Acórdão nº 593/06.9TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução14 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: “AA, Ldª”, com sede na Rua …, em …, e BB, residente em …, …, ..., propuseram a presente ação de impugnação paulíana, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC, residente na Rua …., lote …, …, S…, DD, residente na …, Rua …, Edifício …, …° andar …, em …, EE, residente no Edifício …, …° andar …, Rotunda de …, n° …, ..., e FF, com domicílio na Rua …, n°…, …, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, se declare "a anulação do contrato de compra e venda da fração autónoma e se ordene o cancelamento da inscrição, a favor das rés DD e EE”, alegando, para tanto, em síntese, que o autor BB, entre 21 de Julho de 2000 e 13 de Junho de 2002, concedeu à ré CC diversos empréstimos, no total de €17.250.000$00 (€86.042,64), de que esta não pagou qualquer importância, sendo certo que a mesma ré, para se eximir ao pagamento das quantias emprestadas, em 12 de Dezembro de 2003, procedeu à venda de uma fração autónoma, a favor das rés DD e EE, suas amigas, tendo o réu FF intervindo no ato, em nome e representação das compradoras, pelo que, em consequência de tal venda, a aludida ré CC ficou impossibilitada de satisfazer o crédito do autor BB.

Na contestação, os réus DD, EE e FF, arguem a ilegitimidade dos dois últimos, assinalando para tal que a ré EE interveio no acto apenas na qualidade de fiadora da adquirente, sua irmã, enquanto que o réu FF o fez, em representação da compradora, e, quanto ao fundo da causa, impugnam o conhecimento que lhes é atribuído relativo ao crédito do autor sobre a ré CC, concluindo com o pedido da improcedência da ação.

Na réplica, os autores defendem a improcedência da exceção da ilegitimidade passiva, reclamando a condenação dos réus como litigantes de má-fé.

No despacho unitário de folhas 178 e seguintes, julgou-se improcedente a exceção da ilegitimidade.

A sentença julgou “a acção parcialmente procedente por provada, condenando a 1ª [CC] e 2ª [DD] rés a reconhecerem o direito dos autores à restituição do imóvel acima identificado na medida do necessário para a satisfação dos créditos indicados, podendo o bem ser executado no património da 2ª ré, absolvendo as rés do restante pedido, absolvição que é total em relação aos restantes”.

Desta sentença, apenas a ré CC interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, consequentemente, “revogou a sentença impugnada, absolvendo também as rés CC e DD Isabel dos pedidos contra si formulados”.

Deste acórdão da Relação de Lisboa, os autores interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que mantenha e confirme, na íntegra, a sentença proferida, em primeira instância, deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: 1ª – Os recorridos intentaram no extinto Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais acção de impugnação pauliana contra a recorrente e outros, porquanto emprestaram diversas quantias à recorrente, e que esta, não pagou aos recorridos as quantias que estes lhe emprestaram e, em conluio com a segunda ré, vendeu-lhe uma fracção autónoma, único bem que detinha, para que os recorridos não pudessem cobrar o crédito de que eram credores com recurso à fracção autónoma.

  1. - Acaba a primeira instância por condenar a recorrida e a segunda ré a reconhecer o direito dos autores á restituição do imóvel, na medida do necessário para a satisfação dos créditos dos recorridos, podendo o prédio ser executado no património da segunda ré.

  2. - A recorrente interpôs recurso.

  3. – De notar que a recorrente intervém, pela primeira vez, nestes autos, já na fase de recurso. Não contestou, não teve qualquer intervenção nos autos, nunca nada tendo dito.

  4. - Alegando, em suma, no seu recurso: 6ª - Que, sempre reconheceu a existência de um crédito perante os recorridos.

  5. - Que, foi o facto de estar ciente das suas dívidas que motivou a alienação do imóvel.

  6. - Que, nunca configurou a hipótese de prejudicar o crédito dos recorridos.

  7. - Que, somente pretendeu proceder à liquidação de parle das suas dívidas, anteriores à dos recorridos.

  8. - Que, inexistiu má-fé na actuação da recorrente.

  9. - Pugnando, a fim, pela substituição da douta sentença recorrida por uma que absolvesse a recorrente.

