Acórdão nº 415/11.9GAMLD-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução05 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, identificado nos autos, foi julgado no Tribunal Judicial da Mealhada, no âmbito do processo comum singular nº 415/11.9GAMLD, tendo sido condenado por sentença de 16-03-2012, que transitou em julgado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no art. 3°, nº 1, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão, a cumprir em regime de prisão por dias livres, nos termos do artigo 45º do Código Penal, em virtude de, em 13 de Julho de 2011, ter sido encontrado a conduzir na via pública o ciclomotor de matrícula 1-AND-52-63.

Apresentou, agora, o presente recurso extraordinário de revisão, com fundamento em que é possuidor de licença de condução de veículo com motor, emitida pela Câmara Municipal de ...., o que o habilita a conduzir o referido veículo, conforme exposição que sintetizou nas conclusões que se transcrevem: I) O arguido, no dia 13 de Julho de 2011, conduzia uma "motorizada", conforme resulta dos autos n.º 415/11.9GAMLD, cujos termos correram no Tribunal Judicial da Mealhada.

Il) O arguido é titular de licença de condução de veículo com motor, número AND26220, desde 06/05/1992, conforme Certidão emitida pela Câmara Municipal de ...., sob Docº nº 1, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

III) Ao facto mencionado no ponto anterior, apenas as autoridades policiais lhe fazem referência, em fase de inquérito, ao longo de todo o processo n.º 415/11.9GAMLD.

IV) O Ministério Público, a fls 30 dos autos n.º 415/11.9GAMLD apenas promove uma pesquisa online junto do IMTI, cujo resultado foi "não foram encontrados registos" .

V) Nada mais foi investigado quanto ao facto do arguido ser titular de licença de condução de veículo com motor.

VI) O arguido ao não ter consigo a respectiva licença de condução, criou a convicção de que não podia conduzir, estando consequentemente a cometer um crime.

VII) O arguido não sabia que podia obter junto da Câmara Municipal de Anadia, a certidão que demonstra a licença de condução para ciclomotores.

VIII) Durante toda a fundamentação da douta sentença do Tribunal a quo, não é feita qualquer referência aquele facto, que passou completamente despercebido, apesar de referendado nos autos.

IX) Este novo facto, constante da informação da Câmara Municipal de ...., subsume-se na previsão da norma consagrada no artigo 449.°, n.º 1, alínea d) do CPP, suscitando uma grave dúvida sobre a justiça da condenação.

X) In casu, resulta do facto novo, que, por um lado, o condenado não sabia que não estava a cometer um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pois criou a convicção de que não tendo o suporte físico da licença de condução consigo (atendendo ao facto de não saber que podia requerer a Certidão na Câmara Municipal de ....), estaria a cometer um crime, quando o que praticou foi um ilícito de mera ordenação social, cuja sanção é de coima e não de pena, atendendo ao documento sub judice.

XI) Ainda que assim não se entenda, sem prescindir, resulta do facto novo que o condenado, então arguido, era titular de licença de condução válida para conduzir ciclomotores.

XII) Não estão verificados, no caso concreto, todos os elementos do tipo legal do crime pelo qual o arguido foi condenado, impondo-se, por uma questão de justiça e reposição da verdade, a revisão da sentença condenatória.

XIII) Cumpre apenas referir, para conhecimento, que o condenado preso, já é portador de Carta de Condução, para as categorias Al, Bl e B, desde 19/03/2012 (Conforme Doc. n.º 2, que se junta para todos os devidos e legais efeitos) e cuja ínstrução se iniciou largos meses antes.

XIV) A sentença foi proferida com base em elementos insuficientes ou contrários à verdade, pelo que só por via de recurso extraordinário de revisão é possível obter nova decisão judicial que substitua a que já transitou em julgado.

XV) Um dos valores fundamentais do direito é o da segurança das decisões judiciais, consubstanciada no instituto do trânsito em julgado, contudo, tal valor não é absoluto, nem sequer é o mais importante, pois sobreleva o da justiça, particularmente quando estão em causa direitos fundamentais de pessoa humana.

XVI) É nas condenações penais, onde são ou podem ser afrontados os direitos à liberdade, à honra e ao bom nome do condenado e onde, portanto, a imutabilidade da sentença que decorre do caso julgado tem de ceder sempre que se torna flagrante que foi contrariado o sentido de justiça.

XVII) No confronto desses dois valores, a justiça e a segurança, o legislador em matéria penal opta por uma solução de compromisso, possibilitando, embora de forma limitada, o direito de rever as sentenças, ainda que transitadas em julgado, em nome das exigências da justiça.

XVIll) O art.º 29.°, n.º 6, da Constituição da República prevê, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, sobre a aplicação da lei criminal, que "Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos".

XIX) O Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, prevê o de revisão, no art.º 449.° e segs., que visa a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua a uma outra já transitada em julgado, apoiando-se em vícios ligados à organização do processo que conduziu à decisão posta em crise.

XX) Pretende-se, não um reexame ou apreciação de anterior julgado, mas antes tirar uma nova decisão assente em novo julgamento do feito, agora com apoio em novos dados de facto, isto é, versando apenas sobre a questão de facto.

XXI) O presente caso configura-se como nele tendo ocorrido um erro judiciário assente no desconhecimento, por parte do Tribunal, de factos essenciais à decisão, e isso por motivos alheios ao próprio tribunal e ao normal decurso do processo, de forma que, se o tribunal tivesse conhecido tais factos em devido tempo, muito provavelmente não teria emanado uma sentença condenatória e o arguido continuaria em liberdade.

XXII) O que está em causa, nada tem que ver com a situação da sentença sub judice, ser ou não ser irrepreensível no tocante à apreciação jurisdicional que fez do caso, mas sim com o erro quanto aos factos (não quanto ao direito), por força de motivos estranhos ao próprio processo.

XXIII) Factos novos são os que não foram apreciados no processo, por serem desconhecidos do Tribunal ao tempo do julgamento, quer porque eram desconhecidos do arguido ou do Ministério Público, quer porque não puderam ser apresentados, por qualquer razão, pelos sujeitos processuais, como é, salvo o devido respeito por entendimento diverso, o caso em apreço.

XXIV) Na morigerada jurisprudência do STJ e que foi explanada no acórdão proferido no processo n.º 330-04.2JAPTM-B.S1, da 5.ª Secção, segundo a qual os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveís em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão...

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