Acórdão nº 353/13.0PAPNI.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução09 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório i.

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, acima identificados, do 1.º Juizo do Tribunal de Peniche, AA foi submetida a julgamento e condenada, como autora material, de 1 (um) crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas a) (descendente), c) (pessoa particularmente indefesa em razão da idade e doença), d) (prazer em causar sofrimento), i) (meio insidioso), e j) (premeditação) todos do Código Penal, na pena de prisão por 20 (vinte) anos, e no pagamento ao Centro Hospitalar de ..., EPE, da quantia de €17.753,82 (dezassete mil, setecentos e cinquenta e três euros e oitenta e dois cêntimos) relativa aos danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até integral pagamento.

  1. Do assim decidido, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 18 de Setembro pp, viria a confirmar na íntegra a decisão recorrida. Não se conformando com a decisão da 2.ª instância, dela recorreu para este Supremo Tribunal, formulando as conclusões que se transcrevem, apesar da extensão: «A. Por Acórdão proferido nos autos de processo supra referido, que correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Peniche, foi a arguida condenada pela prática de um crime de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art. 131º e 132º nº 1 e 2 al. a), c), d), i) e j) do Código Penal na pena de 20 anos de prisão.

    B. Interposto Recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, veio este confirmar integralmente a decisão recorrida.

    C. Contudo, o Tribunal a quo, fê-lo sem qualquer fundamentação.

    D. Verificando-se assim, omissão de pronúncia da parte do Digníssimo Tribunal da Relação de Lisboa que consubstancia nulidade insanável que deverá ser reconhecida.

    E. É evidente a leviandade com que o presente Acórdão foi redigido, ou melhor dizendo "copiado", isto porque, não obstante as questões suscitadas e a importância da instância de recurso em análise e bem assim o relevo da presente decisão, em excertos da mesma encontramos erros grosseiros de "encaixe" do acórdão ora recorrido, possivelmente a outro já previamente redigido, a titulo de exemplo: F. Desde logo a transcrição das conclusões formuladas pela arguida que não se encontra em consonância com as conclusões efetivamente apresentadas! G. Para além disso ao referir" O grau de culpa é muitíssimo acentuado, com elevada intensidade do dolo (directo), manifesta na vontade firme em tirar a vida à vitima, que é evidenciada pela insistência no atropelamento consecutivo".

    H. Ora a falta de brio com que o Acórdão recorrido foi realizado, não se coaduna com um real e efetivo direito de recurso da arguida.

    I. Pois que a mesma suscitou questões que não só não foram devidamente apreciadas, como o Acórdão recorrido manifesta claramente a leveza com que foi feita tal apreciação.

    J. Estamos a falar de uma pena de prisão de 20 anos, aplicada à arguida, cuja personalidade, conforme é referido no próprio Acórdão recorrido “(…) relativamente à perigosidade independente do quadro psicopatológico, a personalidade da arguida revela imaturidade, uma frágil e negativa representação de si mesma, com perturbações cognitivas e emocionais que causam uma importante instabilidade psíquica e um desajustamento social significativo que causam uma importante instabilidade psíquica e um desajustamento social significativo, pelo que não pode ser em rigor excluída a possibilidade de ocorrerem desorganizações e comportamentos disruptivos em circunstâncias potenciadoras de maior tensão e/ou stress que possam activar a sua conflitualidade interpessoal( …)." K. Cremos até, que sendo reconhecidas tais características de personalidade da arguida, é facilmente constatável que a sua reclusão em meio prisional, não só permite qualquer salvaguarda para a própria, como coloca em risco inclusive todos os que com a mesma vivenciam em espaço prisional.

    L. Pelo que resulta evidente que necessariamente se impõe à arguida aplicação de medida de segurança e não pena de prisão efectiva pois que tal não permite a cabal salvaguarda das necessidade de prevenção quer especial quer geral.

    M. A recorrente delimitou o objecto de recurso a toda a matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos.

    N. Nesse sentido a arguida invocou desde logo a existência de contradição patente contradição entre a matéria dada como provada e a própria decisão.

    O. Elencando que, dos factos provados resultava, desde Jogo no ponto 41. que a arguida atuou livre, voluntária e conscientemente, agindo sem qualquer constrangimento a uma vontade livre e esclarecida, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado pelo Direito.

    P. Resultando igualmente do elenco de factos provados, quanto à personalidade da arguida os pontos 46 a 67 que, são reveladores da falta consciência e até da capacidade de realização de juízo de censura.

    Q. Dos factos provados resulta ainda que pouco tempo antes da prática dos factos, cerca de 3 meses, a arguida “com consumos regulares de haxixe, dificuldades de autocontrolo e verbalizando sentimentos negativos face à mãe e com queixas psicossomáticas, AA foi internada na Psiquiatria no Hospital de..., em Março de 2013".

