Acórdão nº 320/13.4 GCBNV.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução12 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, ..., nascido a ... em ..., residente no ..., antes de preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, foi julgado por tribunal coletivo e em processo comum, no Tribunal Judicial de Benavente, e condenado em acórdão de 28/7/2014, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP, na pena de 17 anos de prisão, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27.04, na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo, na pena conjunta de 18 anos de prisão. Foi ainda condenado no pagamento de indemnizações cíveis.

Recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, em acórdão de 20/1/2015 considerou o recurso improcedente e manteve a decisão recorrida.

Recorre agora para este STJ, pelo que cumpre conhecer.

A - FACTOS Foram considerados provados os seguintes factos: "Da acusação a) No dia 16 de Junho de 2013, ao final da manhã, o arguido deslocou-se ao Supermercado “Modelo”, no Porto Alto, juntamente com a sua companheira; b) Nesse mesmo local, estava também BB, seu primo e de etnia cigana, tal como o arguido, e acompanhado da respectiva companheira; c) Iniciou-se uma discussão entre as mulheres dos dois casais no interior do supermercado e de modo não concretamente apurado a mulher do arguido saiu do estabelecimento e o casal saiu do local; d) Alguns minutos depois, cerca das 13 horas desse mesmo dia, no exterior do supermercado “Pingo Doce”, na zona do respectivo parque de estacionamento o arguido, acompanhado da esposa e uma filha, e BB voltaram a encontrar-se; e) O arguido fazia-se acompanhar de uma pistola de calibre 6,35 mm, de sua propriedade, e que havia obtido em data e condições não apuradas, e que se encontrava municiada e pronta a disparar; f) O arguido não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma nomeadamente para a arma de que se fazia acompanhar; g) No decurso da discussão mantida com BB, o arguido empunhou a referida arma e, quando se encontrava a cerca de um metro de distância de BB, desferiu quatro disparos na direcção deste, atingindo-o na zona esquerda do tórax, região dorsal esquerda, pulso direito e junto ao nariz; h) Tais ferimentos constituíram causa directa e necessária da morte imediata de BB; i) O arguido conhecia as características da arma que decidiu manter na sua posse, bem sabendo que tal detenção não lhe era permitida, em função de não dispor da respectiva autorização legal; j) O arguido decidiu efectuar quatro disparos no corpo de BB, quando se encontrava a curta distância do mesmo, querendo e conseguindo atingir zonas do seu corpo que alojam órgãos vitais; k) O arguido agiu da forma descrita, querendo e conseguindo provocar a morte de BB, o que conseguiu; l) O arguido agiu dessa forma, motivado por desavenças familiares em virtude das duas famílias não aceitarem e não concordarem com o modo de vida da outra, e decorrente de uma mera discussão entre familiares; m) O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei, com o que se conformou; Do pedido de indemnização civil n) Os demandantes tinham com BB, companheiro da demandante CC e pai dos restantes demandantes, um relacionamento familiar de muito amor e carinho; o) A morte de BB nos termos supra descritos causou aos demandantes profunda angústia que terão de suportar para o resto da vida; p)BB era o pilar da família e provinha para o seu sustento, trabalhando árdua e diariamente para o sustento da família; q) De acordo com os costumes e tradição da etnia cigana a companheira/esposa de um falecido deve fazer luto para o resto da vida e não deve ter mais nenhum companheiro em toda a sua vida e os filhos do falecido devem fazer luto pelo menos por um ou dois anos; r) Devido à morte de BB a companheira e filhos recorreram a apoio médico e religioso; s) A situação económica dos demandantes agravou-se devido à morte de BB, e subsistindo apenas com o apoio social da segurança social e de algumas pessoas amigas que residem por perto; t) Devido à actuação do arguido, os demandantes sofreram medo, inquietação, vexame, vergonha, nervosismo, profunda mágoa, insegurança, angústia e dor; Provou-se ainda que: u) Os demandantes CC, DD, EE e FF, filhos de BB, são únicos herdeiros deste, conforme certidão de habilitação de herdeiros de fls. 910 a 912; v) BB nasceu em ....1966 como consta da declaração de óbito de fls. 7; w) Consta do relatório social do arguido que: •Não frequentou a escola, e actualmente ainda não sabe ler ou escrever; •Era visto como um jovem calmo, colaborante e dinâmico a nível do desempenho das suas funções; •Aos 21 anos passou a viver com a companheira em casa dos sogros e mais tarde em casa camarária no Bairro de ...; •Tem 4 filhos e passou a trabalhar por conta própria na venda de roupas em mercados e feiras, na zona de Lisboa, juntamente com a companheira, retirando entre 100 a 300 euros por feira, o que lhe permitia assegurar sem dificuldade o quotidiano da família e as despesas básicas da habitação; •Na sequência do abandono da residência da família pelo arguido para manter um relacionamento afectivo com outra pessoa que não a companheira, esta fixou residência numa morada arrendada no ..., para onde o arguido veio viver quando reatou relacionamento com a mãe dos seus filhos e deu continuidade ao modo de vida ligado à venda ambulante; •Revela dificuldade em ter uma atitude autocrítica quanto à assumpção de condutas menos normativas e revela, relativamente as factos em apreço nos autos, dificuldade para assumir as suas fragilidades pessoais; x) O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado: •Por sentença proferida em 18.02.1997, no proc. comum singular n.º 544/94.1 TAVFX, do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, na pena de sete meses de prisão suspensa por dois anos, pela prática, em 14.11.1994, de um crime de detenção de arma proibida; •Por acórdão proferido em 11.06.1997, no proc. comum colectivo n.º 104/96.2 GEVFX, do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, na pena de quinze meses de prisão, pela prática, em 28.03.1996, de um crime de receptação; • Por sentença proferida em 03.10.2008, no proc. comum singular n.º 70/05.5 F2LSB, do 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 19.11.2005, de um crime de contrafacção." B - RECURSO Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do arguido: "I O arguido foi confrontado, desde logo no âmbito do seu primeiro interrogatório, com resumos das conversações telefónicas interceptadas, constantes de relatórios elaborados pela Policia Judiciária, formando uma legítima espectativa, desde aquela altura, que tal prova estaria junto aos autos e seria válida. Tanto que, ao definir a sua estratégia de defesa, designadamente quando tomou a decisão de prestar declarações, foi influenciado por tal convicção.

