Acórdão nº 1690/14.2TJCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução03 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA e mulher BB (doravante denominados Devedores), intentaram, perante o Tribunal Judicial de Coimbra, processo especial de revitalização, tendo em vista a promoção da respetiva revitalização através de plano de recuperação.

Foi nomeada Administradora Judicial Provisória, dando-se início às negociações entre os Devedores e seus credores.

Concluídas as negociações, foi votado o plano proposto.

Votaram credores a que corresponde o montante global de créditos de €13.963.771,94, num universo de créditos reclamados e reconhecidos de €14.048.094,98.

Votaram a favor os credores Instituto da Segurança Social, IP (crédito de €18.102,28), CC (crédito de €1.000,00) e International Real Estate, Inc. (crédito de €11.111.400,00). Votaram contra o Banco DD, S.A. (Crédito de €68.125,85), o Banco EE, S.A. (crédito de €29.663,81), a Caixa de FF da Zona do Pinhal, C.R.L. (crédito de €535.175,95), a Caixa GG, S.A. (crédito de €2.224.539,32) e a Caixa HH, S.A. (crédito de €5.428,54).

A Administradora Judicial Provisória remeteu ao processo o plano aprovado para a competente apreciação Judicial.

Constatando que o plano fora aprovado por credores representando 79,541% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores, o tribunal, concluindo nada a tal obstar, proferiu sentença homologatória do mesmo plano.

Inconformada com o assim decidido, apelou a credora Caixa GG, S.A.

para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Sustentou, em síntese, que os Devedores não se encontravam em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas sim em situação de insolvência, e que a sua situação ao abrigo do plano ficaria menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, de sorte que a homologação do plano devia ter sido recusada. Daqui que tanto por aplicação do art. 215º, como por aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 216º, ambos do CIRE[1], havia de ter sido recusada a homologação.

A apelação foi julgada procedente, em decorrência do que foi revogada a sentença recorrida e recusada a homologação do plano.

Entendeu a Relação que os autos revelavam que os Devedores não se encontravam em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas sim em situação de insolvência atual, razão pela qual a decisão recorrida não decidira bem ao não ter recusado oficiosamente, nos termos do art. 215º do CIRE, a homologação. O conhecimento das demais questões suscitadas pela Apelante foi tido por prejudicado.

Discordando do decidido, pedem os Devedores revista, alegando que o acórdão recorrido está em oposição com o acórdão que indicam e de que juntam cópia, proferido também pela Relação de Coimbra, acerca da mesma questão fundamental de direito, sendo que ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação[2].

O relator considerou verificar-se a aludida oposição de julgados e, visto o disposto no art. 14º nº 1 do CIRE, teve por admissível o recurso.

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido merece censura por violação de lei substantiva (Art. 215º e 216º do CIRE), consubstanciada em erro de interpretação, e erro na aplicação das normas legais.

2. Acresce que nos termos do art. 629 nº 2 al. d) do CPC, se encontra o presente acórdão em manifesta contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo nº 36/14.4TBOLR.CI datado de 10 de Março de 2015 (cuja cópia ora se junta).

3. Pugnou a Credora CGG pela revogação da homologação do plano apresentado, alegando que os Requerentes se encontrariam em situação de insolvência e não em situação económica difícil ou insolvência meramente iminente- 4. Decidindo o Tribunal ”a quo” revogar a sentença homologatória do plano de revitalização, à revelia da Lei, designadamente do art. 216º do CIRE.

5. Nos termos do art. supra, o douto Tribunal apenas poderia revogar a homologação do plano, se a não homologação do mesmo, já houvesse sido solicitada pela Credora CGG durante o processo, tendo até à aprovação do plano para o fazer. – E tal nunca aconteceu! 6. Na verdade, em nenhum momento até à homologação do plano requereu a credora recorrente a não homologação do mesmo- Apenas se limitando a votar contra o mesmo.

7. Contudo, a oposição contra o plano “não pode a mesma ter-se por manifestada, sem mais, com o simples voto em contrário na deliberação de aprovação, não sendo, pois tal suficiente para fundamentar o pedido de recusa da homologação do plano de insolvência, pois que o voto em contrário na deliberação de aprovação e a oposição à aprovação do plano de insolvência consubstanciam, duas realidades distintas, impondo o pedido de recusa de homologação do plano a alegação (atempada) e a demonstração “em termos plausíveis” de um qualquer dos fundamentos consagrados nas alíneas a) e b) do art. 216º do C.I.R.E. -Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Novembro de 2013 (proc. nº 1785/12.7TBTNV.C1, in www.dgsi.pt) 8. Assim, tendo a credora abdicado do direito de se opor à homologação do plano, em momento processualmente próprio, não podia vir -como veio- deduzir tal oposição em sede de recurso, sob pena de inadmissível, por extemporâneo, nos termos do art.º 216.ºdo CIRE -Neste sentido também o acórdão em contradição, no 2ºparágrafo na página 9.