    R. E bem assim resultara provado que na altura a mesma apresentava ideias delirantes e hetero agressividade, mas tivera alta algumas semanas depois, por não apresentar psicopatologia que justificasse o internamento, embora com necessidade de terapêutica anti psicótica.

  2. Referindo-se no Acórdão, depois em jeito de conclusão, que apesar dos traços psicóticos, a arguida não tem um descontrolo psicótico, mantendo o discernimento, bem como a consciência da Ilicitude.

    T. Omitindo no entanto a pronuncia quanto às conclusões constantes dos relatórios periciais junto aos autos, elaborados pelos mesmos peritos e, conforme transcrição feita pela recorrente em sede de recurso, apontam francamente para reconhecimento de inimputabilidade ou, pejo menos, de imputabilidade diminuída! U. Até porque, dos factos provados resultara que a arguida detém uma personalidade imatura e desequilibrada propensa a uma impulsividade ideativa e comportamental e pautada por traços esquizóides e impulsivos, associados a uma estrutura de personalidade psicótica, como pode depois o Tribunal na sua fundamentação referir que a arguida mantém o discernimento e consciência da Ilicitude.

    V. Existindo patente contradição entre os factos provados, a fundamentação e a decisão em si, ou seja, o Acórdão objecto do presente recurso encontra-se assim ferido de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova nos termos da alínea b), e c) do nº 2, do art. 410º, do Código Processo Penal W. Do teor dos Relatórios periciais junto aos autos é patente a dúvida sobre a imputabilidade da arguida, a fls. 737 e ss dos autos, refere-se que: "Relativamente à escala esquizofrenia, a examinada apresenta igualmente resultados elevados} nomeadamente nas subescalas de ausência de controlo do eu e experiências sensoriais estranhas. Estes resultados indicam-nos que a examinada experiência perda de controlo sobre os seus processos cognitivos e sobre os seus impulsos, com sentimentos de desconfiança para levar a cabo operações cognitivas normais, podendo surgir sentimentos de dissociação de afectos, despersonalização} agitação e hipersensibilidade a um mundo exterior considerado como ameaçador, recorrendo a uma acentuada impulsividade como mecanismo de defesa face ao mesmo".

    X. Ora face a tais conclusões não podia o Acórdão recorrido confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, ao dar por provado o facto 41 da matéria provada, ou seja que a arguida actuou livre, voluntária e conscientemente, sem qualquer constrangimento de vontade.

    Y. É certo que os relatórios junto aos autos concluíram pela imputabilidade da arguida.

    Z. Mas é igualmente certo que, o conteúdo dos mesmos, reflecte claramente a convicção de uma eventual imputabilidade diminuída, ou até temporária, que devia ter sido aquilatada pelo Tribunal.

    AA. O certo é que os Relatórios são omissos na questão de uma eventual imputabilidade diminuída ou temporária, sendo igualmente certo que do teor dos mesmos não pode resultar senão a duvida c1aríssima sobre a imputabilidade da arguida.

    BB. Até porque da leitura atenta dos mesmos não nasce outra convicção que não seja a de que a arguida ao deter, como detém uma personalidade psicótica com traços esquizóides e largo espectro esquizofrénico, não pode ser totalmente capaz de realizar um juízo de censura ético e de se autodeterminar de acordo com o mesmo.

    CC. É latamente contraditório, atento o relatório pericial, onde é referido que a arguida apresenta valores elevados na escala de esquizofrenia que a mesma tenha capacidade de autodeterminação, pois que conforme resulta dos relatórios junto aos autos a mesma têm uma personalidade marcadamente de tipo psicótica com traços impulsivos e esquizóides com acção impulsiva antes do processo de mediação cognitiva.

    DD. Referindo os mesmos que a arguida detém franca ausência de controlo do "eu" pelo que tal facto assente resulta em franca contradição com a alegada capacidade da arguida para avaliar a ilicitude e se determinar de acordo com essa avaliação.

    EE. Assim, errou o Tribunal a quo, e o Acórdão ora recorrido encontra-se entre o mais ferido de nulidade por omissão de pronuncia quanto à questão da eventual imputabilidade diminuída, sobejamente indiciada na prova pericial produzida.

    FF. Tanto mais em face de uma personalidade com altos índices de esquizofrenia, uma vez que conforme, juízo unânime de psiquiatria forense "os portadores de esquizofrenia deverão ser considerados inimputáveis desde que o delito esteja directamente relacionado com a actividade delirante ou alucinatória, em fase produtiva da doença...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT