Acórdão nº 706/05.6TBOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 13 de Janeiro de 2005, a Sociedade de Construções AA, Lda., instaurou uma acção contra BB, Lda. na qual, invocando ter celebrado com a ré um contrato-promessa de compra e venda dos imóveis que identifica, pediu, a título principal, – que o tribunal declarasse “verificada a condição suspensiva” constante da cláusula 4ª do contrato, consistente na desocupação dos imóveis, nestes termos: “No caso de decorrido o prazo de um ano a contar da data do presente contrato algum prédio objecto do presente contrato ainda se encontrar ocupado de pessoas e bens, a data da escritura de compra e venda será prorrogada pelo prazo necessário para a desocupação total de pessoas e bens de todos os prédios objecto do presente contrato”; – que o tribunal considerasse “a alteração superveniente das circunstâncias determinando que as indemnizações pelas desocupações ficam a cargo da A. com a correspondente redução do valor do contrato para € 722.295,27, que corresponde à diferença entre o valor do contrato e o valor que o A. terá que despender com as indemnizações”, – que o tribunal declarasse a execução específica do contrato-promessa.

Não relevam agora os pedidos deduzidos a título subsidiário.

A ré contestou. Por entre o mais, invocou a nulidade do contrato-promessa e alegou ter vendido os imóveis a terceiro, por se ter tornado impossível o respectivo cumprimento, prontificando-se a devolver o sinal recebido e a indemnizar a autora por certas despesas.

A autora replicou.

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 634, por se ter entendido que não se verificava o incumprimento definitivo da ré e que esse incumprimento era condição de procedência, quer dos pedidos principais, quer dos pedidos subsidiários.

Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 830, nestes termos: «Cumpre apreciar.

A questão fundamental em apreço no presente recurso — e na própria acção – é a de saber se estão verificados os requisitos para a execução específica do contrato, ou se, ao invés, estamos perante uma situação de obrigação de restituição do sinal em dobro, nos termos do art. 442° n° 2 e 3 do Código Civil.

Na sentença recorrida entendeu-se que, quer a restituição do sinal em dobro, quer a execução específica só são aplicáveis no caso de incumprimento definitivo do contrato promessa, excluindo-se a sua aplicação nos casos de simples mora ou incumprimento transitório. Mais se entendeu que no caso em apreço, não existe incumprimento definitivo mas simples mora, sendo exigível interpelação da Autora à Ré fixando um prazo peremptório razoável para o cumprimento da obrigação.

Temos um entendimento diverso do M° juiz a quo relativamente ao mencionado pressuposto da aplicação do regime da execução específica.

(…) A execução específica pressupõe assim que a prestação ainda é possível e que é desejada pelo credor. O pedido de pagamento do sinal em dobro consiste, pelo contrário, numa forma de indemnização pela ruptura contratual definitiva imputável ao comportamento do devedor (e vendedor, no caso do contrato-promessa).

(…) Compreende-se assim que a execução específica, em que a sentença judicial supre a ausência de vontade do devedor em cumprir, pressuponha a vigência do contrato, a possibilidade das prestações que o integram e a vontade do credor em obter a sua concretização.

Daí que mesmo que do comportamento do devedor se deva concluir que ele se recusa a cumprir o contrato, nem por isso o incumprimento é definitivo já que a consumação do mesmo contrato pode ser alcançada por outras vias, nomeadamente a da execução específica.

No caso dos autos, o pedido principal da Autora consiste exactamente nessa execução específica, pelo que se deve entender estarmos perante um caso de mora. O contrato, ainda não possível, ainda não foi cumprido pelo devedor.

O tribunal a quo aceita que a situação que se nos depara não é de incumprimento definitivo mas, ao mesmo tempo, defende que por estarmos perante simples mora do devedor e a obrigação não ter prazo certo para o cumprimento, teria o credor de interpelar o mesmo devedor fixando-lhe um prazo peremptório para o cumprimento. Não o tendo feito, não é admissível, na óptica do julgador, o pedido de execução específica.

Com efeito, na sentença recorrida entende-se que, embora no contrato promessa se haja estipulado que a escritura de compra e venda se realizaria no prazo de um ano, existe uma condição suspensiva expressa na cláusula com o seguinte teor: "No caso de decorrido o prazo de um ano a contar da data do presente contrato algum prédio objecto do presente contrato ainda se encontrar ocupado de pessoas e bens, a data da escritura de compra e venda será prorrogada pelo prazo necessário para a desocupação total de pessoas e bens de todos os prédios objecto do presente contrato".

Aceitamos, nesta parte, o raciocínio constante da sentença, já que é manifesta a natureza de condição suspensiva da focada cláusula, nos termos do art. 270° do Código Civil.

Só que existem outros elementos ater em conta, de entre os factos dados como provados: (…) Decorre desta factualidade que, apesar das interpelações da Autora, a Ré não obteve a desocupação total dos prédios, tendo mesmo abandonado todas as diligências nesse sentido pelo menos desde 10/01/2005. Pior, efectuou uma venda simulada dos imóveis a uma outra empresa, que tornaria impossível o cumprimento do contrato celebrado com a Autora. Contudo, ao confessar tal simulação, na acção deduzida pela Autora, vindo a compra e venda a ser declarada nula, os bens retornaram ao património da Ré.

Estes actos da Ré – independentemente dos efeitos da declaração de nulidade da compra e venda simulada – ilustram de um modo evidente que a Ré não quer cumprir o contrato e que há mais de nove anos (!) que cessou todas as diligências no sentido de obter a desocupação dos imóveis. Nos termos do art. 275° n° 2 do Código Civil, "se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada (...)". (…) Entendemos que a situação de mora da Ré, que desde há largos anos cessou qualquer diligência para a desocupação dos prédios, tornando inviável a celebração da escritura nos termos prometidos, que a própria venda simulada a um terceiro, revelam uma manifesta e reiterada intenção de não cumprir o contrato.

(…) Na sentença recorrida dá-se ênfase à confissão do pedido pela Ré, na acção interposta pela ora A com vista a obter a anulação da compra e venda celebrada simuladamente entre a Ré a empresa "CC". Tal confissão, contudo, apenas traduz o reconhecimento que a compra e venda foi simulada, mas de modo algum vontade da Ré em cumprir o contrato-promessa que celebrou com a Autora. Aliás, como vimos, a confissão do pedido ocorreu cerca de 5 anos depois de ter contestado essa acção impugnando o pedido da Autora.

Perante a atitude da Ré promitente-vendedora que os autos documentam, não há que forçar a Autora a qualquer nova interpelação, desta vez admonitória nos termos do art. 808°, mas apenas a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
9 temas prácticos
9 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT