Acórdão nº 602/13.5TJVNF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução19 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, Máquinas e venda automática e equipamentos, Ldª. Intentou acção condenatória, processada na forma ordinária, contra BB Vending Spain, S.L., peticionando que seja declarada, por força de incumprimento culposo da Ré, a resolução do contrato celebrado, bem como a condenação da Ré no pagamento das quantias de €1.236.347,35 e de €927.258,00 e no mais que se vier a liquidar, acrescendo juros.

Alegou, para o efeito, que estabeleceu com a Ré uma relação contratual de concessão comercial, que vigorou a partir de Fevereiro de 2008, nos termos da qual passou a adquirir à Ré, em regime de exclusividade, certos artigos produzidos por esta, que depois passava a comercializar por sua conta e risco, prestando a adequada assistência pós-venda. Sucede que em 2010 a Ré, por decisão unilateral e contra o que era devido, baixou o valor de venda e o valor dos “descontos” que fazia à Autora, passando a efectuar vendas no mercado nacional com preços inferiores aos praticados pela Autora e enviando propostas aos clientes angariados pela Autora com valores substancialmente inferiores aos que esta praticava. Acresce que a Ré deixou indevidamente que outras empresas comercializassem, em prejuízo da Autora, os produtos em causa, impondo à Autora obrigações estranhas à relação negocial estabelecida e que provocaram uma descapitalização acentuada – indicando ainda outra entidade como responsável pelo serviço técnico oficial. Tais factos implicam que a Ré haja incorrido em incumprimento do contrato firmado entre as partes, por força do que está obrigada a indemnizar a Autora pela clientela que esta angariou e de que a Ré se aproveitou, bem como a ressarci-la a título dos lucros cessantes que a Autora viu suprimidos.

Contestou a Ré, invocando, desde logo, a excepção da incompetência absoluta do tribunal, dizendo que nas facturas emitidas pela Ré constava que os litígios emergentes da relação comercial estabelecida seriam submetidos aos tribunais de Madrid, com renúncia a qualquer outro foro, consubstanciando-se tal cláusula num pacto de jurisdição válido e vinculante.

Impugnou também parte da factualidade alegada pela Autora, concluindo pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção, peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de €555.849,77, acrescida de juros, quantia essa correspondente ao preço de artigos que alegou ter vendido à Autora e que não foram pagos.

A Autora veio a ser declarada em estado de insolvência.

Seguindo o processo os seus termos, foi proferida decisão que declarou prejudicada a admissibilidade da reconvenção e que julgou procedente a invocada excepção da incompetência absoluta do tribunal, sendo a Ré absolvida da instância.

  1. Inconformada com o decidido quanto à questão da competência internacional, apelou a Massa Insolvente da Autora, tendo a Relação dado provimento ao recurso, revogando a decisão apelada com base na seguinte fundamentação: Está em questão verificar se o tribunal recorrido possui competência internacional em ordem ao conhecimento da presente causa, por isso que esta coenvolve elementos de conexão com outra ordem jurídica, a espanhola.

    Tal questão da competência tem que ser aferida - como decorre do caráter vinculístico dos regulamentos comunitários (v. art.s 288º do Tratado da União Europeia e 65º nº 1 do anterior CPC, o vigente à data da propositura da ação) - à luz dos ditames do Regulamento (CE) nº 44/2001 relativo à competência judiciária (alterado pelos Regulamentos nºs 1496/2002, 1937/2004, 2245/2004, 1791/2006 e 1103/2008), que, entretanto revogado, vigorava aquando da propositura da ação.

    Retira-se deste Regulamento (art.s 2º nº 1 e 3º nº 1) que a regra é o deferimento da competência aos tribunais do Estado-Membro onde está domiciliada a parte requerida. Todavia, são previstas várias exceções, entre estas a aludida na alínea a) do nº 1 do art. 5º: tratando-se de matéria contratual, o devedor pode ser demandado perante os tribunais do Estado-Membro do lugar onde deva ser cumprida a obrigação. Ademais, quando se trate de venda de bens, o lugar do cumprimento da obrigação é aquele onde os bens devam ser entregues.

    Ora, como acima se deixou descrito, a pretensão da Autora funda-se num pretenso contrato de concessão comercial, integrado em parte pela venda de bens (v. artigo 4º da PI). De acordo com o alegado, era obrigação contratual da Ré satisfazer à Autora, isto com referência a Portugal, as prestações contratuais de facere e non facere que esta indica. Como assim, devendo as alegadas obrigações contratuais da Ré ser cumpridas para com a Autora em Portugal, segue-se que a presente ação podia ser proposta perante os tribunais portugueses, precisamente por aplicação do art. 5º do Regulamento.

