Acórdão nº 217/10.0TTMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 19 de março de 2010, no Tribunal do Trabalho da Maia, entretanto, extinto, AA, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S. A., pedindo a condenação da ré: (a) a integrar o autor em cargos de direção, ou mesmo em cargos de gestão nas empresas participadas do grupo da ré, ou no desempenho de funções efetivas e que se coadunem com a sua qualificação profissional, competências, curriculum e estatuto profissional de quadro superior — especialista II, grau de qualificação VI [quadro superior — ENG.MC O1 (Assessor) A.E. 2006], de acordo com o que se mostra definido no AE de 2008; (b) a reconhecer que tem direito à atualização do vencimento e complementos remuneratórios de forma compatível com a respetiva categoria, grau de qualificação VI e habilitações profissionais, equivalente ao montante médio das remunerações e complementos remuneratórios dos indicados colaboradores da ré e a proceder em conformidade e como é de lei; (c) a pagar-lhe as diferenças salariais e acréscimos remuneratórios que se verificarem desde setembro de 2005 até à efetiva atualização salarial referida na alínea anterior, determinada com base na diferença entre os valores pagos e a média dos salários e complementos remuneratórios auferidos pelos colegas de trabalho do autor e outros funcionários da ré, relegando a liquidação do seu valor para execução de sentença, que deverá ser atualizado com base no índice de preços ao consumidor; (d) a pagar à Caixa Geral de Aposentações os descontos que se vierem a apurar sobre as diferenças salariais e remunerações complementares devidas desde setembro de 2005 até à sua atualização salarial; (e) a manter, em conformidade como o estatuto retributivo do autor, o subsídio especial de função, telemóvel de serviço e utilização de viatura pessoal e de uso permanente, com plafond de combustível por mês; (f) a pagar-lhe, a título de indemnização pelo dano não patrimonial infligido, com o seu comportamento discriminatório e ilegal, € 30.000; (g) a pagar juros de mora à taxa legal sobre aquelas quantias, a contar da citação e até efetivo pagamento.

Alegou, em suma, que é licenciado em engenharia mecânica, tendo iniciado a carreira profissional ao serviço da ré, no dia 5 de janeiro de 1989, como quadro superior, detendo atualmente a categoria de quadro superior, especialista II, grau de qualificação VI, sendo certo que a ré o fez regredir na carreira, atribuiu-lhe funções inadequadas à sua categoria profissional e correspondentes a categoria inferior, não avaliou o desempenho referente ao ano de 2008, não lhe deu formação, isolou-o em gabinete sem condições de luminosidade, instalou-o em gabinete que foi ocupado por técnicos seus dependentes e discriminou-o em relação aos atuais e anteriores colegas de trabalho em termos de estatuto remuneratório, progressão e posição profissional.

A ré contestou, invocando que não violou qualquer direito ou garantia do autor, pedindo a improcedência da ação, a absolvição dos pedidos e a condenação do autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

O autor pediu a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé e deduziu, oportunamente, articulados supervenientes, que foram admitidos.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a ré a pagar € 4.000 ao autor, a título de indemnização pelos danos decorrentes da sua não avaliação e formação, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

  1. Inconformados, o autor e a ré interpuseram recurso de apelação, sendo o do primeiro independente e o da ré subordinado, tendo a Relação julgado o recurso principal parcialmente procedente, termos em que condenou a ré a pagar, ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 20.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data do acórdão e até integral pagamento, e julgado prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.

    É contra esta deliberação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, no qual formula o subsequente núcleo conclusivo: «1 – Não se provando a prática, pela empregadora, de qualquer ato discriminatório, consubstanciador de assédio moral, não se aplica a disciplina contida nos artigos 24.º e 29.º, respetivamente, do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.

    2 – Os factos neste âmbito provados são insuscetíveis de configurar uma situação de mobbing e se a decisão em crise diz não haver discriminação por inaplicabilidade (reiterada no acórdão posto em crise) do art. 29.º do C. Trab. 2009, então não se compreende que se verifique a existência de assédio moral.

    3 – A Recorrente não se conforma que, tendo a Douta decisão considerado não haver discriminação pelo facto de ter ficado sujeito hierarquicamente a trabalhadora com a mesma categoria que ele, ainda que com um nível de competência inferior, pelo mesmo facto, ou seja, a nomeação do Autor como Adjunto do COC-N, considere que a Recorrente sujeitou o Autor a um comportamento humilhante.

