Acórdão nº 579/13.7TTOAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou a presente ação de impugnação dos estatutos contra SINDICATO NACIONAL …., pedindo se declare nula a deliberação da Assembleia Geral do Réu relativa à alteração do n.º 4 do artigo 18.º dos respetivos Estatutos, bem como de todo o seu anexo V.

Invocou como fundamento da sua pretensão que a Assembleia-Geral do Réu aprovou e fez publicar no BTE n.º 26, de 15 de julho de 2012 – no que respeita ao exercício do direito de tendência, previsto no n.º 2 do artigo 450.º do CT – o artigo 18.º, n.º 4, sob a epígrafe “Direito de tendência” e o Anexo V, dos mesmos estatutos, sob a epígrafe “Regulamento do direito de tendência”.

No entanto, nessa alteração aos seus Estatutos e respetivos anexos, o Réu não cumpriu com a obrigatoriedade constitucional e legal de discriminar objetivamente os direitos que devem caber às minorias que possam vir a existir ou existam no seio de todos os trabalhadores que o integram.

Citado, para os termos do artigo 165.º do Código de Processo do Trabalho, o Réu veio impugnar o valor dado pelo Autor à presente ação, defendendo que tal valor deve ser fixado em € 30.000,01, e veio dizer que elaborou e aprovou a regulação do direito de tendência, tendo por base a decisão tomada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.05.2011, publicado em www.dgsi.pt, defendendo que os seus Estatutos, porque garantem uma maior democraticidade e um maior pluralismo sindical, também estão conformes à Constituição e à Lei, convicção que sai reforçada com a posição defendida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.10.2013, publicado no mesmo sítio.

Concluiu pedindo seja declarado que o direito de tendência está regulamentado nos Estatutos do Réu em conformidade com a Constituição e com a Lei, devendo a ação improceder e o Réu ser absolvido do pedido.

Por despacho de 10.01.2014 foi fixado à ação o valor de € 30.000,01, e, em 10 de fevereiro de 2014, foi lavrado despacho convidando o Autor a ampliar o pedido, com os fundamentos seguintes: «No caso dos autos a nulidade requerida pelo Digno Procurador junto deste Tribunal, caso proceda, não se manifesta de cariz parcial. De facto, a mera declaração de nulidade de tal preceito não implica que fique sanada a omissão de regulamentação do direito de tendência que é objeto da ação. Para sanar tal nulidade, caso declarada, torna-se obrigatória a alteração estatutária necessária a que o referido Estatuto passe a regular a forma de exercício do direito de tendência sob pena de ficar em causa a validade dos próprios estatutos no seu conjunto por omissão de tal menção imperativa. Assim, à luz das disposições conjugadas dos artigos 74.º do Código de Processo do Trabalho, 3.º, n.º 3 e 590.º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, convido o autor a suprir a apontada insuficiência do pedido e ambas as partes a pronunciarem-se sobre a possibilidade de o tribunal vir a decidir, além do pedido, pela nulidade dos estatutos da Ré».

O Autor, na sequência do referido despacho, veio ampliar o pedido no sentido da nulidade dos Estatutos, no pressuposto de ser declarado nulo o n.º 4 do seu artigo 18.º, e consequentemente, todo o Anexo V, com o fundamento de que os Estatutos não podem subsistir sem que neles esteja expressamente consagrado o Direito de Tendência. Mais declarou não se opor a que o Tribunal use do instituto previsto no artigo 74.º do CPT.

A ação prosseguiu seus termos, vindo a ser decidida por sentença de 20 de março de 2014 que a julgou procedente, e, usando do estatuído no artigo 74.º do CPT, declarou igualmente nulos e de nenhum efeito os Estatutos do Réu, aprovados em assembleia-geral extraordinária de 25 de fevereiro de 2012.

Foi assim declarada a nulidade do artigo 18.º dos Estatutos do Réu, e, invocando o estatuído no artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho, foi também declarada a nulidade de forma global dos mesmos Estatutos.

Inconformado com esta decisão dela apelou o Réu para o Tribunal da Relação do Porto que veio a conhecer do recurso por acórdão de 19 de janeiro de 2015, que integra o seguinte dispositivo: «Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida, se substitui pelo presente acórdão, e em consequência se julga a ação improcedente e se absolve o Réu dos pedidos».

Nas alegações que apresentou nesse recurso o Réu insurgia-se contra a declaração de nulidade do referido artigo 18.º dos seus estatutos, mas também contra o facto de a sentença recorrida ter declarado a nulidade global dos mesmos estatutos, afirmando que o Tribunal não podia decidir nesse sentido.

Esta questão era colocada nas conclusões daquele recurso nos seguintes termos: «(1. a 8.) 9. Não há qualquer dúvida, face aos documentos juntos aos autos, em como se está perante uma alteração dos Estatutos existentes, mais concretamente de uma adaptação dos Estatutos existentes à matéria do CT, e não perante a aprovação e publicação dos Estatutos iniciais do Réu.

  1. O regime da nulidade total dos Estatutos está previsto apenas para as situações de desconformidade dos Estatutos iniciais em relação a normas legais imperativas – artigo 447º, n.º 8 do CT.