  10. - A recorrente não coloca em crise qualquer matéria de facto dada como assente e provada.

  11. - A recorrente, nas suas alegações de recurso, em ordem a pôr em crise a douta sentença recorrida, não indica quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto impugnada.

  12. - A recorrente limita as suas alegações a um facto: que não estava de má-fé porque não teve consciência das consequências do seu acto de vender a fracção autónoma á ré DD.

  13. - No entanto, 16ª - O Tribunal da Relação de Lisboa, surpreendentemente, diga-se, veio a proferir Acórdão que julga a apelação procedente, revogando a sentença proferida em primeira instância, absolvendo a recorrida e a ré DD.

  14. - Sumariando se 18ª - A má-fé, configurada no n°2 do artº 612º do Código Civil, não se basta com o mero conhecimento pelo adquirente de que “a vendedora tem dividas e que a venda do bem impede os credores de obter pagamento através do valor desse bem", porquanto tal eventualidade é o efeito necessário da alienação e ocorre quer o adquirente esteja de boa quer de má-fé.

  15. – Porquanto, 20ª - Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que, "...ou seja, ao contrário do que foi entendido, a factualidade inventariada na sentença não preenche o requisito da má-fé como é configurado no nº2 do artº 612º do Código Civil".

  16. - Só que, mal andou.

  17. - Na verdade, a sentença proferida em primeira instância não merecia qualquer reparo ou censura.

    ««23ª - Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, pressuposto o objecto do processo delimitado em sede de articulados, como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos artigos 608°, n°2, 609°, 620°, 635", n°2 a 4, 639°, n°1, todos do NCPC.

  18. - A Apelante, que, diga se, nem sequer contestou a acção na primeira instância, na sua alegação recursória, manifesta inconformismo (pela primeira vez) com a decisão que a condenou, pretendendo que se julgue improcedente a acção.

  19. - Esse inconformismo, que tinha de resultar claro das suas conclusões de recurso, acaba por revelar-se numa enviesada impugnação da matéria de facto, porquanto refere-se a matéria dada como assunte.

  20. - É incontornável que se esperava que a Apelante, se pretendia impugnar a decisão de tacto, esclarecesse/concretizasse, não só quais os factos concretos que, na sua óptica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adoptada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto.

  21. - Claro é também que, neste âmbito, não poderia a parte recorrente demitir-se de, com referência a cada um dos factos que impugnasse, expressar qual a concreta resposta que deveria ser dada (em vez da que foi proferida).

  22. - Com efeito, ao impugnar a decisão da matéria de facto, a recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre, para além dos concertos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respectivas conclusões, os concretos meios probatórios que constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada impunham decisão diversa da adoptada quanto aos tactos impugnados, indicando com exactidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

  23. - Tal como não pode deixar de especificar, em concreto, qual a decisão que relativamente a cada um dos factos impugnados, deve ser proferida pelo Tribunal de Recurso.

  24. - I. que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

  25. - Como ensina Abrantes Geraldes, "A motivação de recurso é de geometria varável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões".

  26. - Assim sendo, constituindo as conclusões o mecanismo de delimitação do âmbito do recurso, delas deve constar o respectivo objecto, também em matéria de impugnação da decisão de facto, seja quanto ao âmbito factico da impugnação recursória (concretos pontos de facto impugnados, por incorrectamente julgados), seja quanto ao seu âmbito probatório (concretos meios de prova que, fundamentadamente, obrigam a decisão diversa da recorrida), seja, por fim, quanto ao concreto objectivo recursório visado (decisão a dever ser proferida quanto a cada questão de facto impugnada).

  27. - Assim sendo, 34ª - Em primeiro lugar, o Venerando Tribunal da Relação substituiu-se à Recorrente no que tange â apreciação da matéria de facto dada como assente e provada. Na verdade, a Recorrente não indica, nem de perto, qual a matéria de facto que considera erradamente apreciada.

  28. - Além do mais, a recorrente apenas disserta sobre a sua própria má-fé e nunca, acerca da má-fé da adquirente e 2ª ré DD.

  29. - E, nessa medida, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa conheceu de questões que não podia tomar conhecimento...

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