9. Não tendo a não homologação do plano sido solicitada pela credora até à aprovação do mesmo, a decisão de não homologação do mesmo, pelo doutro tribunal, só seria possível se fundamentado numa violação das normas procedimentais ou de conteúdo daquele, nos termos do art.215º do CIRE.

10. A verdade é que, pese embora o Tribunal recorrido tenha alegado violação das normas de conteúdo do plano, a verdade é que concretiza tal violação, com um facto que precede o próprio plano, inclusivamente o próprio processo, i.é, assaca a violação ao facto de os devedores não estarem em situação económica difícil, mas sim em situação catual de insolvência.

11. Ora se a situação de insolvência, a existir, se encontra a jusante do plano, -inclusivamente do próprio processo- e se a violação que permite a revogação tem como objeto normas de conteúdo do plano propriamente dito, outra conclusão não se pode tirar, senão a de que não se verifica qualquer violação de normas de conteúdo do plano, porquanto tal situação se reportar a uma fase anterior ao mesmo. (i.é. fora do núcleo onde as violações de conteúdo podem ocorrer) 12. Acresce que a regulação da tramitação do procedimento de revitalização é de todo desadequada para a discussão sobre o carácter iminente ou verdadeiramente atual da insolvência do devedor porque o seu núcleo essencial, a fase negocial, decorre informal e exteriormente ao contro judicial.” - Conforme acórdão em contradição - 2º Parágrafo da pág. nº 5.

13. No âmbito do PER, são os credores quem tem a hegemonia da decisão, não podendo o tribunal não homologar um plano aprovado pela maioria qualificada de credores, fora dos casos do art. 215º do CIRE, extravasando, assim, o Tribunal “a quo” os seus poderes, em detrimento do verdadeiro poder decisório dos credores, 14. Se a situação de atual insolvência, efetivamente se verificasse, teriam sido os próprios credores – na sua maioria qualificada- a fazerem-no notar na votação do próprio plano -O que também não aconteceu! 15. Acresce a situação de insolvência apenas poderia imputar-se aos devedores no caso de resultarem infrutíferas as negociações com os credores, o que não foi manifestamente o caso! 16. Neste sentido também o Acórdão em contradição: “não parece que ao juiz- descontada a verificação de qualquer outro fundamento de recusa de homologação do plano- reste outra alternativa que não a homologação desse acordo. O que se compreende, já que se o devedor e os credores, ou uma maioria qualificada deles – sujeitos para cuja tutela o processo se mostra ordenado – acordam num plano de recuperação é porque realmente o devedor não se encontra em estado de insolvência, antes é recuperável ou revitalizável ou como tal se deve ter: ninguém está melhor colocado para decidir sobre o estado de insolvência ou de recuperação do devedor que os seus credores.” (sublinhado nosso) 17. Este regime inculca que o plano de insolvência é um verdadeiro negócio jurídico processual e mesmo uma transação e, portanto, um verdadeiro contrato.

18.

No âmbito da respetiva liberdade e autonomia, os credores dos aqui Recorrentes, na sua maioria qualificada imposta por lei, conformaram juridicamente os seus interesses no plano que aprovaram, tendo, por esse modo, considerado aqueles seus devedores “desvitalizados” mas “ainda não” insolventes, conforme acórdão em Contradição (4º parágrafo da página 10) 19. Esse negócio jurídico processual não exigiria a unanimidade dos votos favoráveis ou o consentimento de todos os credores, para que se tivesse por validamente concluído e vinculativo para todos eles, incluindo os afetados pela supressão ou alteração do valor dos seus créditos, ou das sua garantias, e, por isso, não deveria ser oficiosamente recusada a homologação do plano com fundamento na ora alegada insolvência atual dos Recorrentes - conforme acórdão em Contradição (4º parágrafo da página 10) 20. O Legislador, com mecanismo processual ora em apreço, atribui ao juiz um papel muito restrito, e faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia, ou a preservação do tecido económico, na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, pelo que, também não deveria ser oficiosamente recusada a homologação do plano com esse fundamento- conforme acórdão em Contradição (5º parágrafo da página 10) 21. Ainda que douto, o Acórdão em crise, ao decidir pela revogação da decisão de homologação do PER em apreço, constitui um atentado grave às garantias legais que norteiam o Processo Especial de Revitalização – em particular ao “princípio da legalidade, da liberdade e da autonomia dos...

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