedência do recurso por inexistir erro notório na apreciação da prova pela Sentença absolutória, e por a Assistente no seu recurso não impugnar a m.f. dada por provada e a não provada, limitando-se a impugnar a convicção adquirida pelo Juiz "a quo" sobre a autoria dos factos, em contraposição com a que sobre os mesmos a Assistente adquiriu em julgamento, olvidando esta Assistente a regra da livre apreciação da prova (artº 127ºCPP) bem aplicada pela 18 instância.

11-0 Acórdão aqui recorrido, veio ora num "volte face" e de forma porém infundada, dar provimento ao recurso da Assistente, decidindo: "1-Em alterar a decisão relativa à matéria de facto, nos sobreditos termos''; "2-Em considerar o arguido, AA, autor material de um crime de furto qualificado, p.p., pelos arts. 203, nº 1 e 204°, nº1, al.. b, do Código Penal"; "3-Em determinar que, em 18 instância, seja reaberta audiência, nos termos do art. 371, do CPP, para determinação da sanção por aquele crime, proferindo-se de seguida sentença sobre a questão penal e sobre o pedida de indemnização cível deduzido. " 12-Salvo o devido respeito, o Acórdão ora recorrido não podia nem devia ter alterado a matéria de facto nos termos que o fez, ou seja não podia nem devia ter proferido decisão considerando o arguido como o autor do furto.

13-A Lei é exigente quanto ao recurso em m.f. (artº 412°/3,4 CPP), a modificabilidade da Sentença de 1ª instância só pode ocorrer nos termos do artº 431° CPP, entre os quais a impugnação da m.f. nos termos artº 412º/3 CPP. O Tribunal da Relação não pode sem mais sindicar os meios de prova de que se valeu a 1ª instância ao dar como provados certos factos e não outros.

14-Torna-se necessária a indicação expressa dos concretos pontos de facto e das concretas provas que para esses concretos pontos de facto impõem decisão diversa da recorrida. Como impõe o artº 412°/4 CPP, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida devem fazer-se com referência ao consignado na Acta, devendo o recorrente indicar concretamente a passagem em que se funda a impugnação com referência aos suportes de gravação da prova em julgamento.

15-Por outro lado, atento o princípio da livre apreciação da prova (artº 127° CPP) a valoração da prova efectuada pela 18 instância não se confunde com o modo da sua impugnação em recurso sobre a m.f., este que devendo obedecer a forma processualmente válida não se traduz em mera exposição pelo recorrente do como em seu entendimento faz a vaio ração da prova, sob pena de o recorrente limitar-se a impugnar a convicção do Tribunal de 1ª instância.

16-8asta ler o teor das conclusões do recurso interposto pela Assistente para a Relação de Lisboa - transcritas no Ac. ora recorrido- para se concluir que aquela não cumpriu com as exigências processuais legalmente impostas para efectivo exercício do recurso em matéria de facto. Se o não fez, "sibi imputat".

17-Verifica-se pois que o Acórdão recorrido ao admitir e ter julgado o recurso como se fosse de impugnação da matéria de facto, quando em bom rigor não o era, incorreu pois em excesso de pronúncia (art«' 379°/1,c) (2ª parte) e 425°/4 CPP), pois não podia conhecer o recurso nesses termos.

18-E o Acórdão recorrido afinal deu provimento a esse recurso e alterou a m.f. fixada na 1ª instância, dando ora como provado ser o arguido o autor do furto objecto dos autos, quando a Sentença de 1ª instância considerara esse facto não provado e absolvera totalmente o arguido nos autos! 19-0 Acórdáo recorrido conheceu pois de questões que lhe não era lícito conhecer porque não compreendidas no âmbito do recurso interposto pela Assistente. São as Conclusões formuladas no recurso da Assistente que delimitam o objecto deste, e nessas a mesma não impugna a decisão proferida sobre a m.f. provada e/ou não provada nos termos arr> 412°/3,4 CPP.

20-Limita-se aí a Assistente a genericamente tecer considerações relativas à produção e valoração da prova que teve lugar no Julgamento em 1ª instância, concluindo que caso o Juiz tivesse interpretado a prova como a Assistente pugna, poderia alegadamente ter condenado o arguido e não o absolvido.

21- O Acórdão recorrido não poderia ter alterado a m.f. fixada em 1ª instância, pois não tendo a Assistente cumprido o ónus de alegação que sobre si impendia (indicando as provas que impunham a seu ver solução diferente à recorrida, indicação dos segmentos de registo de prova e exactas expressões das testemunhas e depoimentos, não bastando as remissões genéricas para as declarações de que determinada testemunha teria declarado; de que...

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