Acórdão nº 81/15.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução17 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I S, Juíz de Direito notificada da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 5 de Maio de 2015, que decidiu atribuir-lhe a classificação de serviço de “Bom”, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, interpor recurso contencioso, com os seguintes fundamentos: - Pela deliberação impugnada foi decidido atribuir à A., na sequência da inspecção ordinária realizada ao seu serviço, no período de 1 de Setembro de 2008 a 18 de Novembro de 2013, a classificação de “Bom”.

- A decisão consubstanciou-se nos factos já constantes da douta deliberação do Conselho Permanente de 10 de Fevereiro de 2015 e do douto Relatório Final e em alguma factualidade emergente da reclamação apresentada pela A., repetindo, na sua quase totalidade, a argumentação expendida na deliberação do Conselho Permanente do CSM.

- A A., embora a respeite, discorda da apreciação feita pela deliberação impugnada, porquanto considera (i) que se verifica o vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 6º, nº 1, do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ), (ii) para além do vício de falta de fundamentação, (iii) e erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.

1) Do vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 6º, nº 1, do RIJ - Estabelece o artigo 6º, nº 1, do RIJ, que “[p]ara efeitos de classificação, devem os inspectores apreciar todo o serviço anterior prestado nos tribunais onde os juízes tenham exercido funções e que ainda não tenha sido apreciado para tal finalidade”.

- Esta norma representa, assim, no que às inspeções judiciais concerne, a consagração do princípio ne bis in idem e que encontra paralelo no nº 5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa (CRP), quando aí é preceituado que “[n]inguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

- Ou seja, e conforme se aclara em douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.04.2011, proc. nº 250/06.6PCLRS.L1-3, disponível em www.dgsi.pt: “Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo (…) se complemente com o princípio ne bis in idem ou non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva.

Esta garantia visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição (…) múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural”.

- De resto, o referido principio, apesar de ter na sua génese a aplicabilidade ao processo penal, “é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória” (cf. douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009, proc. nº 0723/09, disponível em www.dgsi.pt), - E, de facto, o processo de inspecção judicial assume natureza sancionatória, uma vez que determina o mérito do trabalho do juiz sob inspecção conforme se verifiquem ou não factores menos positivos ou até negativos em cada uma dos critérios de avaliação instituídos no artigo 13º do RIJ [exemplo dessa natureza sancionatória é, aliás, o facto do CSM, em caso de atribuição classificação de “Medíocre”, dever instaurar processo de inquérito com vista a determinar inaptidão do juiz para o serviço – cf. artigo 16º, nº 6, do RIJ – ou do CSM poder ter em consideração eventuais condenações em processos disciplinares para determinar a classificação a atribuir – cf. artigo 19º, nº 1, alínea a), do RIJ].

- Assim, e não subsistindo dúvidas que o referido princípio tem incidência no processo de inspecção judicial (como, aliás, parece evidente pela norma do artigo 6º, nº 1, do RIJ), pensa-se que o mesmo foi desrespeitado pela douta deliberação impugnada.

- Na verdade, numa tentativa de fundamentar a atribuição da classificação de “Bom” à A., o R. acaba por alicerçar a sua sustentação em factualidade que foi valorada em anterior inspecção ao serviço da A., nomeadamente quando refere na douta deliberação impugnada que: «2.2.3. Consideradas as condições em que decorreu o exercício da Reclamante, temos de convir que o facto de a mesma ter dado resposta atempada à totalidade do serviço, com o nível qualitativo que lhe foi reconhecido, acaba por não ser bastante para demonstrar a sedimentação do mérito nos termos que são pressupostos para a atribuição da classificação de Bom com Distinção.

E esta convicção, tributária da deliberação reclamada, ainda mais se acentua se considerarmos que a Reclamante, no início do período sobre o qual recaiu a inspecção (0.09.2008), tinha apenas um ano de exercício efectivo da função. No termo dele, tinha pouco mais de seis anos, entrecortados por duas baixas médicas, consequências de duas gravidezes de risco, e pelo gozo de duas licenças parentais.

