Acórdão nº 2545/10.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA CLARA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório SAA, Lda, instaurou acção declarativa, com forma ordinária, contra BB, Lda pedindo que se reconheça a resolução do contrato de empreitada e se condene a ré a pagar-lhe € 314.500, valor dos trabalhos de conclusão da empreitada, acrescidos de indemnização a liquidar posteriormente, pelos prejuízos que teve da não venda das moradias dentro do prazo acordado.
Alega, em síntese, que a ré se obrigou a construir duas moradias na Avenida de ..., …, ..., pelo preço total de € 414. 984, acrescido de IVA, sem qualquer adicional, no prazo de 90 dias, de acordo com o projecto de construção, conforme orçamento 1398/2006, de 16/01/2006. A ré não concluiu as moradias e desde Abril de 2008 que a ré se recusava a concluir as obras, exigindo o pagamento de trabalhos a mais no valor de € 13.017, valores esses que não eram devidos por a ré se ter obrigado a concluir a obra em 90 dias, sem receber qualquer quantia adicional.
A autora requereu, em produção antecipada de prova, Inspecção Judicial às moradias, nas quais se verificou, em 06/10/2008, quais os aspectos das obras que faltavam concluir.
Em 20/10/2008, por carta, disse à autora que estava a ultimar os trabalhos nas vivendas; a autora aguardou 60 dias e como a ré não concluiu as obras, em 24/12/2008, comunicou-lhe que considerava o contrato incumprido e solicitava a entrega das moradias; a ré voltou a solicitar o pagamento de trabalhos a mais, os quais não são devidos por ela se ter obrigado a concluir as moradias sem quaisquer adicionais.
A ré abandonou a obra em 7 de Janeiro de 2009, estando a obra ainda inacabada; para a conclusão da obra serão necessários € 314.500.
Em antecipação de prova requereu perícia à obra, não tendo havido unanimidade dos Srs. Peritos.
Se a obra fosse concluída nos prazos acordados a autora venderia as duas moradias pelo preço de € 500.000 cada uma, valor que devido à conjuntura económica não pode agora ser praticado.
Citada a ré contestou e deduziu reconvenção.
Confirma que em 03/03/08 aceitou concluir as duas moradias unifamiliares a que se refere o orçamento 1398/2006, no prazo de 90 dias a contar de 03/03/08, sem pagamento de qualquer quantia; a CC SA, anterior dona da obra, havia prescindido de determinados trabalhos: fornecimento e montagens de roupeiros com portas de carvalho; aquecimento, fornecimento e colocação de pedra Azulino Cascais nas paredes e pavimentos das casas de banho, substituição de vidros duplos por simples.
A ré suspendeu os trabalhos porque a autora e anteriormente a CC não pagavam os trabalhos a mais executados pela ré nas vivendas, no valor de € 13 017,00, que discrimina.
Os Peritos, por maioria, concordaram que para terminar as obras seriam necessários € 34.011,25 .
Em reconvenção, a ré pede a condenação da autora a pagar-lhe € 13.017,00, acrescidos de juros, correspondentes ao valor dos trabalhos a mais que realizou nas vivendas e que discrimina.
A autora replicou.
Reitera que não era devido qualquer valor por trabalhos a mais para a conclusão das vivendas; nega que tenha prescindido dos trabalhos e acabamentos que a ré invoca.
Pede a condenação da ré como litigante de má-fé, no pagamento de multa, porque, afirma, que ela pede o pagamento de trabalhos que não executou e sabe que não tem direito a trabalhos a mais.
Realizou-se audiência preliminar, saneando-se o processo e condensando-se os autos, com a reclamação à seleção da matéria de facto por parte da autora, reclamação essa não atendida.
Realizou-se o julgamento e decidiu-se a matéria de facto, sem reclamações.
A autora apresentou alegações escritas sobre o aspeto jurídico da causa.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, decide-se julgar: A acção improcedente e, consequentemente, absolve-se a ré do pedido.
A reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a autora/reconvinda a pagar à ré a quantia de 9.289€, acrescida de juros de mora, desde a notificação da reconvenção, às taxas que resultem da aplicação da Portaria 597/2005, de 19/07».
A Autora AA, LDA interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação julgado totalmente improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida, com custas pela Apelante.
Novamente inconformada intenta a autora recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, com fundamento na contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-02-2010, o qual foi admitido pela formação constituída nos termos do n.º 3 do art. 672.º do CPC, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 da mesma disposição legal.
A Recorrente formula, na sua alegação de revista, 161 conclusões exaradas a fls. 690 a 706, que aqui consideramos integralmente reproduzidas.
Terminam a sua alegação, requerendo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que admita o incumprimento definitivo da ré e julgue válida a resolução do contrato de empreitada pela Autora, bem como seja fixada indemnização a seu favor a liquidar em execução de sentença em virtude do incumprimento contratual.
A Ré não apresentou contra-alegações.
