Acórdão nº 1397/09.2PBGMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução09 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Na 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, e no âmbito do processo comum nº 1.397/09.2PBGMR, com intervenção do tribunal colectivo, que reuniu com a finalidade de proceder ao cúmulo jurídico de várias penas em que havia sido condenado, foi julgado e condenado o arguido AA, por acórdão de 12.06.2014, em que, no que releva para o caso, se decidiu: − Manter a decisão de 11.07.2012 do Supremo Tribunal de Justiça, constante de fls. 450 e seguintes, proferida no Processo nº 831/09.6PBGMR.S1, no que se refere ao cúmulo das penas aplicadas nos processos identificados de 1) a 9) dos factos provados [sendo que, quanto ao referido em 7), apenas as dos factos de 28.02.2007 e 17.03.2007], ou seja, a pena unitária de 6 anos de prisão; - Operar o cúmulo jurídico das restantes penas aplicadas ao arguido no processo elencado em 7) e bem assim nos demais processos, referenciados de 10) a 29), condenando-o na pena unitária de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão e 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).

  1. Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, limitado à impugnação da medida da pena imposta em resultado daquele segundo cúmulo jurídico efectuado pelo tribunal recorrido, tendo concluído a sua motivação nos seguintes termos: «1ª) Salvo o devido respeito, consideramos excessiva a pena unitária aplicada ao arguido de treze anos e seis meses de prisão e duzentos e cinquenta dias de multa à taxa diária de cinco euros, num total de mil, duzentos e cinquenta euros, com o cumprimento de uma outra pena unitária de seis anos de prisão.

    1. ) Na esteira do defendido no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2009, proferido no Processo n.º 577/09, na ausência de regulação há que penetrar na razão de ser do instituto da punição do concurso de crimes, isto é, averiguar o motivo pelo qual o legislador entendeu punir o agente de dois ou mais factos criminosos em uma pena única.

    2. ) O Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 279 e ss.), só o sistema da pena única ou pena do concurso respeita o princípio da culpa e responde satisfatoriamente às finalidades especial-preventivas de aplicação das penas.

    3. ) A mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa, posto que sendo a culpa reportada a cada facto, aferida por várias vezes, ganha um inegável efeito multiplicador.

    4. ) Por outro lado, uma execução fraccionada, por mais que possa ser compensada por uma tendencial unidade de tratamento, colide inexoravelmente com qualquer tentativa séria de socialização.

    5. ) Exigências ligadas à prevenção (sobretudo, da prevenção especial) e ao princípio da culpa constituem, pois, razões determinantes da adopção do sistema da pena única ou pena do concurso.

    6. ) Por outro lado, assumindo entre nós a pena única ou pena do concurso a configuração de uma pena conjunta, cuja medida, de acordo com a lei (parte final do n.º 1 do artigo 77º do Código Penal), é encontrada através da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, há que concluir que o legislador pretende seja o condenado punido pelo conjunto dos factos praticados, ou seja, pelo ilícito global perpetrado, analisado à luz da sua personalidade, tendo presente que a sua personalidade apenas assume relevância para o Direito penal enquanto se actualiza no facto, ou seja, quando é tomada nesse aspecto ou momento limitado da sua dinâmica (da sua "vida") que é exactamente o facto criminoso.

    7. ) Como refere Lobo Moutinho (Da unidade à pluralidade dos crimes no Direito Penal Português, 1263 e ss.), não é a personalidade do agente, em si e por si, ou na sua plenitude, que é materialmente co-‑fundamento da punição, mas tão-somente a personalidade do arguido considerada naquele momento singular e limitado da respectiva dinâmica que foi precisamente o facto criminoso; não o que o agente, de uma forma geral, "é ou tem sido", mas o que o agente "foi" naquele facto e naquele momento. Não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no(s) facto(s), tendo em vista a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 291).

    8. -) Deste modo, sendo determinante na fixação da pena única a consideração e ponderação, em conjunto, dos factos e personalidade do agente, ou seja, um exame e uma avaliação dos factos em concurso à luz da personalidade do delinquente neles manifestada e reflectida, isto é, no momento, dinâmica e contexto em que ocorreram, tendo sempre presente que o está em causa é a punição do concurso de crimes (ilícito global).

    9. ) Pelo exposto, entendemos que no caso concreto estamos perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido.