Tudo isto ponderado, é clara a incerteza sobre qual será o desempenho da Reclamante quando confrontada com as circunstâncias de um exercício mais exigente, designadamente em termos de carga processual. Por outras palavras, é ainda incerto se a Reclamante perante um incremento de grau de dificuldade – que muito naturalmente irá surgir no respectivo percurso profissional – conseguirá responder ao serviço com qualidade e a tempestividade que evidenciou no período que aqui está em causa ou se, pelo contrário, irá ceder ao “facilitismo” dos despachos procrastinadores, conforme fez no termo do seu exercício objecto de inspecção anterior, no Tribunal Judicial da Comarca de …, em cujo relatório, homologado por este CSM, foi feita menção a “algum arrastamento dos processos, sobretudo na fase final da sua prestação, com despachos sucessivos que poderiam ter sido proferidos de uma só vez, nomeadamente não agendando a tentativa de conciliação ou audiência preliminar no mesmo despacho em que determina a junção de documento, agendamento de tentativas de conciliação, quando era patente a sua ineficácia ou com uma dilação excessiva e até para uma data posterior ao termo das suas funções embora tivesse disponibilidade de agenda para data anterior, com convites nem sempre necessários ou indispensáveis ao aperfeiçoamento dos articulados e esclarecimento dos factos alegados ou injustificada exigência do original de documentos apresentados por fotocópia e não impugnados”».

- Mesmo que assim não se entendesse, sempre o reparo efectuado em anterior inspecção ao serviço da A. não corresponde à verdade, tendo a mesma exercido o direito de resposta e no qual esclarece designadamente que os agendamentos referentes ao mês de Junho ficaram naturalmente condicionados pelo início do período de férias pessoais em 07.07.2008.

- Aliás, evidência de que a douta deliberação impugnada sustentou a decisão sob escrutínio com base em factualidade que já havia sido apreciada e valorada em sede de anterior inspecção à A. é o facto de aí se concluir que “[a] referência que acabámos de fazer ao relatório da anterior serve-nos de mote para um outro aspecto que importa realçar: a classificação que, aqui e agora, vai ser atribuída não é somente o corolário da prestação levada a cabo no período da presente inspecção. Para ela deve contribuir, em conformidade com as considerações preliminares que fizemos, também a prestação desenvolvida pela Reclamante no período de 1 de Setembro de 2007 a 31 de Agosto de 2008”.

- Cremos, assim, que a decisão ora impugnada, porque assenta em factualidade que já havia sido apreciada e valorada em sede de interior inspecção viola frontalmente o disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ.

- Na verdade, a deliberação impugnada considerou que não seria de atribuir uma outra classificação meritória à A., porquanto com base no que havia sido homologado em anterior relatório inspectivo, elaborado em anterior inspecção, surgem dúvidas se a A. será capaz de manter o exercício meritório que evidenciou na presente inspecção.

- Ora, parece-nos, e salvo o devido respeito, que tal factualidade não poderá ser valorada na presente inspecção sob pena de considerar que o serviço da A. está a ser classificado não com base no serviço ainda não inspeccionado, mas sim com referência expressa a factualidade anterior e não respeitante ao período que agora se encontra sob inspecção.

- Tal actuação representa, pelo menos, quanto a nós, manifesta violação do disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ, enquanto norma de consagração do princípio ne bis in idem e segundo qual ninguém pode ser sancionado duplamente pelos mesmos factos. - E não se diga que este segmento decisório da douta deliberação impugnada encontra suporte na norma do artigo 15º, nº 1, do RIJ, mormente quando aí se estatui que “[n]a classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores”.

- Com tal norma não se pretende que seja apreciado e valorado o que consta de relatórios de anteriores inspecções, mas tão-só as classificações que foram atribuídas, o que, aliás, faz todo o sentido, pois esta é uma das formas do R. para perceber qual tem sido a evolução do magistrado cujo exercício de funções está sob a alçada inspectiva.

- Assim, e por tudo o quanto se disse, padece a douta deliberação impugnada de vício de violação de lei, por desrespeito manifesto da norma do artigo 6º, nº 1, do RIJ, enquanto premissa instituidora do princípio ne bis in idem no processo de inspecção judicial, sendo, por isso, ilegal, devendo, em consequência, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro.

2) Do vício de falta de fundamentação, por fundamentação contraditória - Consagra o nº 3 do artigo 268º da CRP que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na...

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