    4 – Resultou provado que os projetos e trabalhos que foram atribuídos ao Autor enquadravam-se nas funções correspondentes à sua categoria profissional e tinham em conta a sua formação académica, bem como que o Autor nunca apresentou o cronograma, nem desenvolveu quaisquer atividades relacionadas com os referidos projetos/trabalhos.

    5 – Assim, é incompreensível a conclusão de que a Recorrente não lhe atribuiu qualquer tipo de projetos, cargos ou funções com a sua categoria profissional e grau de qualificação.

    6 – E mesmo que se entenda que o Autor teve certos períodos de inatividade, dificilmente se aceita que tal consubstancie a prática de assédio, como conclui o Tribunal da 2.ª Instância.

    7 – Defendendo a tese de que os cargos de chefia e direção são exercidos em comissão de serviço e, a partir do nível 5, o são por nomeação do Conselho de Administração, dentro da sua competência e discricionariedade, não se [concebe] a conclusão da Douta decisão recorrida de que esta não convidou o Autor a preencher uma vaga num lugar de correspondência direta, em termos hierárquicos, com o antigo TPN, nomeação para cargos de chefia, mesmo no regime de substituição.

    8 – Salvo o devido respeito, o Tribunal de 2.ª Instância confunde uma ferramenta informática a que vários trabalhadores tinham acesso, com uma ferramenta de trabalho do Autor, o que não resulta provado, pelo contrário, ficou provado antes […] que tendo em conta que por cada utilizador a Recorrida tem de pagar uma licença “O....”, individual, que ronda os 3.800,00 Euros, e após levantamento feito, considerou a ré não se justificar o encargo quando as tarefas habituais dos trabalhadores não estavam intimamente ligadas à informação, tendo retirado o acesso ao Autor.

    9 – No que respeita à avaliação do ano de 2008, ainda que eventualmente, a omissão de avaliação impedisse o Autor de receber incentivos ou prémios, o que não é verdade, tanto mais que o Tribunal decidiu manter os pontos 69 e 72 inalterados, visto que a avaliação não é o único critério para o Autor aceder, por nomeação, a vagas a cargos superiores e pudesse progredir na carreira, não é facto suficiente para subsumir à prática de mobbing.

    10 – Em face do exposto, não se descortina qualquer fundamento para a condenação em indemnização por danos morais, porque a recorrente não praticou na esfera jurídica do Autor qualquer ato ilícito que justifique a indemnização, sendo certo que já decidiu esse Venerando Tribunal que “da circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências de determinado comportamento não decorre que a intenção/finalidade do agente não seja um dos elementos a considerar para aferir da gravidade/’tipicidade’ de certo comportamento (questão que se situa em momento que é logicamente anterior)” [cita-se, no corpo da alegação de recurso, o “Ac. de 18-12-2013, proferido no processo 248/10.0TTBRG.P1.S1, disponível em dgsi.pt”].

    11 – Entende a recorrente que não existindo qualquer prática de ato discriminatório, não poderia quer a 1.ª Instância quer a 2.ª Instância considerar que o Autor tem direito a ser compensado por danos não patrimoniais. Posição que assumiu, recorrendo das duas decisões, nessa parte.

    12 – Ao decidir como decidiu o Douto acórdão violou o art. 496.º e 494.º do CC, porque não existe dano merecedor de tutela jurídica face à matéria tida por assente.

    13 – E assim, caso se venha a revogar o Douto acórdão recorrido, pelos motivos aqui aduzidos [sic].» Termina afirmando que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, não sendo de repristinar a sentença da 1.ª instância, nesta parte.

    O autor, face ao recurso de revista interposto pela ré, veio apresentar recurso de revista subordinado, nos termos e com os fundamentos seguintes: «A – [O] conceito de assédio abrange, não apenas as hipóteses em que se vislumbra o objetivo do empregador de afetar a dignidade do trabalhador, mas também aquelas em que, ainda que se não reconheça tal, ocorra o efeito a que se refere a parte final da norma — artigo 29 do C.T.; B – A lesão essencial que surge como consequência do comportamento ilícito do empregador que exerce assédio moral traduz-se na lesão da dignidade do trabalhador, como pessoa que é submetida a um ambiente hostil, degradante, humilhante no seu meio laboral; C – Entre o mais está provado que a Ré reconhece ao Autor a sua competência, responsabilidade e espírito empreendedor que lhe eram e são devidos (pág. 84 do douto acórdão 31.ª linha); D – O Autor recebeu sempre prémios anuais até 2007, inclusive, de acordo com os níveis das suas avaliações de desempenho (pág. 85 – 10.ª linha); E – A ré realizou a avaliação de desempenho de 2007, em que reconhecia o Autor como um Quadro Superior de “Topo” a...

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