Nas suas conclusões, a autora coloca duas questões: 1. Que seja acrescentado à matéria de facto um facto novo com base no documento n.º 29, junto aos autos no articulado 76.º da petição inicial, o qual contempla a fixação de prazo admonitório que a autora-recorrente deu à ré para concluir a empreitada sob pena de incumprimento contratual, a cujo teor as instâncias não deram relevância nem o fizeram constar da factualidade provada.
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Interpretação da conduta da ré de paralisação das obras, como exceção de não cumprimento do contrato desproporcional à gravidade do incumprimento parcial imputado à autora ou como declaração inequívoca da vontade de não cumprir suscetível de gerar incumprimento definitivo.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
II – Fundamentação de facto As instâncias deram como provados os seguintes factos.
1°- DD, na qualidade de gerente de Ré BB, Lda, emitiu a declaração escrita, datada de 03/03/08, cuja cópia se mostra a fls. 87, na qual consta: “...declara ... que a sua representada se obriga perante a AA, Lda a: 1. Liquidar as letras de câmbio aceites pela AA, Lda infra identificadas, e a entregar as mesmas a esta última até ao dia 30 de Abril de 2008: Letra de câmbio no montante de €45.000,00 com vencimento em 24.02.2008; Letra de câmbio no montante de € 9.694,64, com vencimento em 10.03.2008; c)-Letra de câmbio no montante de €16.789,23, com vencimento em 16.03.2008.
2. Concluir a obra a que se refere o seu orçamento n.° 1398/2006, no prazo de 90 (noventa) dias, sem pagamento de qualquer quantia por parte da AA, Lda.(A) 2°- A Ré emitiu o orçamento n.° 1398/2006, em 16/01/06, cuja cópia se mostra a fls. 79, do qual consta: “ De acordo com o pedido de V.ª Ex.ª junto enviamos o valor para a construção de duas moradias na EE, de acordo com os projectos apresentados.
Os materiais são os descritos na memória descritiva.
– Construção das duas moradias 391.465,00€ – Construção duas churrasqueiras 9.826,00€ 3. – Execução reparação dos muros de vedação 13.693,00€, O valor total é de 414.984,00, Nos preços apresentados não está incluído o valor de IVA.
Validade da proposta: 60 dias. Prazo de execução 11 meses.
Condições de pagamento: a combinar. (B) 3°- O orçamento foi aceite pela autora. (C) 4°- Em 6/10/08 foi realizada inspecção judicial às vivendas, na qual foi constatado: “...Enumeram-se as obras que se encontram concluídas.
A estrutura dos edifícios está toda efectuada bem como os telhados, à excepção do telhado das churrasqueiras.
Todas as canalizações no interior das moradias encontram-se executadas, bem como electricidade, gás e esgotos.
Existe em todas as divisões, excepto na cave da moradia B, revestimento em estuque nas paredes e tectos e as casas de banho e cozinhas encontram-se revestidas e com pavimento.
Nas casas de banho só existe banheira e base de duche.
As caves encontram-se rebocadas e com pavimento cerâmico.
As moradias têm caixilhos e vidros nos vãos, excepto na moradia B (um vão na caixa de escada).
As casas encontram-se rebocadas exteriormente, excepto as churrasqueiras.
As portadas estão a ser colocadas neste momento.
Todas as portas estão colocadas, incluindo as das garagens.
O revestimento exterior, na globalidade, não está concluído.
Encontram-se por concluir as seguintes obras: Colocação do caixilho no vão da caixa de escada da moradia B.
Conclusão da rede de esgotos na cave, bem como gás e electricidade no exterior.
Colocação das loiças sanitárias (excepto banheira e base de duche) e torneiras.
Uma das casas de banho do rés-do-chão não tem revestimento em azulejo, encontra-se estucada, tem as canalizações colocadas, falta pavimento, aparelhos sanitários e torneiras.
Colocação das aduelas e portas interiores.
O pavimento flutuante não se encontra colocado.
As casas encontram-se estucadas no interior.
As cozinhas não têm o equipamento (só revestimento e respectiva canalização).
Os roupeiros não se encontram colocados.
Não se encontram colocadas as lareiras.
Nas varandas não se encontram colocadas as guardas.
A parte do terraço coberto não tem ainda pavimento e as paredes têm reboco.
As escadas interiores devem ser concluídas e colocado o revestimento.
Faltam as pérgulas dos terraços e faltam todos os acabamentos e remates inerentes ao fim da construção (no interior).
Falta concluir a rede eléctrica.
No exterior, os arranjos (revestimento) não se encontram executados.
Somente em algumas partes, nomeadamente as escadas, patamares tardoz e alçados laterais têm revestimento.
No alçado principal não se encontra concluído o revestimento.
Faltam todos os arranjos exteriores, bem como muros e muretes. Falta fazer as churrasqueiras e o chão. (D) 5º- Em 27/03/08, a ré, por referência ao orçamento 1398/06, refere ter realizado nas vivendas os seguintes trabalhos que considera não incluídos no orçamento: 1 – Trabalho de...
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