Acórdão nº 29/09.3FAVPV.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução09 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Angra do Heroísmo os arguidos AA, que foi absolvido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, número 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, foi condenado, como cúmplice, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, número 1, alínea c), e 30.º, alíneas a) e c), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, com a redacção da Lei n.º 17/2009, de 06.05, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,50; BB, que foi condenada, pela prática, como autora material e em concurso real, de um crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21º, número 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelos artigos 86º, número 1, alínea c), e 3º, alíneas a) e c), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, com a redacção da Lei n.º 17/2009, de 06.05, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico foi a arguida condenada na pena única de nove (9) anos de prisão.

  1. Inconformada com a decisão, a arguida BB interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 03.02.2014, negou provimento ao mesmo.

  2. Ainda irresignada, a arguida interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão que manteve a condenação da Arguida BB pela prática de um crime de tráfico, previsto e punível pelo artigo 21º., nº 1 do Dec. - Lei 15/93, de 22.01, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 86º., nº 1, al. c) e 3º, als. a) e c), da Lei/2006, de 23.02, com a redacção da Lei 17/2009, de 06.05, na pena única, em cúmulo jurídico, de 9 (nove)anos de prisão.

  3. O primeiro Acórdão, o do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo, que condena a ora Recorrente BB baseia-se fundamentalmente no facto de esta ter decidido trazer cocaína desde Dakar até Portugal num veleiro. Já com um Skipper contratado, o co-arguido AA, saíram de Dakar e, devido a uma avaria, tiveram de seguir para Cabo Verde. Daí a arguida BB regressou a Portugal de avião tendo combinado com o arguido AA que se encontrariam no porto da Nazaré, para onde este levaria o veleiro. Nesta viagem existiram novas avarias que levaram o arguido AA a seguir para os Açores onde, no dia seguinte a atracar, o veleiro seria inspeccionado e a droga encontrada.

  4. A ora Recorrente não se conformou com tal Douto Acórdão e recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a condenação.

  5. Salvo melhor opinião, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou as seguintes normas jurídicas: Artigos , 13º, 26º e 32º da Constituição da República Portuguesa; Artigos 61º e 343º do Código de Processo Penal.

  6. Considera ainda a Recorrente terem sido incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto: Factos indicados no Douto Acórdão do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo, e replicados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com os números:1, 5 (primeiro 5), 6, 9, 10, 11.

  7. 0 Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu o requerimento da ora Recorrente para haver audiência, na qual se pretendia debater "a questão da hipótese de ser o arguido AA o autor do crime de tráfico, pelo qual foi a arguida BB condenada" alegando que a culpabilidade do arguido AA não podia ser objecto daquele recurso e que um recurso não tem por objecto hipóteses ou suposições.

    7. Entende a Recorrente que a hipótese, ou mesmo a suposição, de ter sido outra pessoa que não a condenada a perpetrar o crime, pode e deve ser objecto de recurso, se daí puder resultar - como, salvo melhor opinião, é o caso - uma certeza da inocência da Arguida ou mesmo que apenas uma dúvida inultrapassável sobre a sua culpabilidade.

  8. Ao indeferir a audiência em Recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa violou, com todo o devida respeito, o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, por não ter assegurado todas as garantias de defesa à Arguida, inclusive a Recurso.

  9. O Tribunal da Relação de Lisboa sustentou a improcedência do primeiro recurso com base, entre outros, nos seguintes argumentos: (Cfr. págs. 24 e 25 do Douto Acórdão) i. a Arguida estaria a utilizar o Recurso para tentar fazer passar uma versão diversa da narrativa das factos, sendo que só o poderia ter feito na audiência de julgamento; e ii a Arguida teria optado por faltar ao julgamento, tendo assim desconsiderado a oportunidade que tinha para apresentar a sua versão dos factos, que se contrapusesse à prova então produzida, não o podendo fazer através do recurso.

  10. A Arguida esteve presente no Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo na data agendada para o julgamento. A mesma foi adiada porque nesse dia se percebeu que um dos juízes que compunham o colectivo estava impedido por ter intervindo na fase da instrução do processo e não havia, à data, mais nenhum juiz na ilha Terceira. Na nova data, a Arguida sentia-se doente e acabou por não se deslocar aos Açores.

