Acórdão nº 2759/10.8TBGDM.P1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução10 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM EM PLENÁRIO DAS SECÇÕES CÍVEIS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

AA, Lda., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Banco BB, SA.

Pediu a autora a condenação do banco réu a pagar-lhe a quantia de € 33 520,14 (trinta e três mil quinhentos e vinte euros e catorze cêntimos), acrescida do valor de € 48 000 (quarenta e oito mil euros), na eventualidade da letra identificada infra não ser paga na data de vencimento, pelo seu aceitante ao seu titular, mais juros de mora à taxa legal, desde a data da instauração da acção, sobre o montante de € 24 059,60 (vinte e quatro mil e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos), bem como os juros contados desde a data de vencimento daquela letra, tudo até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou que: - A sociedade comercial CC, Lda., assinou e entregou, por intermédio do seu sócio-gerente, à autora, 4 cheques, datados de 15, 17, 18 e 21 de Abril de 2008, sacados sobre conta do banco réu, titulada em nome daquela sociedade, para pagamento de fornecimentos que lhe foram efectuados pela autora; - Apresentados tempestivamente à cobrança, vieram aqueles cheques devolvidos à autora, como não pagos, em 17, 18, 21 e 22 de Abril de 2008, com a indicação “Chq. Revog. Por justa causa: falta/vício” aposta no verso dos cheques; - O não pagamento dos cheques ocorreu sem qualquer causa justificativa, sem fundamento para a ordem de revogação que a sacadora deu ao banco réu, durante o prazo de apresentação a pagamento dos cheques; - Ordem que o banco réu aceitou sem que da mesma constasse a indicação expressa/concreta do seu motivo, violando assim as instruções emanadas do Banco de Portugal sobre os motivos de devolução de cheques, a implicar que o banco réu responda pelas perdas e danos sofridos pela autora; - A CC efectuou pagamentos parciais, em Maio de 2008 (€ 17 375,64) e Agosto de 2009 (€ 61 000), por conta do valor em dívida; e em Maio de 2010 endossou à autora uma letra de câmbio no valor de € 48 000 aceite de outra sociedade; - Apresentada tal letra a desconto, a autora assumiu despesas bancárias no valor de € 4383,30 tendo recebido o valor de € 43 616,70; - Nada mais tendo sido pago por conta dos cheques em questão, é a autora credora do valor de € 24 059,60, acrescido do valor de € 29,04, referente a despesas de devolução de cheques, e do valor de € 9431,50, a título de juros moratórios contados desde a data da apresentação a pagamento dos mesmos até à data da instauração desta acção e dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento; - Caso a letra supra referida não venha a ser paga pelo aceitante na data do seu vencimento, a autora terá de pagar o seu valor, enquanto descontária, ao DD. Acrescendo então ao crédito da autora o seu valor – € 48 000, elevando o crédito da autora para € 81 520,14.

O réu contestou, articulando, em síntese, no que releva, que agiu no cumprimento de uma ordem de revogação do cheque por justa causa e com fundamento em falta ou vício na formação da vontade dos cheques em causa nos autos (entre outros), a si comunicada pelo sacador, ordem esta que o vinculava, por virtude das obrigações contratuais assumidas perante o sacador, decorrentes nomeadamente da convenção de cheque, sendo que, de resto, a conta sacada não dispunha de fundos disponíveis na data de apresentação a pagamento dos cheques, pelo que e se não tivessem sido revogados, não teriam sido pagos.

Foi proferida sentença em que, julgando-se parcialmente procedente a acção, se decidiu: “I. Condena-se o banco R. a indemnizar a A. no valor de € 28.486,46, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

  1. Ao valor referido em I acrescerá o valor de € 43.616,70 referido em 7) dos factos provados, no caso de tal valor vir a ser exigido à A. pelo actual portador da letra, face ao não pagamento do aceitante do título descontado. A este valor acrescendo então juros de mora à taxa legal, desde a data em que a A. interpelar o R. ao pagamento desta quantia e até integral pagamento da mesma.

  2. Quanto ao mais, absolve-se o R. do pedido”.

O BB, S.A., apelou desta decisão, com total êxito, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 07-04-2014, revogado a sentença, absolvendo o réu do pedido, consignando na fundamentação: “No caso em apreço provou-se que a tomadora dos cheques não recebeu a quantia titulada pelos mesmos, mas também ficou provado que os cheques não seriam pagos pelo banco sacado por falta de fundos disponíveis.

Não ficou provado que a A. tenha sofrido danos cuja causa adequada tenha sido a recusa de pagamento.

