Acórdão nº 1190/12.5TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – AA e BB Intentaram a presente acção com processo comum, contra: CC, S.A.

Pedindo que seja reconhecido que:

  1. Entre cada um dos Autores e a Ré vigorou um contrato de trabalho, com início a 1 de Outubro de 2003, no caso da Autora, e com início a 16 de Julho de 2009, no caso do Autor; b) Ambos os Autores resolveram os respectivos contratos com justa causa, pelo que deve ser condenada a Ré nas indemnizações e créditos laborais em dívida, nos termos peticionados.

    Alegaram, para tanto, que, em ambos os casos, a Ré deixou de efectuar o pagamento das retribuições mensais que lhes eram devidas, como contrapartida do trabalho prestado por cada um dos Autores, na área jurídica, e não obstante entre ambos os AA. e a Ré se ter estabelecido uma relação laboral, que durou diversos anos, a Ré não quer reconhecer a esses contratos a natureza de contratos de trabalho.

    A falta de pagamento por parte da Ré dos vencimentos mensais a cada um dos AA. levou a que estes resolvessem os contratos com justa causa, devendo, por isso, a Ré ser condenada a pagar-lhes as quantias em falta: estão em dívida as retribuições dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2011, o subsídio de Natal de 2011, e o reembolso das despesas efectuadas pelos AA. por conta da Ré e, bem assim, os créditos emergentes da resolução por falta culposa de pagamento de retribuição do contrato de trabalho que os AA. mantinham com a R., férias e subsídios de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2012, créditos de horas de formação e indemnização por resolução do contrato de trabalho.

    1. A Ré contestou a natureza dos contratos celebrados com os AA., defendendo que se inscrevem na mera prestação de serviços.

    2. Foi proferida sentença, em 14.02.2014, pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a acção, considerando os contratos celebrados entre os AA. e a Ré como sendo de trabalho e, nessa medida, condenou a Ré, nos seguintes termos: “Face ao exposto, declaro a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente: 1. Sendo CC, S.A. condenada a reconhecer que entre cada um dos Autores e a Ré vigorou um contrato de trabalho, com início a 1 de Outubro de 2003, no caso da Autora e com início a 16 de Julho de 2009, no caso do Autor; 2. Condeno a Ré a reconhecer que os AA. resolveram os seus contratos de trabalho com justa causa, por falta de pagamento pontual e culposo das suas retribuições; 3. Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €19.903,68, a título de indemnização por antiguidade, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; 4. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €6.489,73, a título de indemnização por antiguidade, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; 5. Condeno a Ré a pagar à A. a quantia total de €17.039,46, a título de créditos laborais e ajudas de custo, quantia que será acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da cessação do contrato de trabalho ou com o vencimento dos mesmos até efectivo e integral pagamento, quantia a que será deduzido o valor de €2.641,22; 6. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €34.392,55, quantia que será acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da cessação do contrato de trabalho ou com o vencimento dos mesmos até efectivo e integral pagamento; 7. Absolvo a Ré do demais peticionado.

    3. Custas pela Ré e pelos AA. de acordo com o decaimento” – cf. fls. 704 e 705 do 3º Vol.

    4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, requerendo, nomeadamente, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do art. 17º-E, nº 1, do CIRE[1], uma vez que correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa um Processo Especial de Revitalização (=PER), para recuperação da própria empresa Ré, no qual já se procedeu ao pagamento das quantias devidas pela Ré. Argumenta ainda, quanto ao demais, a inexistência de celebração de contratos de trabalho entre os AA. e a Ré – cf. fls. 713 a 805.

      Por sua vez o Autor BB interpôs recurso subordinado, no qual requereu a alteração do valor da indemnização que lhe foi fixada na sentença recorrida, e rebateu a alegação da Ré, alegando que a presente acção não é uma acção de cobrança de dívidas, pelo que não pode ser julgada extinta e deve prosseguir – cf. fls. 826 a 936.

    5. A Relação de Lisboa proferiu Acórdão, em 17/06/2015, no qual, conhecendo da excepção suscitada pela Ré de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, considerou que com a homologação do plano de recuperação, no âmbito do processo que correu termos no Tribunal do Comércio, extinguiram-se as acções que foram interpostas contra a Ré, incluindo, portanto, a presente acção e, nessa medida, decidiu o seguinte: …“Julga-se procedente o recurso interposto pela Ré/Recorrente CC, S.A., declara-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, atento ao disposto nos artigos 17º-E, nº 1, do CIRE, e 277º, al. e), do CPC, revogando-se a decisão recorrida.

      Custas pela parte vencida” – cf. fls. 1043, do 4º Vol.