    Diz a Ré, porém, que foi estabelecido um pacto atributivo de jurisdição, nos termos do qual os eventuais litígios entre as partes ficaram submetidos à jurisdição espanhola, mais propriamente ao foro de Madrid, com exclusão de qualquer outro. E daqui que os tribunais portugueses careceriam de competência.

    Não subscrevemos este ponto de vista.

    Sem dúvida que o art. 23º do citado Regulamento permite a extensão da competência fundada em pacto atributivo de jurisdição. Todavia, não encontramos, até porque nada foi alegado nesse sentido pela Ré (a quem competiria essa alegação, sem prejuízo da oficiosidade inerente ao caso), que as partes tenham efetivamente concluído entre si um pacto que tal nos termos estabelecidos nos nºs 1 e 2 dessa norma. Na realidade, a Ré limitou-se a dizer, e é tudo o que se sabe sobre o assunto, que das faturas de venda que emitiu consta a menção de que as partes se submetiam aos tribunais de Madrid, com renúncia a qualquer outro foro. É verdade que tal menção consta, aliás em mero rodapé, das faturas juntas ao processo. Simplesmente, essa menção não passa de uma declaração unilateral da Ré, de que não se conhece adesão por parte da Autora. Adesão que, para se poder ter como existente, teria que ter acontecido nos termos exigidos pelo citado art. 23º nº 1. Ora, não foi alegado nem se conhece qualquer confirmação escrita por parte da Autora, não foi alegado nem se conhece a existência de qualquer uso que as partes tenham estabelecido entre si ou de qualquer uso que a as partes conheçam ou devam conhecer e que seja amplamente conhecido e regularmente observado, etc., etc.. E por isso concluímos que nenhum pacto atributivo de jurisdição foi estabelecido. Concordantemente com o que fica dito, cite-se o acórdão da RP de 19 de junho de 1995 (Col. Jur., 1995, III, p. 237). Embora proferido no domínio da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária - mas cujo art. 17º tem a mesma redação que depois veio a constar do nº 1 do art. 23º do supra citado Regulamento (valem assim mutatis mutandis os mesmos argumentos) - decidiu-se ali que a simples inserção em rodapé, nas faturas, de menção a certa jurisdição, não podia levar a considerar-se formado um pacto atributivo de jurisdição.

    Mas mesmo que tudo o que fica dito não seja de subscrever, sempre importa observar o seguinte: Como é ponto sabido e consabido (v. a propósito Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91), para efeitos de competência o que conta são os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não os termos da defesa. Sucede que a que a relação contratual alegada pela Autora, e diferentemente do que sustenta a Ré na sua contestação, não se confina a uma simples relação de compras e vendas, antes se traduz numa relação muito mais ampla, que qualifica como contrato de concessão, e daqui que mesmo que se visse no silêncio da Autora uma adesão tácita à menção constante das faturas e, como assim, formado um pacto atributivo de jurisdição, tal só poderia valer se o quid disputatum se fundasse na estrita relação de compra e venda, e não é o caso. Extrapolar sem mais do que consta das faturas referente a simples vendas, para a relação negocial alegada pela Autora parece-nos arbitrário e nada compatível com o espírito de certeza que está subjacente ao Regulamento (v. os respetivos considerandos). Por isso, a jurisprudência citada pela Ré na sua contra alegação, por certo muito adequada às espécies sobre que recaiu, não nos diz muito no caso vertente.

    Entretanto, sustenta a Apelada que o suposto pacto não identifica quais os litígios para os quais se reserva, e que os dizeres “em qualquer caso” se refere a qualquer litígio, e daqui pretende que isto depõe a favor da sua tese. Mas não é assim. A menção em causa vem inserta nas faturas emitidas por causa das vendas, pelo que, é óbvio, só pode estar a referir-se a eventuais litígios inerentes às vendas faturadas e nada mais. Aliás, a argumentação da Apelada é até incoerente, por isso que sustenta na sua contestação que a relação negocial estabelecida não foi além de compras e vendas. Se é assim, como poderia então tal menção abranger outras relações, como a alegada pela Autora? A favor da competência in casu dos tribunais portugueses poderá ainda depor eventualmente a norma do art. 24º do citado Regulamento, invocada a propósito pela Apelante. Concedemos, sem embargo, que se trata de norma difícil de compreender, e que provavelmente não poderá ter aplicação num sistema jurídico-processual como o português, em que, por regra, toda a defesa tem de ser deduzida na contestação.

    Pelo exposto, julgamos que a decisão recorrida não é de subscrever, tendo razão a Apelante ao sustentar que os tribunais portugueses, e entre estes o tribunal recorrido, possuem competência internacional para apreciar a presente causa.

  2. Inconformada, interpôs a R. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso interposto pela R., ora Recorrente tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e notificado à R. no dia 15 de maio de 2015, o qual decidiu sobre o recurso apresentado pela A. do despacho saneador que julgou procedente a...

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