II A dita "confissão" a que se alude na douta Decisão recorrida foi fruto da vontade do arguido, que foi formada com base em diversas premissas, sendo uma delas a existência de escutas telefónicas nas quais, entre outros assuntos, se aflora a mecânica dos acontecimentos objecto dos presentes autos. Assim, afirmando toda a consideração por perspectiva diferente, não se pode dissociar a prova ora considerada nula da prova produzida através das declarações prestadas pelo arguido, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento - não se mostrando esta autónoma em relação àquela.

III A prova resultante da inquirição da testemunha GG, pai da companheira do arguido, o Tribunal ad quem, sempre terá que formular a hipótese da sua contaminação. Uma vez que a prova ora considerada nula contemplava aspectos relacionados com a inquirição daquela testemunha, em sede de inquérito, o que poderá ter condicionado o seu depoimento na fase de Julgamento, dada a proximidade entre a testemunha e o arguido.

IV É manifesta a influência que o teor das conversas interceptadas teve na produção de prova durante todo o julgamento, condicionando manifestamente quer o Tribunal de 1ª Instância (e daí a sua valoração para fundamentar a decisão de facto), quer para o arguido ora recorrente, quer mesmo para as testemunhas de acusação, nomeadamente o pai da companheira do arguido - GG.

V Existe um nexo de dependência entre a prova inquinada e a que lhe seguiu, dependência essa que subsiste a todos os níveis, designadamente a nível cronológico, a nível lógico e a nível valorativo.

VI Na esteira do apelidado "efeito à distância" ou "teoria dos frutos da árvore envenenada", a referida nulidade projectou-se à distância, abrangendo as outras provas ulteriormente produzidas, nomeadamente em Audiência de Discussão e Julgamento - nulidade que para os devidos e legais efeitos expressamente se argui.

VII A prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, incluindo a testemunhal, não poderá ser valorada, devendo os factos constantes da acusação e dados como provados pelo douto Acórdão recorrido ser dados como não provados, com todas as devidas e legais consequências, sempre se considerando que, estando inquinada a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, esta deverá ser tida por inválida (ex vi artigo 122.° do Código de Processo Penal), devendo ser, consequentemente, integralmente repetida, o que aqui, para todos os devidos e legais efeitos, igualmente se requer.

VIII O douto Acórdão recorrido concorda com o arguido no que toca a existir, na douta Decisão da 1ª Instância, uma contradição da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão relativa aos pontos da matéria de facto acima assinalados em 9 e 10 - todavia, discorda do arguido quanto à insanabilidade do aludido vício.

IX A Decisão doutamente proferida em sede de 1ª Instância, ainda que conformada nos termos do douto Acórdão ora sindicado, continua, salvo o devido e...

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