    6. Irresignados, os AA. interpuseram a presente revista, na qual formularam, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Na pendência da presente acção, quando já havia sido produzida a prova e apenas faltavam as alegações orais, a R. requereu um PER[2]; 2. A lista provisória de créditos elaborada pelo Administrador Judicial Provisório, no âmbito desse PER, incluía os créditos dos AA. mas em valor muito inferior ao reclamado e atribuindo-lhes natureza comum (logo, não privilegiada, assim lhe recusando a natureza de créditos laborais).

    7. Os AA. impugnaram judicialmente a lista provisória de créditos quanto ao valor e à qualificação dos créditos por si detidos sobre a R.

    8. Subsequentemente, sem produção de prova a não ser a documental, sem audiência de julgamento ou qualquer outra diligência, o Tribunal do Comércio julgou as impugnações da lista provisória de créditos formuladas pelos AA., decidindo o seguinte: - Atribuiu a um (o A. marido BB) a qualidade de trabalhador e ao outro (a A. mulher AA) não lhe atribuiu essa qualidade; - Fixou o valor do crédito de cada um deles em 50% da diferença entre o montante inscrito na lista provisória de créditos e o montante por eles reclamado; - Consignou que, caso o acordo extrajudicial (pois este PER iniciou-se já com a apresentação de um acordo celebrado entre a R. e alguns dos seus credores) viesse a ser homologado, os credores que impugnaram os créditos poderiam recorrer aos meios judiciais próprios e obter da R. o pagamento do montante a que tenham direito de harmonia com os demais credores que detenham créditos da mesma natureza (ou seja, nos termos que resultam do acordo obtido no PER da R.).

    9. Na fundamentação da aludida sentença na qual julgou as impugnações da lista provisória de créditos e fixou, no âmbito do PER, a natureza e o montante dos créditos dos AA. sobre a R., o Tribunal do Comércio afirmou o seguinte: - Pela estrutura do PER, prescinde-se de um dos princípios transversais ao direito processual – o do contraditório – previsto no nº 3 do art. 3° do CPC, pelo que a consequência a retirar é de que a decisão proferida pelo juiz nesta fase é, em princípio, de natureza perfunctória/provisória, circunscrevendo-se os seus efeitos à fixação de créditos para aferição dos quóruns constitutivo e deliberativo a que alude o art. 212º do CIRE.

      (…) - Caso o acordo extrajudicial seja homologado, os credores que impugnaram os créditos podem recorrer aos meios judiciais próprios para fixação do montante e obter da devedora – a exemplo dos demais credores que não chegaram a reclamar créditos – o pagamento do montante a que tenham direito de harmonia com os demais credores que detenham créditos da mesma natureza, uma vez que a decisão do juiz vincula os credores mesmo que não hajam participado nas negociações – cf. nº 6 do art. 17º-F, ex vi, nº 7 do art. 17º-I, todos do CIRE.

    10. A decisão recorrida, ao declarar extinta a presente acção é manifestamente injusta.

    11. Na verdade, por referência expressa do Tribunal em que correu o PER da R., a decisão nele tomada sobre os créditos dos AA. é meramente perfunctória/provisória, não visando dirimir definitivamente o litígio entre os AA. e a R., já que os seus efeitos se circunscreviam «à fixação de créditos para aferição dos quóruns constitutivo e deliberativo a que alude o art. 212° do CIRE», ou seja, à determinação do número de votos para efeitos de aprovação da proposta de plano de recuperação.

    12. E referiu expressamente que os credores que impugnaram os créditos (entre os quais se contam os AA.) podiam recorrer aos meios judiciais próprios para fixação do montante e obter da devedora o pagamento do montante a que tenham direito de harmonia com os demais credores que detenham créditos da mesma natureza.

    13. No caso dos autos, a presente acção, já pendente, e com produção de prova concluída, é o meio judicial próprio para dirimir o litígio a que a decisão do Tribunal de Comércio se refere.

    14. Constituiria uma inaceitável e inconcebível violação do princípio da economia processual, que estando já pendente uma acção, e até com a produção de prova concluída, essa acção fosse extinta e os AA. tivessem de propor uma nova acção para repetir todos os actos praticados na referida acção pendente.

    15. O art. 17°-E do C.I.R.E. deve ser interpretado no sentido de que, quer quando o litígio sobre o crédito não tenha sido dirimido no PER, maxime quando uma das partes tenha impugnado a lista provisória de créditos e o Tribunal não tenha dirimido o litígio definitivamente, por decisão que produza caso julgado material, nomeadamente por remeter as partes para os meios judiciais próprios para...

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