Acórdão nº 119/14.0JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância condenou o arguido AA, nascido em 03/04/1975, na pena de 17 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea c), do CP.

O arguido interpôs recurso para a Relação do Porto, que, por acórdão de 08/07/2015, o julgou improcedente.

Ainda inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua motivação nos termos que se transcrevem: «1- O Recorrente solicitou a alteração, em sede de recurso, à matéria de facto proferida pelo Tribunal da 1ª instância com base na prova que foi proferida em audiência de julgamento e que se encontra registada, da qual no seu entender, resultou: "que a vítima não obstante ter 75 anos e diabetes, não deixava de fazer as suas compras, saindo e convivendo com os seus amigos, passando o tempo num horto de uma familiar em ..., para onde se deslocava de lambreta e até de bicicleta, não caminhava com o auxilio de nenhum equipamento, designadamente canadianas ou outro equipamento similar".

2- Entendeu o Venerando Tribunal da Relação do Porto que não podia conhecer dessa matéria porquanto "daqui não resulta, portanto, que a impugnação ampla da matéria de facto se reportara à «decisão proferida» pelo Tribunal de primeira instância e não àquela que o recorrente entende que deveria ter sido proferida, não podendo visar um acréscimo ou aditamento de factos que nem sequer foram oportunamente alegados perante o mesmo.

Assim sendo, nesta parte não poderá o recurso ser provido e com isso fica prejudicado o conhecimento da questão subsequente".

3- Ora, trata-se de prova produzida em audiência de julgamento que se mostra essencial e de grande relevância para os autos e importante para a descoberta da verdade material e para uma justa e boa decisão da causa.

4- O Tribunal de 1ª instância refere parte desses factos na sua douta fundamentação, veja-se fls 1282 do douto acórdão onde é referido que: "A defesa procurou passar a imagem da vítima como sendo uma pessoa robusta e que fazia uma vida perfeitamente normal.

Debalde o fez, já que a prova produzida aponta em sentido bem diverso".

Para mais à frente, fls. 1283, referir ainda que: "segundo outras testemunhas, já não andava de bicicleta e esporadicamente de lambreta (cfr. o depoimento, designadamente, da testemunha BB). Ia aliás para um horto matar o tempo (cfr. depoimento da testemunha Armando Francisco)".

5- Entende o recorrente que essa prova produzida seja criticamente analisada pelo Tribunal da Relação do Porto, e afinal esse Tribunal profira decisão após a sua ponderação e valoração desses factos.

6- Prevê a Constituição que devem ser asseguradas todas as garantias de defesa aos arguidos, não sendo permitido vedar, restringir ou limitar nenhum direito de defesa previsto na Constituição, nomeadamente no seu artigo 32°.

7- Ao não conhecer desta matéria estamos, salvo o devido respeito por opinião contrária, a fazer uma interpretação inconstitucional do artigo 412° do C.P.P. e a violar o artigo 32° da CRP, o que desde já se invoca.

8- Pelo que deverá este Venerando Supremo Tribunal determinar o reenvio do processo para o Venerando Tribunal da Relação do Porto para que analise e conheça desta matéria, e afinal profira douta decisão, sob pena de se violar os artigos 412° do C.P.P. e 32° da CRP.

DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA 9- As circunstâncias referidas no nº 2 do artigo 132° do CP não são de funcionamento automático, sendo meramente indicativas ou exemplificativas.

10- Face à factualidade dada como provada nos autos não se mostram, salvo o devido respeito por opinião contrária, preenchidos os pressupostos do crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artigo 132°, nº 2, al. c), do C.P. pelo qual o ora recorrente foi condenado.

11- Com referência à qualificação do tipo de crime, cremos que ambas as instâncias valoraram a circunstância de haver uma grande desigualdade de idades entre o recorrente e a vítima.

12- Salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal ora recorrido aplicou automaticamente a qualificativa existente a título exemplificativo na al. c) do nº 2 do art. 132° do C.P.

13- Os conceitos de especial vulnerabilidade, perversidade e censurabilidade tratam-se de conceitos abstractos e indetermináveis pelo que devem ser avaliados face às circunstâncias de cada caso.

14- Não sendo tal qualificativa de verificação automática só pelo simples facto de a vítima ter 75 anos e sofrer de diabetes, pois que essas dificuldades a existirem não são impeditivas, como não eram no caso concreto da vítima, pois vivia sozinha - ponto 1 da matéria de facto provada - e deslocava-se diariamente para jantar em casa da neta e do recorrente - ponto 2 da matéria de facto provada.