  2. As situações de alteração dos Estatutos existentes estão previstas no artigo 449º do CT.

  3. O regime de impugnação de cláusulas que fazem parte dos Estatutos iniciais é distinto do regime de impugnação de cláusulas que vêm alterar os Estatutos já existentes, Quando estão em causa cláusulas dos Estatutos iniciais, é possível pedir e ser declarada pelo Tribunal a nulidade total dos Estatutos – artigo 447º, n.º 8 do CT.

  4. Quando estão em causa cláusulas que vêm alterar os Estatutos existentes a avaliação e a decisão do Tribunal circunscreve-se à verificação da nulidade das cláusulas impugnadas, e não dos Estatutos na sua totalidade – acórdão da Relação de Lisboa de 18.01.2012 em www.dgsi.pt.

  5. Por imposição do disposto no artigo 449º, nº 2 do CT, na ação a propor pelo MP apenas pode ser pedida ao Tribunal a declaração de nulidade das normas estatutárias, e não dos Estatutos na sua totalidade, que estejam em desconformidade com normas legais imperativas. A atividade decisória do Tribunal fica limitada à verificação da nulidade das cláusulas estatutárias impugnadas, e não à validação dos Estatutos na sua totalidade.

  6. O artigo 74º do CPT não tem aqui aplicação porque existe uma norma legal imperativa – artigo 449º, n.º 2 do CT – que no caso concreto impede que o Tribunal declare a nulidade total dos Estatutos do Réu, quando apenas lhe foi pedido a anulação de algumas cláusulas desses mesmos Estatutos.

  7. O Tribunal a quo, ao tomar conhecimento da nulidade total dos Estatutos do Réu, e ao condenar o Réu declarando a nulidade total dos seus Estatutos, quando tal não lhe tinha sido pedido pelo Autor, tomou conhecimento de uma matéria que lhe estava vedado conhecer, atento o disposto no artigo 449.º, n.º 2 do CT e condenou em objeto diverso do pedido.

  8. Por estas razões, a sentença deve ser declarada nula – artigo 615º, nº 1, alíneas d), e) do CPC.

  9. Caso assim não se entenda, os argumentos acabados de expor permitem concluir que a sentença contém uma decisão ilegal.

  10. O artigo 18º dos Estatutos do Réu não é nulo porque remete para um regulamento que consta do Anexo V dos Estatutos e que, por tal razão, faz parte dos próprios Estatutos do Réu.

  11. Mesmo que assim não se entendesse, o Tribunal a quo, por força do disposto no artigo 449º, nº 2 do CT., apenas poderia declarar a nulidade do artigo 18º, e não a nulidade da totalidade dos Estatutos do Réu.

  12. O que se acaba de defender é reforçado pelo disposto no artigo 292º do C. Civil.

  13. A entender-se que o Anexo V não faz parte dos Estatutos, está apenas em causa a nulidade no n.º 4 do artigo 18º dos Estatutos do Réu, isto é, a nulidade de uma norma dos Estatutos, portanto, uma nulidade parcial.

  14. Estando perante uma nulidade parcial tem de se presumir que esta não determina a invalidade de todo o negócio ou ato jurídico – 1ª parte do artigo 292º do C. Civil.

    (24. a 31)» Irresignado com a sobredita deliberação do Tribunal da Relação do Porto, dela recorre, agora de revista, para este Supremo Tribunal, o Ministério Público, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «A) Em causa na presente ação está, a nulidade do artigo 18° dos Estatutos da Ré e o respetivo anexo V, onde vem regulado o direito de tendência; B) Pois, o legislador ordinário e constitucional impõem a regulamentação do direito de tendência nos Estatutos e aquele anexo, embora complemente os Estatutos, constituem tão só disposições regulamentares - arts. 450.º n.º 2 do CT/2009, 55.º n.º 2, alínea e) do CRP; C) Nos termos do disposto nos artigos 292.° e 295.° do CC, deve ser declarada a nulidade do n.º 4 da cláusula 18.ª dos Estatutos, respetivo anexo V bem como os estatutos da Ré, face à norma do art° 450°, n.º 2 do CT/2009, norma essa imperativa e que prevê a obrigação dos estatutos da Ré regularem o exercício do direito de tendência.

    D) O douto acórdão recorrido violou as disposições dos arts. 450.° n.° 2 do CT/2009, 55.º n.º 2, alínea e) do CRP.» Termina pedindo que se revogue «o douto acórdão proferido e declarando a nulidade do n.º 4 da cláusula 18.ª dos Estatutos, respetivo anexo V, bem como os estatutos do Réu, face à norma do art° 450.°, n.º 2 do CT/2009, norma essa imperativa e que prevê a obrigação dos estatutos do Réu regularem o exercício do direito de tendência».

    O Réu respondeu ao recurso integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Com o devido respeito pela opinião contrária, parece-nos que o Sr. Procurador do M.P., junto do Tribunal da Relação do Porto, baseou as suas alegações de recurso num trocadilho de linguagem (Os Anexos embora "façam parte" dos estatutos, não são nem se confundem com os estatutos, antes constituem tão só, disposições regulamentares. (n.º 4...

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