E para que houvesse danos indemnizáveis era necessário que a A. tivesse alegado e provado que, apesar da ordem revogatória, o ora Apelante sempre pagaria os cheques, o que não fez.” * Inconformada com aquele aresto, veio a autora recorrer para este STJ, que, por acórdão de 14-10-14, julgou improcedente a revista, aduzindo como argumentos essenciais: – O portador dum cheque não pago pelo banco que aceita um pedido injustificado de revogação, no decurso do prazo legal de pagamento, e reclama indemnização pelo valor desse cheque, fundada em responsabilidade civil, tem de demonstrar o efectivo prejuízo patrimonial (dano) e o nexo de causalidade entre o acto ilícito da revogação, o que pressupõe a alegação e prova de que não fora a revogação e a devolução ilegítima do cheque apresentado a pagamento dentro do prazo legal, o cheque seria ou poderia vir a ser descontado pelo banco sacado.

– Se o sacador do cheque não tinha provisão na sua conta bancária e, por isso, o banco estava desobrigado de descontar os cheques não é detectável qualquer prejuízo económico a determinar pela diferença entre a situação em que ficou o portador em consequência do facto ilícito (inviabilização do direito cartular) e aquela em que o mesmo portador se encontraria se o mesmo facto ilícito não tivesse ocorrido.

– Apenas quando na conta sacada existam fundos que permitam ao banco descontar o título a ilegítima execução de uma ordem de revogação é susceptível de constituir causa do dano para efeito de preenchimento do pressuposto da obrigação de indemnizar, apresentando-se, fora dessa situação, a conduta ilícita como indiferente, pois que não poderá concluir-se que provavelmente o cheque seria descontado se o banco não tivesse praticado o ilícito.

* Argumentando que este acórdão está em contradição com o acórdão do STJ de 08-05-2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 1122/10.5TVLSB.L1.S1, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – em que, discutindo-se também se o banco estava obrigado a indemnizar o portador de cheques revogados com a menção de “cheque revogado por falta ou vício na formação de vontade”, sabendo-se que na data de apresentação a pagamento a conta sacada não tinha fundos que permitissem o seu pagamento, se condenou o banco a pagar as quantias indicadas nos cheques –, veio a sociedade AA, Lda., interpor recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do estatuído no art. 688.º do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 (doravante NCPC), o qual foi autuado por apenso ao Proc. n.º 2759/10.8TBGDM.P1.S1.

No despacho liminar, de admissão do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, exarou-se, além do mais: “(…) 2. Do confronto entre o decidido no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento e respectiva fundamentação de facto e de direito é, efectivamente, detectável a identidade de situações de facto, no que se mostra relevante para a determinação das questões de direito a solucionar, bem como a total sobreponibilidade destas, em termos determinantes para a declaração do direito em litígio e sorte das causas.

Parece, portanto, claro que, no âmbito do mesmo quadro normativo, questão idêntica foi decidida num acórdão num sentido e no outro em sentido contrário, em consequência de diversa interpretação e aplicação de tal quadro jurídico, condicionante, em termos decisivos, da solução de idêntica questão.

De concluir, assim, pela invocada contradição de acórdãos, de resto também aceite pela Recorrida, quanto à pela Recorrente proposta questão da “responsabilidade civil por facto ilícito do banco que aceita o pedido injustificado de revogação de cheque, no decurso do prazo legal de pagamento, apesar de a conta sacada não dispor de fundos que, ao tempo da apresentação permitissem o pagamento, sendo o dano do tomador ou portador do cheque o prejuízo patrimonial... (correspondente ao) não recebimento, para si ou para terceiro, aquando da apresentação a pagamento, do montante devido, correspondente à obrigação subjacente relativamente à qual o cheque constitui meio de pagamento.

3. Nesta conformidade, e no entendimento de que concorrem os pressupostos do recurso, decide-se, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art. 692.° CPC, admiti-lo liminarmente. (…)”.

* A recorrente aduziu, na alegação recursiva, as seguintes conclusões das quais se excluem as que fundamentam a contradição de acórdãos : “1….

  1. Para a boa decisão do presente recurso partimos no horizonte do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 4/2008, de 28/02, que fixou a seguinte orientação: “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.° da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.° do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.°, segunda parte, do Decreto n.° 13 004 e 483.°, n.° 1, do Código Civil..

  2. Importa averiguar em que consiste o dano causado ao portador que vê o cheque recusado pelo banco sacado com o seguinte fundamento de revogação pelo sacador “justa causa: falta ou vício na formação de vontade.

  3. Entendemos que tal dano é o do “prejuízo patrimonial” a que se reporta o n.° 1 do artigo 11.° do DL n.° 454/91...

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