    10. ) Neste sentido, resultou dos factos provados, bem como resultou do relatório social que o arguido praticou os crimes em questão devido à problemática aditiva, encontrando-se afastado da mesma desde que se encontra preso, permitindo-lhe tal abstinência e o facto de estar preso, ter consciência da ilicitude das suas condutas no passado, e manifestar um sincero arrependimento sobre as mesmas, como aliás consta do douto acórdão recorrido no ponto 41 dos factos dados como provados e do relatório social de fls. 202 a 205.

    11. ) Foi ainda dado como provado no que concerne à problemática aditiva, que o arguido está abstinente, tendo terminado o tratamento que estava a fazer com antagonista e mantendo acompanhamento dos serviços clínicos, mormente nas especialidades de psicologia e psiquiatria, conforme consta do douto acórdão recorrido no ponto 40 dos factos dados como provados e do relatório social de fls. 202 a 205.

    12. ) O arguido tem o apoio e recebe visitas dos seus familiares mais próximos, tendo a possibilidade de se integrar familiar, social e profissionalmente quando terminar o cumprimento das suas penas.

    13. ) Do cumprimento das penas já aplicadas ao arguido só podem resultar vantagens para a reinserção do condenado. São, pois, razões de prevenção especial que fundamentam o regime processual penal, pelo que a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas.

    14. ) No caso concreto, o arguido tem actualmente 27 anos de idade. Atenta a sua juventude, só demonstra que o arguido tem condições e capacidade para se reintegrar na sociedade, mantendo-se afastado da prática de crimes, e por isso é possível emitir um juízo de prognose favorável à reinserção do jovem, tendo em consideração a globalidade da sua conduta, personalidade e as suas capacidades de integração.

    15. ) Evidencie-se, ainda, que o arguido denota um juízo crítico quanto aos factos, nomeadamente os processos em que foi condenado, conforme resulta dos factos provados e do relatório social.

    16. ) Existem, assim, razões para acreditar que da diminuição da pena unitária resultem vantagens para a reinserção social do arguido com vista ao não cometimento de novos crimes, razão pela qual a pena unitária resultante do cúmulo jurídico deverá ser reduzida consideravelmente, aliado ao facto de o arguido ainda ter de cumprir uma pena única de seis anos.

    17. ) O arguido prestou declarações, demonstrou arrependimento e manifestou o propósito de mudar a sua vida e declarou já não ser consumidor de produtos estupefacientes, conforme resulta das declarações do mesmo, conforme acta de audiência de cúmulo de 29 de Maio de 2014, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal.

      Estas circunstâncias impõem que sejam atendidas ao nível da medida concreta da pena.

    18. ) Atentos tais considerandos, acha-se desadequada, injusta e desproporcionada a pena única de treze (13) anos e seis (6) meses de prisão, seguida do cumprimento da pena única de seis (6) anos.

    19. ) Acresce que, a maioria dos crimes praticados pelo Recorrente, objecto do presente cúmulo jurídico aqui posto em crise, foram praticados quando o arguido ainda era menor de 21 anos, uma vez que o mesmo nasceu em 1987, tendo actualmente apenas 27 anos de idade.

    20. ) Ora, conforme jurisprudência unânime, particularmente do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, sempre que esteja a ser valorada a conduta de arguidos, menores de 21 anos, para determinação da medida da pena, o Tribunal, no exercício vinculado de um poder-dever, procederá à ponderação atendendo à idade jovem do arguido, que, sendo mais reeducador do que sancionador, se aproxima dos princípios e regras do direito reeducador de menores, caracterizando-se por uma maior flexibilidade e inclusão das medidas de correcção.

    21. ) Em observância ao disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal, a aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida concreta da pena exceder a culpa do agente (art. 40º do Código Penal), proibindo o nosso ordenamento jurídico as penas exemplares ou as penas que não respeitem os seus próprios fins.

    22. ) O próprio Tribunal a quo reconhece a relação da adição do condenado com os crimes dos autos (aparentemente só o condenado não poderá relacionar essa adição e correlacionar e interligar esse consumo com a necessidade de furtar), e escamoteia que os crimes ocorreram num curto período de tempo, quando o arguido era extremamente jovem, e com o supra referido problema de adição - do qual se encontra abstinente desde a sua reclusão e a necessidade de sustentar - nessa altura - esse seu vício.

    23. ) Sem prescindir do seu livre arbítrio, o Recorrente é o que os pais e a sociedade fizeram dele. Obviamente que características individuais propiciaram o...

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