15- Se fosse uma pessoa com limitações físicas, débil e frágil não teria a destreza e agilidade suficiente para se equilibrar numa lambreta, o que foi referido e considerado no acórdão de 1ª instância, quando é referido na douta fundamentação que: "( ... ) e esporadicamente de lambreta (cfr. depoimento, designadamente da testemunha BB)".

16- Apesar das limitações ao nível dos membros inferiores caminhava sem o auxílio de qualquer canadiana ou qualquer outro instrumento de auxilio andarilho ou afins.

17- Não obstante a vítima ter 75 anos e lhe ter sido diagnosticado um problema de diabetes, não permite por si só a justificação do crime de homicídio qualificado, aliás isso não o tornou vulnerável nem uma pessoa frágil ou débil em razão da idade ou doença.

18- Provou-se que a vítima vivia sozinha, ia jantar a casa da neta todos os dias, por outro lado não se provou o móbil do crime, estes factos, salvo o devido respeito por opinião contrária, devem servir de contra prova para afastar a qualificação.

19- Devem, ainda, concorrer para esta análise as qualidades da personalidade do ora recorrente fortemente documentadas e que são especialmente valorativas a seu favor, dada a pessoa íntegra que sempre foi antes da prática dos factos, reconhecido por todos como sendo uma pessoa boa, respeitado e respeitador.

20- O núcleo típico essencial do crime de homicídio previsto na línea c) do n° 2 do artigo 132° do C.P. pressupõe a especial vulnerabilidade da vítima caracterizando-se na especial dependência de terceiros, o que com o devido respeito não foi o caso dos autos.

21- A vítima vivia sozinha, deslocava-se pelos seus próprios meios, sem ajuda de ninguém, de referir que o episódio hospitalar que teve foi tratado e do qual teve alta hospitalar, pelo que não é seguramente o caso de uma vitima frágil, débil e dependente.

22- O circunstancialismo alegadamente dado como provado não é suficiente para qualificar o crime pelo qual vem o arguido condenado e enquadrá-lo no conceito de homicídio qualificado.

23- Atendendo, às circunstâncias que antecederam a morte da vítima, ao facto de não existir móbil do crime, não existem nos autos circunstâncias suficientes que tornem o homicídio em causa revelador de especial censurabilidade ou perversidade, para que seja considerado como qualificado, pelo que este a ser considerado não deve integrar o homicídio qualificado mas antes o crime de homicídio simples e ao não ter assim interpretado o Tribunal da Relação do Porto incorreu em erro na aplicação do artigo 132°, nº 2, alínea c) do C.P.

24- Pelo que, não estando verificadas as qualificantes previstas na aliena c) do artigo 132° do C.P., pelas quais o ora recorrente vem condenando, enferma o douto acórdão recorrido em erro na interpretação e aplicação dos artigos 131° e 132º do C.P. pelo que há erro na aplicação do artigo 132°, n° 2 al. c) do C.P.

25- A acusação não conseguiu por manifesta falta de prova dar como provado o motivo pelo qual o arguido alegadamente teria cometido os factos da acusação.

26- Tratando-se assim de um crime de homicídio simples, nos termos do artigo 131° do C.P., operando-se a necessária alteração da qualificação jurídica, sendo a sua moldura penal abstracta de 8 a 16 anos, considerada a medida da culpa e as regras da prevenção geral e especial, seria adequada uma pena de prisão de 8 anos.

DA MEDIDA DA PENA 27- Sem prescindir, e ainda que assim não se entenda e pelo supra exposto e salvo o devido respeito considera-se a pena aplicada excessiva, atento a todo o circunstancialismo alegadamente provado.

28- A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídica, prevenção geral positiva e a reintegração do agente na sociedade, prevenção especial positiva.

29- A medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, artigo 71º, nº 2 do C.P., ou seja, disso já cuidou o legislador ao estabelecer a moldura punitiva.

30- Do ponto de vista da doutrina especial positiva a medida da necessidade de socialização do agente é o critério decisivo das exigências de prevenção especial, tudo dependendo da forma como o agente se revelar carente ou não de socialização.

31- Se uma tal carência se não verificar tudo se resumirá em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência.

32- Parece-nos que no presente caso estão satisfeitas as exigências estatuídas, razão pela qual a pena fixada apresenta-se, salvo o devido respeito, excessiva e desproporcional face ao grau de culpa imputável ao recorrente.

33- Está provado que o recorrente encontra-se fortemente inserido social e familiarmente. 34- Não obstante o Venerando Tribunal recorrido ter referido: "a ausência de antecedentes criminais do recorrente, a sua boa inserção familiar e social e as suas evidentes qualidades de trabalho relevam favoravelmente" consideramos que não...

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