  11. Estamos, desde logo, perante uma desigualdade factual entre arguidos, pois, residindo nos Açores, o co-arguido AA teria sempre muito mais facilidade em estar presente na audiência de julgamento, fosse na data originalmente agendada, fosse na data em que efectivamente a mesma se realizou. Tal desigualdade viola, salvo melhor opinião, o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

    12. Ainda que tivesse estado presente na audiência de julgamento, a Arguida poderia não ter falado. E nesse caso, os artigos 61º e 343º do Código do Processo Penal determinam que o seu silêncio não a poderia prejudicar, como claramente aconteceu na apreciação do Recurso feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, por isso violada tais preceitos legais.

  12. Ao recusar-se a, pelo menos, considerar a versão alternativa, ou seja, a hipótese factual que resulta do acórdão conjugado com as regras da experiência comum, alegando que o teria que ter feito na audiência de julgamento, o Tribunal da relação de Lisboa está, salvo melhor opinião, a violar também o artigo 32°da Constituição da República Portuguesa, por não assegurar todas as garantias de defesa à Arguida.

  13. O direito ao silêncio dos arguidos funda-se na própria defesa da Dignidade da Pessoa Humana, prevista logo no primeiro artigo da Constituição da República Portuguesa, e com concretizações práticas nos Direitos Fundamentais previstos no artigo 26º também da Constituição, artigos esses que, salvo melhor opinião, também foram violados pelo Tribunal da relação de Lisboa, ao permitir que o silêncio da Arguida BB a prejudicasse.

  14. A Arguida não tinha que apresentar, em audiência, nenhuma narrativa "...que se contrapusesse à prova que aí foi feita.". Ao considerar que a prova foi erroneamente apreciada e que existem contradições na fundamentação e entre esta e a decisão, pode recorrer e dizer que, do que resulta do Acórdão conjugado com as regras da experiência comum, a versão adoptada pelo Tribunal é menos verosímil que uma outra qualquer que entenda apresentar, o que implica, necessariamente, e caso lhe assista razão, um juízo de dúvida inultrapassável sobre a culpabilidade da Arguida.

  15. A Arguida não sabe se foi o co-arguido AA a perpetrar o crime de tráfico. Por isso não o podia afirmar em audiência de julgamento. O que afirma é que a forma errónea como, do seu ponto de vista, as provas apresentadas em audiência foram apreciadas, bem como as contradições que, para si, resultam da fundamentação e entre esta e a decisão, tudo conjugado com a experiência comum, põe essa hipótese, a de ter sido o co-arguido AA o autor do crime, como mais plausível do que a que conduziu à condenação da ora Recorrente.

  16. Se olharmos para os dois arguidos de forma igual, como obriga o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, com a mesma presunção de inocência, imposta pelo nº. 2 do artigo 32.º, também da Constituição, outra solução não pode haver que não a da absolvição da ora Recorrente.

    Não o tendo feito, o Tribunal da Relação de Lisboa violou, salvo melhor opinião, os referidos artigos 13 e 32º, nº 2, ambos da Constituição da República Portuguesa PARA ALÉM DISSO, 18. A ora Recorrente entende, com todo o devido respeito, que por parte do tribunal a quo existiu um erro notório na apreciação da prova, que conduziu a várias contradições insanáveis na fundamentação e entre esta e a decisão.

  17. O primeiro facto que se encontra, salvo melhor opinião, incorrectamente julgado é, desde logo, o facto indicado com o número 1 (um), mormente na parte em que refere que o veleiro "M..." provinha de Dakar.

  18. Pela prova produzida e plasmada na fundamentação, se considerarmos a viagem toda, desde que se iniciou com destino a Portugal, o veleiro "M..." vinha da ilha Margarita, Venezuela, pilotado por CC, de quem, aliás, foi a iniciativa de fazer a viagem das Caraíbas até à Europa (Cfr. págs. 12 e 13 do Acórdão do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo); ou 21. Se considerarmos o último trecho da viagem até chegar aos Açores, o veleiro "M..." vinha da ilha do Sal, Cabo Verde, pilotado pelo arguido AA (Cfr. págs. 12 e 13 do Acórdão do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo).

    22. Os factos seguintes que se encontram incorrectamente julgados são os factos indicados com os números 5 (cinco), 6 (seis) e 9 (nove), nas partes em que, respectivamente, referem que a arguida BB decidiu levar a cocaína para Portugal; que foi ela que colocou algumas das malas, onde foi encontrada a droga, dentro do veleiro; e que conhecia a natureza da droga que transportava 23. Desde logo, porque não ficou provado que a cocaína foi entregue à arguida BB em Dakar, por pessoa cuja identidade não foi possível apurar; (Cfr. pág. 5 do Acórdão do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo).

  19. Nem fica provado que as malas que a arguida BB levou para bordo já teriam, nessa altura, a droga acondicionada.

  20. Nem sequer podia ficar provado que as malas que...

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